11 de setembro de 2013

Resposta [ou quando a palavra é o silêncio desenhado]


Foi imperativa sua resposta ao meu amor...
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Quando não mais eu conseguia ficar assim, insuflava você a dizer que a resposta era o silêncio e o vazio. 

Na minha insensatez, parecia dizer que qualquer coisa no mundo era mais interessante que minhas missivas, minhas intransigentes indelicadezas, meu corpo em desdesejo, meu destroçado pensamento sobre a beleza, minha superficialidade latente, meu ser em desengano.

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Tem mais um tempo no vazio, pra que eu me acostume ao silêncio.

2 de setembro de 2013

Meu amor não é meu!



Me vesti de um deslumbrante desatino. Uma túnica que cobria as minhas vergonhas sem dó. Era como uma contrapartida para que minhas insanidades estivessem palpitantes e destrinchadas em uma sintonia fina com o desejo. O lugar que eu estou só vejo interseções entre a imprevisível solidão e a robusta necessidade de estar só, tanto que não me parece sorte, mas hipocrisia interior.

Meu amor não é irrestrito, pensei. Mas dissolúvel e imaginário. Sempre que posso argumento que não preciso de vitaminas de olhares desejosos, mas sempre me contradigo em pensamentos. Continuei a refletir sobre como o contraponto me faz mais duvidoso.

Ora, não seria a ilusão o preço da conquista? 


Exonerado, a vicissitude corrompia as entranhas como sangue irrompendo veias não dilatadas. Ardia a incompreensão absurda do não viver. E mais que mais que fosse, geralmente só se sobrepõe ao gosto, o gesto simbólico do: "não te quero mais", na verdade nunca me quis mesmo. E então a fantasia era um ciclo sagrado de maus presságios e de insensatez.

Pra que então os pensamentos, questionou de forma ridícula em voz baixa. Ignorante que era, caberia mais algumas tentativas de saber para de fato chegar a conclusão de que sem o pensamento o vigor que é a vida estava chegando ao fim. Se assim fosse em pensamento, teria sérias consequências, avaliou? Não valia a pena continuar.

Nadaria uns 100 metros a frente sem coragem, descobriu que mesmo que se aprofundasse ao oceano de amor não tinha merecimento, tal qual de volúpia no olhar de outrem pra si. E o ego afundou...


 *Trecho da música A linha e o linho de Gilberto Gil
**Trecho da música Figura de Retórica de Gilberto Gil

29 de agosto de 2013

Ela era arara azul e pavão no rosto



O corte no asfalto tem gosto de cor. Uma cor agridoce e no final azedinho. Tão acentuado seu paladar que parecia carinho nas papilas gustativas em forma de intensidade de luz. É, porque cor é luz também! Isso se sabia pela reação que teve ao ver o chão: LAMBEU! Pôs a língua naquele lugar descartado como uma forma de protesto pela falta de qualquer coisa que fazia caminhar naquele lugar. E isso, no final, era desejo de ter arco-íris na boca e operou pela textura que tinha aquele prazer.

Ela desfilava uma cabeça de pena. Isso mesmo, uma cabeça penacho exuberante. Era um pavão com cauda na cara, exposta, maliciosa e colorida, tal forma parecia gostosa de tão vivas que eram os tons do seu rosto. Seus olhos eram dois grandes círculos formados no penacho de arara azul.

No fundo, se empenhou na virilidade desprotegida. Rebolava distraída como se os quadris deslocados fossem impeditivos para o caminhar. Parava em qualquer lugar para cuspir fogo, pintar postes ou suas unhas, ouvir o mar desformar ondas

Seduzida pela rua, comia a passagem tão irreal que gananciava tristeza em prazer. Como cores em gostos!

Ilustração: Flávia Bomfim

20 de agosto de 2013

Cartas a um jovem terapeuta (Parte I - sobre o sexo)



"Me ocorria que era uma divindade o corpo. Um universo de milagre entrelaçado pelo medo e pelo desejo. Porto estratégico de vontades, ele ditava as regras da consumição, da excitação. E enquanto tateava pela inexperiência, ocupava-me de saber se esse tal que eu possuía alertava outros pelo exalar sutil de convocações, pela sua forma moldada para olhos alheios ou pelo jeito que se deslocava no universo. Só assim, claro que também com as memórias e marcas dele (o corpo), poderia merecer o toque e o gozo. O pintava, o comia feito ruptura, alimentava ele de vícios e de vazios, além de saborosos afetos, claro. No meu caso e na maioria das vezes sempre o achava imperfeito. O problema foi acha-lo demasiado incapaz de atrair outro. E por isso muitas mudanças foram feitas. Sinapses reestruturadas, alegrias pré-moldadas, corretivos desenhados especialmente para tal coisa. E vamos testar. Levei-o a bailes para que mostrasse desenvoltura, levei a conversas que estimulasse a construção harmônica de posicionamentos com conexões bem encaixadas, argumentei por leve o levando pelas caixas de bits (algumas vezes iluminando-o para fios). Antes de dizer-lhe rechaçado, admito que o enchi de esperanças de que havia desejo puramente em descobrir-lhe. Posto que de experiências, notou-se sua incapacidade de interessar. E tudo que lhe houve de toque até aqui resulta em ansiedades e vontades desproporcionais. Acometeu-se de uma vergonha assustadoramente prazerosa e não me libera sem restrições pra agendar novas tentativas. Melhor que não as tenha!"

