21 de setembro de 2007

Eu sou uma roda de samba!

Confesso. Sou uma roda de samba. Não apenas pela vitalidade dos quadris ou pela dinâmica com que os passos vão se alinhando com as batidas das palmas da mão. Mas, principalmente, pela alegria dos que circundam o ambiente. Sim, além de fábula, me vejo ambiente também. Saias brancas que voam, pés descalços no terreiro, umbigadas. Me parece também característica a continuidade do som, uma cachacinha como combustível. As letras são praticamente uma trajetória, uma métrica em história. Minha própria cultura. As vezes até pensamentos soltos.

Alguém pode perguntar acerca da melancolia que não existe na roda e que em mim parece uma constante, mas nisso não me apego mais. Apesar da também semel
hança com os olhos cansados da senhora da lata, do "rir para não chorar", das vontades inconfessadas no pandeiro.

"O meu samba é de vida e não de morte
Meu samba vem pra cá e traz a sorte
E celebra tudo o que é bonito
Meu samba não despreza o esquisito
Meu Samba vai tocar no infinito
Meu Samba é de bossa e não de grito"*

Sou também o sorriso da menina que entra na roda, a sandália arrastando o barro do chão, o toque do garfo no prato de porcelana, as notas delicadas do cavaquinho. Ah! eu sou sim uma roda de samba. Daquelas que as moças bem vestidas de chita gargalham satisfeitas. Das que os rapazes cantam abraçados o refrão. Do beijo e do respeito por toda a ancestralidade. Cada vez mais flexível, me embrenho pelas mesas de bar madrugada a fora. No couro do terreiro, nas latas tocadas por "minha tia", dos dedos miúdos na pele do pandeiro, do velho sapato branco, do chapéu costumeiro, da cerveja gelada no copo e da preta a se requebrar. Aí, sou ponto de encontro de bons amigos, escuta para dores de amor...



E então, o samba é meu corpo inteiro. Um pagode arrastado, um chorinho de viola, uma cadência com esmero, bandolim e surdo ligeiros. Senhoras do recôncavo, eu sou também... Os poemas de amor versados para o meu bem com harmonia e contratempos ritmados. Então, pego meu pandeiro discreto e, com minha marra sorrateira, me transformo lentamente num bamba. Na mais gostosa roda de samba.


"o couro comeu na casa de noca, nêgo
não teve jeito
na casa de noca, quando o couro come,
é sinal que a dona quer respeito"**

Foto: Carol Garcia e coletada na Internet

* Trecho da música Samba Meu de Rodrigo Bittencourt (cantada por Maria Rita)
** Trecho da música Casa de Noca de Serginho Meriti, Nei Jota Carlos e Elson do pagode (cantada por Maria Rita)

12 de setembro de 2007

Ela dança jazz suave!
















E tudo começava a parecer óbvio demais... caminhos parecidos, decisões inoperantes, alegrias pequenas. E mais, particularmente ela não arraigava solidão! Plantou três sementes na varanda perto da janela. Disseram que o verde rejuvenesce o sonho. Manejava os pensamentos para tornar saudável o tal subconsciente, como se Freud não fizesse nenhum sentido para seu pensamento irrisório. A minúcia do sentir não a paralizava, ao contrário, agitava suas expectativas em relação ao próximo passo. Em dias de roda de samba, vestia a saia branca rodada para impressionar os transeuntes. Nos outros horários, calça jeans e aparelho de mp3 para acompanhar a solidão. Ela sabia do prazer do chocolate tal como da sensação de liberdade vertiginosa que parece sentir, com todas as malícias, todos os búzios, as criatividades!


"Quando pára o samba

Eu lhe tiro pra dançar

Você me diz: Não

Eu agora tenho par
E sai dançando com ele

Alegre e feliz

Quando para o samba

Bate palma e pede bis"*

Se esgueirava pelas brechas do caminho, a tal menina. Olhos castanhos, desenhados com tal esmero pela luz que refletia um verde tão claro castanho. Molestava o ócio, distribuindo para o universo uma energia exaspiradora. Crucial mesmo para ela é andar descalça pela areia da praia e quebrar conchas para ouvir o barulho do "craft". Tomava coca-cola a noite, depois de desligar todas as luzes, até a televisão. música para comer, para escrever alguma coisa, para conversar. Maquinava alguma forma de ter que passar pelo caminho de praia, para ficar olhando para o mar e pensar coisas diferentes, tal como economizar dinheiro para comprar plhas novas ou qual será o filme que irá assitir, provavelmente sozinha naquele cinema bonito.

"Eu sou a casa do raio e do vento

Por onde eu passo é zunido é clarão

Porque Inhansã desde o meu nascimento

Tornou-se a dona do meu coração"**

Pouco tinha pintado os lábios de vermelho. A tentação era tentar se mostrar de um outro ângulo para angariar sorrisos bonitos, cheiros no cangote, beijos ardentes. Até acordar na poltrona desconfortável do onibus. Arruma os cabelos bagunçados pelo vento da janela. Pede o ponto e salta meio atordoada sem saber direito por que tinha tomado tal caminho que aceitara. Andava pelo centro da cidade, olhando atentamente as coisas que via todos os dias. Entrou naquela porta de vidro, largou a bolsa na sacada e aceitou o vinho para entrada...

"I go out walkin'

After midnight

Out in the moonlight
Just hopin' you may
Somewhere a-walkin'
After midnight

Searching for me"***

Foto: Vânia Medeiros

* Trecho da música Sem Compromisso de
Geraldo Pereira; Nelson Trigueiro (cantado pela Orquestra Imperial)
** Trecho da música A dona do raio e do vento de Maria Bethânia
*** Trecho da música Walkin' after midnight de Madeleine Peyroux