25 de março de 2012

Dos vícios e outros caminhos...



E andou mais alguns minutos de espaço certo que curado de desatenção, certo de que experiente em desilusão, escolheria tal caminho de não olhar as paisagens mesmo rasgadas. Vultos expressionistas que sempre o encantara. Mesmo concordando da não existência de antídoto, decidiu continuar, inclusive por não ter coragem alguma de desistir. Estava mais forte, tinha trabalho a realizar, cortar as arestas, preparar os pés, embelezar o caminho com as pegadas sincronizadas moldando o chão de terra.

Era mentira. Era uma verdade tão incólume que parecia real. Tão ilógico. Então, encantado com uma nova visão, querendo deixar a estrada solitária, embarcou na corrente sombria e iluminada ao mesmo tempo. Em princípio a esperança o inspirava visão de cores atraentes. 

Mas era simples olhar pra trás e perceber que construíra um falso trajeto, daqueles que só existe em imaginação.

A paisagem continuava lá, inalcançável, pelo menos pra ele, identificado por ele mesmo como um tal sem possibilidade de rumar outras vias. E sim, sedimentado em razão, sabia que tinha que sublimar o amor como paisagem, era algo a se fazer a duo e ele não conseguia ser mais do que um só. 

Perdia o fatalismo para encontrar os velhos trabalhos naquela antiga estrada que pelo menos o fazia caminhar em alguma direção. Mais arestas pra cortar, mais respeito aos pés, mais caminho pra embelezar por si.

21 de março de 2012

O pintor destraído



"Me perdi mais uma vez, mesmo tendo a bússola apontada para o caminho. Insatisfeito por andar sempre só, me entranhei naquela selva árida onde o horizonte turvo mais me parecia estradas reluzentes. E caminhei insensato, inadvertido. Me feriu o tempo, me humilhei pela falta exacerbada, pelo exagero, pelo drama. Infortunado, que sou, tinha que entender que era mais um passo em falso, mais uma armadilha própria. Queimei as folhas em volta por ciúme do tom de verde ruborizante, deixei me furar pelo espinho daquela flor pra sentir o sangue derramando. Barroco, intransigente com as criatividades, míope estava de uma desavença endógena. Me perdi e não sei aonde foi que larguei a sensatez, a coerência. Pois sabia da minha perda e dos motivos. Não sei como voltar e como criança tenho mesmo que chorar de desesperança, orvalhando o drama cartesiano pelos poros destraçalhados. Um ritmo brega, rasgado, uma balada sem cerimônia*, um descontentamento. E eis que assim estou. E construo essa arte piegas, arvorada em desejos imagéticos de me convencer do contrário. Estou no caminho certo da perdição, queria eu", trecho extraído da carta de intenções do grande pintor barroco** do século XXI, que se esconde em fantasias baratas e palavreados inconstantes. 

Autor desconhecido.
**sem prejuízos ao barroco como escola artística.

19 de março de 2012

Choras?





- Você saberia a tal resposta? - Perguntou alguém (inter)ferindo (em) seu pensamento
- Não, seria desgastante demais deixar as perguntas. - Respondeu achando que enganava a si próprio
- Pois então se deixe questionar. A primeira das dúvidas vai: "é fácil cair de amores, de pensamentos e vontades de outrem e continuar sozinho?"
- Não me farás vulnerável com essa piadinha tortuosa, meu caro. Sei inclusive quais as vicissitudes de seus argumentos falhos. Não obstante, continuo afirmando preferir as dúvidas.
- E por que choras então?
(...)


Não se ajudou por um momento. Mais agendamentos de cordialidades, mais indelicadezas com seu reflexo. Caminharam até a porta e desligaram a luz.  Vai um ouvir as sonoridades descompassadas e vai outro tentar achar uma brecha no barulho. Enfim, concentrado em arranjar perguntas mais evasivas, prefere a arte. 


Em tempo, enviou uma daquelas mensagens sem sentido para depois receber carinho em troca. Queria inverter a ordem, mas não tinha amor pra esperar, só as dúvidas que certamente estavas a cultivar.


- Perguntarei o quanto for preciso. Quero meu passo de dúvidas, quero a liberdade em teus braços.
- Obrigado, respondeu sem pensar.


E se entregaram ao sono, ele e seus pensamentos.


Foto: Paulo Lima

O outro em semitom



Andou alguns metros depois que fechara a porta sem solenidades, sem delicadezas. Tinha encontrado uma esquina, dessas onde o romantismo passa longe. Esquina suja de passadas largas, originalmente feita para encontros desavisados, já que o que vai não poderá saber, com visão, quem vem. Era o lugar certo de sentar-se e acolher os desapontos. Mastigar as enfermidades da alma. Ou simplesmente estar para pensar se ir ou esperar que alguém venha. Voltar não. Imaginou uma folha em branco para rabiscos e palavreou em sua mente alguns destinos torpes. O desafio estava posto: aguçar a insanidade para conseguir respostas pacificadoras.

Aquele exato ponto era o voadouro. Voadouro não é palavra inventada, mesmo que não exista. Vem da língua imaginária qualquer, que alguém já adivinhou antes: lugar de saltar para as nuvens de sensações. As podadas asas de todas as pessoas, forçavam nele passos incompreendidos entre o solo e a cruzada pelos ares. Cadeiras, pássaros, moleques desinibidos. Coisas que não o deixavam fixar cerimônias, alongar perenes satisfações.

Para modificar o pensamento da ancoragem, decidiu continuar a andança. Passou por cores vibrantes reluzentes do sol sem aguçar o olhar para enquadramentos, ouvia pouco os barulhos do pensamento para não se indispor consigo mesmo.