19 de agosto de 2013

Sold out



Comprei duas doses de tédio no supermercado vizinho à minha casa. Desdenhei algumas vezes da minha condição de procrastinador, relutando contra a preguiça de mudar minha postura sobre mim mesmo. Afinal, para eu descobrir se algo tinha saído do lugar no mundo lá fora, no mínimo tomaria um banho, escolheria uma roupa apresentável, me veria melhor. Tudo isso às custas de uma visível revolução que nesse momento se chamava deixar pra lá as cobertas que me protegiam do frio e a cama que me davam prazer em me ajudar a reclamar de mim com sabedoria de mestre. Pois então, decidi comprar uns quilos de alegria e até mesmo quem sabe uns tortos litros de desejo.

O que faltava de libido, ardia de uma esperança fatídica de que eu não mais soubesse os caminhos de fazer tudo da mesma forma como fazia anteriormente. Até busquei promoção que me animasse. Até pesquisei texturas, sabores como projeção e impulsionador. Tava decidido! Abriria aquelas portas para sentir de perto aquela alegria que eu levaria ao caixa orgulhoso. Num súbito pensamento grotesco afirmei pra mim que o preço que pagaria pela peça adquirida seria muito maior que a do arrependimento do gosto não absorvido. Era notório que me perdia na escolha, mas eu andaria alí sem me proteger.

Desci ofegante as escadas para não topar com outro possível comprador nos elevadores. Tudo enlatado, talvez. Eu mesmo nunca deixei de ser. E depois, prateleira por prateleira fui seduzido mais uma vez por caras sensações de conforto sem desfaçatez. Comprarei, pensei. O risco nem era tão grande assim. Ao que pese o rótulo que eu mesmo produzi, tinha mais uma vez consumido um punhado de ilusão aparente sem prazo de validade a vencer. 

No final, se existe um desses pra vender, quem não valia nem um centavo era eu. Que aliás nem teria comprador. 

31 de julho de 2013

Dislexia emocional



"Estava a te observar", disse ela a empenhar um tom reflexivo. Continuou: "e parece que mesmo que não assim o fizesse com tanta frequência, me parece que, repito, mesmo assim, conseguiria diagnosticar esse estimulo repetitivo que te acomete, seja para gozar de si, seja para se sentir equitativamente belo".

Eu só ouvia, atento!

Foi então que gritou impiedosamente: "SUA PASSIVIDADE ME AGRIDE!" E retomando com mais calma, "não vê que esse castelo de cartas tende a desmanchar como de tantas outras vezes? Vai me dizer que tolera o descaso com o carinho que eu poderia te dar se não fosse essa sua irreversível precisão de solitude...". E parou para ouvir qualquer reação

(...)

"Há alguma liberdade nessa sua falta de transgressão? Deve haver um prazer inóspito em ser envolto em ciclos onde a carência afetiva impõe lugar de destaque na reação frente a qualquer ato de carinho alheio. Não vê que esse é o pior tipo de traição, a dislexia emocional ancorada num ridículo mal estar com a autoestima?". Ela estava decidida a virar o jogo nesse momento, como se quisesse dizer que em determinada idade as desilusões amorosas não passavam de inconsequentes imaturidades.

Não queria ouvir essas palavras torpes. De forma alguma via legitimidade nela que já irritadiça. Qualquer remediação para viver é uma ilusão vexatória, ele pensava! 

"Há o amor em mim?", perguntei quase chorando. Ela parou de falar!

Foto: João Milet Meirelles

30 de julho de 2013

Atraídos pelo sonho


(...)

Corre, vem pros meus braços feito criança em sorte.

E assim o sonho rebateu o diálogo:

Ele - Não mais faz sentido a ilusão de querer, sobretudo em tácito presente de compaixão. Lânguido, não sou mais tão disperso quanto deveria...

(interrompeu o outro)

Ele (outro) - Calma aí, não me peça nada além do que você mesmo não pode me prometer. Veja só esse arrepio todo da pele, signos insolentes de um desafio demarcado pelo carinho. Vê se pode voltar atrás assim de tudo!(?)

Ele - (esbaldando-se em gargalhadas) As palavras nem sequer parecem tão risíveis, mas eu estou a te olhar profundamente nos olhos e interpretar um futuro sem sentido.

Ele (o outro) - Isso só pode ser masturbação mental. Um rodopio imerso em um contingente solitário de vícios passados, nada mais. Só pode ser desejo, só pode.

Ele - E daí que fosse? Eu não quero a sorte natural de braços apertados frente aos meus... quero a pluralidade da paixão sobre minha alma soberba e impaciente, tentando raptar qualquer que seja a vontade plástica de suas entranhas.

