8 de fevereiro de 2007

Ela X Ele na cidade sem fim*


nega - ele vinha andando lentamente. De repente ele estava passeando pelas listras que cobriam as estradas do meu pensamento. Olhava de certo as pedras mínimas que tinham formas exuberantes pelo meio do caminho e as folhas de pitanga que exalavam o perfume sensível do ambiente. Ele pisava macio, arredondando o vento, quase sem tocar no chão. Se não assim o fosse tenho certeza do mundo a girar numa velocidade muito mais lenta. Olhos de jabuticaba, cílios definidos, como se liberasse algo mágico daquelas vicissitudes. Ah! o olhar... E era um moço forte, tão quanto elegante... era a própria sensibilidade! Os passos eram naturalmente vôos de um bem-te-vi que sorrateiramente o fizera sorrir. Ele sorria...

nego - ela estava sentada (des) ajeitada. A faixa colorida do cabelo não podia limitar a beleza do seu belo sorriso. Ela é espontânea, almejante de passos tão largos quanto seu próprio movimento de repouso. Era puramente energia. Forte, uma moça forte de olhos intrigantes e puramente doces. Se impunha em qualquer ambiente, presença tão marcante quanto partícipe. Não se continha às gargalhadas. Ah! as gargalhadas...

"Mas tudo é só o amor em mim
Tudo é só o amor para mim
Xangô Agodô
Hoje é tempo de amor"**

nega - De tudo que se vale do agora, a liberdade, singela e intransferível, é digna de não espantar qualquer atitude. Me desperto em qualquer dos limites insolentes e marco mais um ponto para o acaso arriscando desde rabiscos em papéis que não se valem de nada a outra própria realização: o beijo.

nego - De nada serei eu, antes incompletude serena nesses passos. A assiduidade inconstante da presença de outrem tornando excitação e disritmia. Mas não se para pra entendimentos breves. Mais do que isso faz-se necessário. O limiar inconstante da sensação de mar no ventre. Toques de mãos e silêncios solenes.

nega - Os demais símbolos são apenas outras construções. Para além deles a vivacidade fora dessas trilhas. Qualquer criatividade, qualquer paz. Então, mais palavras e mais encontros de lábios.

nego - Antes, a vontade continuar venerando a gargalhada. O cabelo que toca serene no meu rosto. A tênue aventura do prazer em ver. Aconchegos e sons.

"Lines on your face don't bother me
Down in my chair when you dance over me
I can't help myself
I've got to see you again"***

nego - E todos os sons são você. Todos os momentos são inconstantes e cada vez mais precisos. A delicadeza de ser flor. A intensa airosidade de seu caminho. A parte mais limiar do seu lábio. O instante preciso. O som do vento na tua pele. Sim, tua pele.

nega - E todas as imagens são você. Do espaço que se insere de verdades imponentes cada vez mais imprecisos. A afabilidade no ser pássaro. A própria lembrança do lugar do olhar. O lugar preciso. Os ambientes da sua imaginação. Verdade, sua imaginação.

"Se eles não têm pose
Nem maldade
Eles não têm culpa
Nessa cidade"****

...
Mas eles sabem amar...

Em homenagem à Bia e Êjigbô

Foto: Atta - Átila

*Música de Vanessa da Mata
** Trecho da música Canto de Xangô de Baden Powell
*** Trecho da Música I've got to see you again de Jesse Haris (na voz de Norah Jones)
**** Trecho da Música Ela X Ele na cidade sem fim de Vanessa da Mata

5 de fevereiro de 2007

De repente andar...


A missão disponível era caminhar... saiu de um bairro imaginário para uma comunidade criada por um caminho que ia desenhando. Ia construindo as paredes todas e até os paralelepípedos. Sozinho, ia delineando as paisagens como se o olhar fosse pincel e como se a luz do sol contivesse todas as cores que necessitava. E tinha. O engraçado é que tinha muito sol, então muitas cores, dessa forma se esbaldou em tintas que até então não tinham sido misturadas. Acompanhou o seguimento dos ventos, indicando por onde ir e alertando com símbolos por onde deveriam existir os passos. O objetivo estava apenda começando a se cumprir.

"Por um segundo
Achei que estava lá
Olha! Que luz é essa
Que abre um caminho
Pelo chão do mar
Lua
Onde começa
E onde termina o tempo de sonhar?"*

A atitude tinha a ver com a palavra meta. Nada era tão certamente concreto, mas tinha todo o sentido. Para que se possa entender ele já se tinha desenhado anteriormente. Agora precisava cumprir outra missão. Seria desenhar pontes? Seria apenas chegar a outro lado? Seria construir lugares? Não se podia ter certezas, mas tinha convicções seguras. E construia casa, pintava praias no caminho, desenhava grão por grão de areia, sinuosas sensações de frio e calor. Pela estrada que imaginava, passava sem caber em si de tão verdadeiro. lembrava do que lhe era sutil e andava em direção ao que se tinha que fazer.

"Vou mostrando como sou e vou sendo como posso.
Jogando meu corpo no mundo, andando por todos os cantos.
E pela lei natural dos encontros, eu deixo e recebo um tanto.
E passo aos olhos nus ou vestidos de lunetas.
Passado, presente, participo sendo o mistério do planeta.
O tríplice mistério do "stop", que eu passo por e sendo ele no que fica em cada um"**

A liberdade também foi sendo formada... continuamente. Andar era legítimo, criar de tal forma que se pudesse continuar a existência. Indignação e Paciência também sempre fizeram parte do vocabulário. De nada serviu a consciência ou qualquer pensamento sobre, mas o prazer da justeza sim. (Repete-se o conceito de justeza - justiça + beleza). Sem ignorar nada, ajeitou o tapete que acabara de pintar com seu olho e andou como gato que levemente faz carinho em quem tiver por perto, manso e nem um pouco temeroso.

Quando foi saber qual era o objetivo já estava cansado. Foi quando bebeu a água que pensou em existir e dormiu. Aí já se sabe, em sonho construir outros mundos é coisa melhor do que brincar de colorir o mundo.

Ilustração: Vânia Medeiros

* Trecho da música Pedra e Areia de Lenine e Dudu Falcão
** Trecho da música Mistério do Planeta de Galvão e Moraes Moreira