E migrou os tópicos de tempo. Faltava similares para arredondar as anormalidades. Faltava afeto, também. Magro que era, passava com afã pelas azeitadas sensações de indiferenças que tanto procurava. E a sua individualidade era tão gritante que mais parecia uma solidão desesperada, um tal vazio de si que regurgitava, como refluxo. Obcecado pela estrada, lembrou que não tinha como ir e precisou voltar. Estava atrasado, pensava, estava sonhador sem dormir direito.

Ele não era tão velho, era envelhecido pelo discurso, pela hipérbole. 

17 de março de 2012

Das flores nas luzes



Apontada a flecha naquela direção e lâmpadas se acenderam
Correu na mata verde a luz 
No emaranhado de um fundo tal azul
Como as rosas das roseiras mais reluzentes
Abrupta, tal como delicada.

Ora, não me parecem singelas
Mas assusta
Susto de constrangimento

De um olhar sensível
Aponta um relampejo de focos
Antecipando o grito
Anunciando a vida
Amputando o horizonte pelo primeiro plano

E conquistou meu nada aguçado olhar
Singelo, talvez
Pela cor daquele jardim no quadro.

14 de março de 2012

Carta a um futuro amor



Caro, boa noite!


Esta carta está datada por isso mesmo, porque me apareces à noite com um ar de cansaço do dia. Aparece calmo e sem cerimônias para acalmar os ânimos de um abrupto e acelerado pensamento de adivinhação. Tudo parece uma aberração de tão severo, gritante, mas nada seria mais torturante para um olhar ingênuo do que rumores de um amor a porvir. Então, apareces em palavras como poesia concreta, reta, sem muitas acentuações e os pontos pingados de desenho no papel de luz.

Aproveitando a porta aberta, não lhe pedi licença de propósito. Quero que meu amor guardado em parcimônia na espera de outrem seja digno de ser seu em compasso. Rastro decifrável de emoção quando você rir dessa parte da carta com o pensamento: "que loucura tanta vontade". Eu também estou rindo aqui, para dizer que não há intenção do autor. 

Isso mesmo, não há vontade de que sejam recíprocas essas palavras, há vontade de emoção. Mas sei que nem isso se pode desejar. Qualquer que seja o susto, está valendo. 

Argumentei dois ou três coisas sobre o cotidiano para chamar atenção, naquela intenção avassaladora de que a reação fossem signos de cuidado. Aquele prazer do mistério das palavras, aquele talvez ouvir o que ensaiou como resposta na frente do espelho. E riu mais uma vez de tal inconveniência. Ah! Nem está parecendo uma carta de amor com tantos desconfortos, mas não poderia ser de outra forma se não a tocar na obscuridade do desejo alheio para você mesmo.

É por isso que as ideias continuarão entrecortadas por parágrafos tortos. Até porque a carta de amor não vai servir para amor nenhum. Ao contrário, deve servir para o tempo dizer que quando éramos jovens tínhamos uma mania antiga de escrever palavras para convocar nossas vontades de estar junto para mais perto. Um querer aliviado, até mesmo inconfessável, de você e eu. 

E então, muito boa noite, meu caro. Meu caro tempo. Que me ame no futuro, como a você, homem!

Foto: Tiago Lima

2 de março de 2012

Segunda Pele*



Invadiu-me a alma tantinho assim com presteza e sensatez. Nenhuma coerência até então, só desbunde de uma beleza estonteante. Me sambou, com esse verbo que relativiza a condição de ser íntegro, racional. Transportou-me para a leveza imprevisível. Ela, travestida em cores que vibram e se locomovem tão repentina quanto vertiginosamente. 


"solta, vestida de lua na nuvem
dança como se dançasse pra ninguém,
ou só pra mim
ainda bem"**


Tinha exalado tal perfume que envolve e enebria. Cai do céu correntes fortes, novelos de lã em nó cego, rígido e coeso. Brilhantes, salientes, carentes de uma luz possível de tanta paz na guerra de sortes. ora, estava lá a balbuciar cânticos que nada servia, a não ser pra acompanhar seus passos firmes e sutis naquele tablado. Ela me guiava com parcimônia e energia vibrante, tão doce, tão reluzente.


"Ele não é dado pra ciúme,
mas encabulado assume que prefere até que eu não vá.
Digo que meu jogo se resume a um rastro de perfume
que eu deixo nos ares de lá"***


Dançou para minha solidão, como se a recusasse. me tocou em um lugar de segredos com aquele suave voz. Potente, similar a um toque sutil na nuca deslizando para o pescoço e desembocando no coração. Esse amaciado até o momento da instabilidade de sensações. poltrona vazia do lado gritava, mas ela parecia balbuciar no meu ouvido "Você não poderia surgir agora" e eu chorei.


"Eu tava aqui pensando em tudo mais menos você
e achei tão engraçado ter prestado atenção
na sua distraída intenção de me entender
como se já soubesse a chave da minha prisão"****


Daí fui ficar pertinho do seu sapateado, ver trocar uma pele por uma saia rodada de cor. Rodopiou, sorriu na minha frente e esbravejou um samba seguro, um frevo dobrado, curvando-se no final.


"Deixa o mar ferver
deixa o sol despencar
deixa o coração bater, se despedaçar
chora depois, mas agora deixa sangrar"*****


E eu entendi que tinha que deixar sangrar, amado como uma segunda pele.


Uma homenagem a Roberta Sá!


*Nome do álbum e do show da cantora Roberta Sá
**Trecho da música Pavilhão de Espelhos
***Trecho da música O Nego e Eu
****Trecho da música Você não poderia surgir agora
*****Trecho da música Deixa Sangrar