Ele (o outro) - Como se eu realmente fosse livre...

Ele - Como se você optasse pela paixão desmedida usual. Se deixasse levar pela rasteira do passo em falso que é o encontro.

(Tinha uma outra pessoa, Ela, que não conseguia falar, mas que atentamente se deixava levar pelos argumentos)

Ele (o outro) - Eu sei, eu sei! Minha angústia é assumir que estou melhor do que antes, mesmo sendo antes o melhor pra seguir. Não dá pra disfarçar.

Ele - Você está como eu.

Ele (o outro) - Eu estou assoberbado, na verdade. Não tenho mais tanta voz, tenho confissões intermináveis e desabafos constantes a produzir. Nesse caso, acho que não sei mais se me atrai o novo.

Ele - Nesse caso, meu amor, o que me atrai é um novo par de calçados comum. Uma boa cerveja gelada e um pensamento complexo sobre as coisas simples. Me atrai você.

Ele (o outro) - Me atraia!

(Ela continua a ouvir atentamente, e só.)

Tudo isso, como se fosse sonho....

Ilustração: Vânia Medeiros

29 de julho de 2013

Cheiro de parque [ou magnetismo em tato]



Um gosto de verde me pegou. Leve e refrescante sabor me apalpava os sentidos. Ora, se a brisa do mar amparava os arbustos, de certo era daí a sensação de apego a matas tão vivas. E foi assim que foi, os dois alí amparados pelo vento, vertiginosamente sutil em desejo. Era ali um entrecorto, um desequilíbrio, um olhar atento e um amparar firme. E ainda que tivesse sentido tudo aquilo, nada poderia ser descoberto senão o poliamor, um amor múltiplo transfigurado em corpo tomado de ardilosa sensação.

Foi um cheiro de mato, um lago tão extenso quanto a visão poderia alcançar. Foi alí nessa paisagem de janela que um braço tomava o outro de prontidão, sem soltar, com seu único desafio de prender a chama acesa para que não afetasse o limiar externo. Tudo isso em pleno arrebol, assuntado.

E então, ponto por ponto de desejo os prendia. Embebecido de doce vinho fresco, partilhado de carícias que entoavam sons abundantes. E então fez-se o toque, como parte de um alvoroçar. Descobertas sensoriais, deslumbres desformes, corpos em retidão malemolente, exalando odor de suor e toque. E antes que pergunte por eles, eram dois, ele, ela e tantos outros, um por dentro de cada um, como um só!

O ápice apontava para a descoberta de pontos de sensibilidade. Se apressava para que apontar para o lugar certo em tato colaborasse para um contorcer e arrepio do corpo de outrem (visto que eram tantos alí incitados). Cruzou-se as pernas em coreografia, desfigurou golpes de prazer, ampliou os toques em desalinho constante, desgovernou sentidos. E o olfato agora mergulhado em literaturas e chuva artificial pedia gozo deslumbrante e gosto de pêra espumando todo corpo.

E então, como se um magnetismo viril acompanhasse os sentidos, tava alí, no caminho com cheiro de parque e lagoa em poros.

16 de julho de 2013

As Pintantes


Eram disformes em solidão. Ora, para quê tanta envergadura e tédio, se se podiam mais obtusas? E foi assim que acolheram pedras e poeira no cotidiano. Uma mais que a outra, de fato, sem perenidades vacilantes, sem agonias ou vícios falidos. Um dia se embrenhou pelo campo de matas irreconhecíveis como se não tivera medo, mas era mesmo um amarelo ouro de cidade sitiada que a prendia. Uma sem medo, como se fosse um, uma travestido de linguagem. Outra "sujismunda" de rudes alegrias pululantes. A outra mais normal mesmo, sem saber tanto de si.

Tomou o rumo fora de mim as três, mesmo que uma delas fosse homem. Era como se eu não fosse tão elas, personagens principais de uma trama de veludo. Estampando gravuras com sobreposição de imagens cortadas sem rito, sem pressuposto. Um descompasso de linearidade, sem intenção, com problemática!

Elas ovulavam juntas, como se o desejo proeminente de um tato hormonal sobressaísse sem cabimento. O argumento era de que não tinham nada em comum, além do tesão ao mesmo tempo. Repito, uma delas nem ela era como queria que fosse, até ser. Mesmo ovulando. Mostrou detalhes do seu sexo para provar-se indecisa e as outras sarapintavam as esquinas da ilusão de ser. E riam, absolutamente sem nexo.

Um dia, foram as três imbuídas pelas dúvidas ao mesmo caminho do traço. Uma mais veloz que a outra. Pelo caminho, ergueram torres de sustentação, riscos em um verde singular, tecidos rasgados com as mãos de forma a deixar um corte assimétrico por vontade, pinturas no chão da cidade e até música feita de sabor de coco e umbu. Essas mulheres que pintam me comovem, pensou o senhor à espreita. E, quando cansadas, continuaram a produzir aquela sensação de desapego.

Não tinha final, mas se assim o fosse, três desenhos corromperiam nossas visões, delas!

Ilustração: Vânia Medeiros