21 de agosto de 2007

Trem das cores (ou à vontade de colorido)


"A franja na encosta, cor de laranja, capim rosa chá..."* enquanto as testemunhas da sutil mudança de temperatura se embalam ao novo frescor do ambiente. Série de gravuras do pensamento se tornam mais tácitas que visuais. Espelho da saudade.

"O mel desses olhos luz, mel de cor ímpar..."*, surtam em ondas de giz de cera com traços alterados pelo vento. Conexão de paisagens, novos desafios. A falta que a menina me faz. Parecem noites escuras, com verdes musgos, azuis marinhos, rios vermelhos.

A princípio fico marcado pela sensação indescritível da paisagem do salmão ao ocre. E nos sentidos apurados da textura da pele quase morena. Sinuosidades em fotografias adquirindo ares de impressionismo fantástico. Pinceladas infantis que carregam imagens deslocadas. Saudades dibujadas.

"Azul que é pura memória de algum lugar. Teu cabelo preto, explícito objeto, castanhos lábios, ou pra ser exato, lábios cor de açaí..."* e então a imaginação é tela com sombras de lápis de cor. E você, tinas guaches diversas, vai se diluindo em águas mornas, sem se dissolver.

Passeia por outros sabores, imagina hipermelodias, sons malemolentes. E, quando acostumada a nova rotina sem grafites nas paredes, sem pedras em reinos, cria tempo de arco-íris indecifráveis.

"Eu ando pelo mundo prestando atenção
Em cores que eu não sei o nome Cores de Almodóvar Cores de Frida Kahlo, cores Passeio pelo escuro Eu presto muita atenção no que meu irmão ouve E como uma segunda pele, um calo, uma casca, Uma cápsula protetora"**

Daí partem todas as reflexões sobre o amor. Na coerência indóssil dos hormônios, em desejos de entrega, no colo. Portanto, na ausência também. Imitando laranja de folhas secas caídas das árvores, amarelo opaco da manga no chão, o quase-vermelho de lama no asfalto.

"E aqui trem das cores, sábios projetos: tocar na Central..."" De fato contemplar sonhos perecíveis e imagéticos canaliza formas cada vez mais intensas na possibilidade de preenchimentos. Por que o "eu" é mais do que penso que ainda não sou, por que indecisão não é mais limite, por que tudo era há alguns segundos.

E, antes que a promessa de estar se alie às incoerências dos passos dos segundos, da invasão do limite na delicadeza, que a agonia transborde a incoerência do ser/estar, o lilás ainda esteja na sandália, o cinza para estas letras di-gi e tais "e o céu de um azul celeste celestial"*

para Vânia Medeiros

* Trechos da música Trem das Cores de Caetano Veloso
** Trecho da música Esquadros de Adriana Calcanhotto

17 de agosto de 2007

próximo passo...

Aquelas espumas brancas, quase silhuetas no abstrato, revigoram o olhar. Na desatenção percebida, no acúmulo do tato, na onipresença da solidão, no caminhar estático. Como se antemãodos números ambiciosos das pacas dos carros retornassem importantes fotografias do absurdo [naquele instante]. [No agora]. Preferindo, de certo, a incerteza do tempo contínuo. Para a liquidez das certezas. Para a natureza do que se chama "coisas". E, assim como tarde fosse o amanhã, embora o espaço tenha mais sentido na narrativa, cresce a ausência da concretude. Como se a rigidez e a inoperância estivesse esmigalhada e não pudesse mais fazer parte do espírito / cotidiano.

"Será que já não vi
De modo impessoal E em tempo diferente Um dia estranhamente igual Dias iguais - Avareza de Deus Passando indiferentes Por estranhos olhos meus"*

Na sensatez atroz, desconhece imagens no espelho, chuva que molha a meia dentro do sapato, encontrar dinheiro esquecido no bolso da bermuda que não se usa mais. Quem sabe o vazio se aprofunde, quem sabe a liberdade seja o in. "Angustia de quem vive... Fim de quem ama"**. Obstante o aparecimento da lua no céu, migra-se paciência outrora confessado para um reino fantástico pintado em seus muros de vermelho-barro. Com a mesma assiduidade de piscar os olhos e para expandir-se em imagens (cons)cientes. Qualquer forma de exibição. Qualquer amor.

"Blackbird singing in the dead of the night
Take these sunken eyes and learn to see
All your life
You were only waiting for this moment to be free"***.

Dar passos, então, se propõe agora a significar continuidade, menos inquisitória que qualquer carinho. Colorido feito as estrelas distantes. Enfretando retas no chão, colhendo folhas secas. Perpetuando normalidades de tal modo que não se enxergasse o outro lado da janela transparente. E chove lá fora!

Ilustração - Igor Souza

* Trecho da música Outra Noite de Chico Buarque
** Trecho de Soneto da Fidelidade de Vinícius de Moraes
*** Trecho da música Blackbird dos Beatles