15 de janeiro de 2009

Risos do vento


Plácido e acidulante. Caído da liberdade ressentida, ri-se de asneiras sem som. profusão de pulos de um pé só não lhe atinge. Quem de fato será ele na frente de vidro e espelho, igualmente límpidos? Nada lhe faltava, além da saudade que deveras voltara a te procurar e lhe dizer que não existe sem memória. Tava lhe faltando vento de outroras, então. Mas, como fazer para voltar a um passado passado, não podia, com certeza extrema, fazer parte de um ciclo de pensamentos. Regurgitou solitariamente: "preciso parar de pensar assim, aonde vai chegar esse relutar contra o tempo?" Decidiu por um banho demorado nesse dia de calor intenso dentro de si.

Cerveja gelada seria o esquema para, além de aliviar o pensamento, esfriar a quentura interna. Sentaria numa praça qualquer se não tivesse se sentindo tão extremamente só para sentar em uma mesa de bar rodeado de gente. Prometeram caminhada a ele, lembra-se, prometeram até carícias sexuais talvez, mas de fato tinha mesmo era livros à mão cheia.

Então, estava amando. Só podia ser isso. Amava estar no lugar que era a imaginação profunda e assim, estava certo do caminhar vivente. Era esse o mistério? Saber que seguir em frente é criar as imagens sem precisar fechar os olhos como holografias de uma vila amarela e rosa? Era mais do que isso, e não se atreveria tentar acertar, vai que o chute dá certo e a vida não vale mais a pena depois e etc etc etc.

"Ele pensa que faz do amor sua profissão de fé
só que faz da fé profissão
aliás em matéria de vender paz, amor e axé
ele não está sozinho não"*

Rodante que ainda não sabe se é, preferiu ficar só pensando. Ele é ingênuo esse menino. Se perguntar de suas grandes experiências tropeça em seus míseros vil metais. Esvaziou a mala perdida pelos cantos da casa para ter surpresas, tomara que encontre mesmo algo. Quem sabe um grande amor! Oxalá!

Liberou as estradas para ser pisado pelos pés alheios, como forma de prazer e castigo, ou os dois fazem o mesmo sentido em algum momento. Por enquanto distribuia sorrisos pra todas que passavam em vão. Ela mais real, outra mais introspectiva, ela (quando se olhava no epelho). Ainda vai sorrir mais, deixou escapolir agora essa frase de um canto da boca olhando o mar do alto daquela colina!

* Trecho da música Guerra Santa de Gilberto Gil
ouvindo Waiting in vain na voz de Gil

11 de janeiro de 2009

Cenas de limites


Quarto de hotel. Duas mulheres sentam em pontas diferenciais da cama. As pontas são lugares extremos, partos e rupturas a postos. Crack! Um barulho de ambiente se faz e provoca a sensação de desconforto. Olhar uma para outra? Enquanto sentadas e em silêncio tinha um reconforto aparente, nada como um pensamento revolto para saciar e aguçar a visão e suas riquezas de detalhes. Não há salvação aparente no pensar, tudo se esvai para uma lógica que desconcerta, mas talvez apropriada no controle de pensamentos fulgazes de esperança. Há possibilidades, somente isso! O barulho, ainda não se tinha falado dos motivos, advinha do abajour [slow motion - Won Kar Wai]. Aquela luz meio amarela e morna tinha esquentado aquele objeto de tal forma que a consequência não poderia ser diferente a um som de quebrar, afinal era essa a ambiência. Que fazer agora que o silêncio e o conforto foram alterados? Nervosa, uma das mulheres de uma das pontas (extremidades), levanta-se, pega a bolsa que escapole de sua mão. Um ruído maior, mas agora tem preocupações artificiais para criar o sentido do conforto. Rímel, carteira de identidade, camisinha, moedas, papel do cartão de débito, batom vermelho e gloss estão no chão. O desespero para reorganizar tudo era sim uma falácia, não era real a preocupação de ter de volta a bolsa seus pertences: fuga anunciada. Agachou e em uma velocidade mínima rastejou no chão [cores vibrantes - Pedro Almodóvar]. Desistiu de catar, deixou uma lágrima cair e deitou no chão com braços abertos. A outra mulher, a do outro lado extremo da cama, levantou-se e, ainda em pé, sorriu.

Um carro de cor mostarda atravessa a rua. Vidros abertos para circular o vento, janelas para criar composições da cidade. Enquanto em movimento, fotografias vão se formando lá fora. Menino caminha no passeio acompanhado pelo pai, bicicletas também circulam com seus motoristas, pontos de ônibus vazios naquela tarde. Parece que há uma assiduidade no limite do estar em algum lugar indo a outro lugar. Pára-brisas e retrovisores a postos. A visão adelante e traseira também, então. Alguém mexe no volante como se soubesse do destino ao longe. Agora seria o momento no texto no qual se sugereria ao autor que dissesse certas verdades sobre o destino e o tempo. Não que as perguntas estejam
demodé, mas há uma demanda de leituras com algumas certezas inquietantes. Mas quem dirige esse carro não sou eu, sento no banco do carona e espero qualquer tipo de reação do tipo: "Me leve para seu desejo mais profundo de destino, assim estarei mais perto de entender a longevidade dos anseios e das dúvidas". Por enquanto me calo, sem respostas. Para desgosto dos leitores.

E então, passeando pela maré, sentiu a irrealidade de tudo aquilo que compõe a paisagem. Nada daquilo podia ser real. Seriam imagem borradas que só de longe poderia ter algum sentido [expressionismo - no jardim de Monet]. Se arriscou a molhar os pés com cuidado e olhou com agonia para o reflexo das águas como se um ente espiritual lhe encomendasse tal reflexão sobre a vida, sobre a incessante vontade de viver e mais imagens iam sendo criadas sobrepostas pelo balanço do mar. Nada parecia tão confuso, era uma arte esmiuçada pela vergonha de não se sentir inteiro ou pela incerteza do fazer parte. [surrealismo - transcendência de Dali]. Sentou na areia para contemplar a si próprio ao olhar para o ambiente. Mensurou suas necessidades e tirou a camisa para se sentir mais a vontade (ou desejado, quiçá). Entendeu que tinha orgulho de permanecer e ao ver os corpos que passa em sua frente, estava conectado.


Foto: João Meirelles