28 de dezembro de 2008

Um homem de sonho - parte IV


E o homem, na altura dos seus 26 anos, esqueceu-se que ao ter como objetivo o andar deveria tomar cuidado com as pedras, pedregulhos, paralelepípedos ou qualquer sólido em boa quantidade a atravancar o seu caminho (na paródia do Quintana, a pedra pode sim ser eufemismo de homem). É excelente o pensamento recorrente de que os tropeços acontecerão e que mesmo assim o movimento de caminhar deva continuar. Como tem passos e passos, ele sabe que tem tombos e tombos, algunas mais difíceis de se recompor. Tem alguns que mesmo com seu corpo fincado no solo, te deixam sem chão. Nada pode ser tão óbvio quanto pedras no caminho e os tropeços são incessantes. Equação do caminho que se abriria em fórmula tal qual química orgânica. Pior quando são as mesmas pedras sempre... Seria melhor cair com as pedras ou tê-las na cabeça, quetionou-se distraído. Não há um chão tão límpido de alguém a ponto de convergir para um levitar no andar, o atrito é muito importante e para isso o concreto deverá sempre prencher a sola da sua sandália. Inteligente seria o moço quando ao passo de sua idade conseguisse relacionar atrito à sola dos pés com caminhada pelo espaço sutil e machucados menores com os tropeços. O moço ainda chora quando cai (em si!)

26 de dezembro de 2008

Um homem de sonho - parte III


Eram braços e pernas em sincronia, como coreografia marcada. Nem queria prestar atenção nesses passos, mas nos movimentos da respiração ou dos desvio de ganho de tempo. Tempo é uma coisa já que já tinha pensado, mas se aprofundar nisso era orgulhar-se de um estar diferenciado que ainda não o podia fazer. Deixara então para aprofundar suas leituras sobre momento, horário, velocidade, mais tarde. Como era de praxe pela cidade em que anda, tinha sol no céu sobre sua cabeça. E quando está assim paira no ar um desejo de fazer, mais do que do ser e do fazer juntos. Seu corpo tinha uma determinada malemolência e é disso que queria prestar atenção, o fazer com gingado preciso. Se prestasse bem atenção nunca corria para atravessar a pista, se possível ainda tocava nos capus do carro há pouco em movimento. Quem diria que pela adrenalidade estava enganado, mas pelo estado de eloquência que acaba tendo com as relações cotidianas. Motoristas e pedrestes nessa cidade são parceiros de conduta, as vezes se desentendendo politicamente, mas nada tão grave. Este homem descia a ladeira que poderia muito bem dar no mar com bastante destreza. Para isso tinha seu próprio rebolado, balançava os quadris sem distinção dentro da sua masculinidade [ou do que isso poderia significar]. A ladeira é um traço bastante específico pelo caminho, ela suntuosa carrega desafios constantes e modela o corpo. Braços e pernas agora estão mais diferentes, pensa ele, sem parar de caminhar, já que enquanto há sol há muito o que se cumprir de atividade. A ladeira bem que poderia dar em um museu com suntuosa pompa. E esse homem já apreciava com contemplação o próprio ambiente, disso tinha começado a ter consciência. E praça e cinema e casa e ruas. Ah! as ladeiras dessa cidade o consumia de desejo. Se o objetivo agora não fosse apenas o andar, talvez ainda o fizesse mais...

12 de dezembro de 2008

possível parágrafo


Eu nem queria estar aqui, mas é conveniente. solidão em prosa é como verso sem medida, como livro sem dedicatória, como mar sem bicicleta ao redor. como se não existisse temporal, eu não queria estar aqui, mas o que fazer se há a vontade e o desafio em contrapartida? Se há tudo de vontade e de desesperança, diria que não é mais possível pensar em outro lugar, mas eu não queria estar aqui. ontem eu até pensei nisso como a segurança dos passos e até fiquei mais feliz por ver escolhas pro destino do outro. seria então eu egoísta? se sim, eu não queria estar aqui. E mais... faltam-me outros passos a dar. querer ficar, beijar o menino mais doce que me propuser um beijo e ligar sem destinatário para usar o móvel falante bonito. Que me propõe quem me lê? sim, querer pode ser não desejar, às vezes. tem mais passos a ouvir no chão.

8 de dezembro de 2008

G(D)ramático











ponto de exclamação


ainda não se sabia se era susto ou era algum outro movimento diferente em seu ser. poderia se contentar com pouco, com um dito sentimento qualquer, mas prometia averiguar profundamente o que lhe ocorria nesse instante.

ponto de interrogação

Aqui há de se demorar mais um pouco. Por que, você sabe, quando se há dúvida a vã interpretação do ser traz a necessidade de interpretar. Nesse caso a dúvida pairava sobre a composição do que há por vir na produção humana. Mas isso é uma questão muito longa, duvidou de sua capacidade e de sua querência no resolver esse enigma e então ficou na simples tentativa de saber se teria a possibilidade do ato criativo estar ligado à uma função simples de decodificação do universo, como tarefa técnica. Fazer uma peça de teatro como se constrói a cadeira da sala é possível? Pensou sem relutar! Não quis dar resposta, é óbvio, afinal tinha que ocupar sua tarde com algo que fizesse sentido e o pensar... Ah! o pensar.

dois pontos

Isso por que o pensar não é ocupar um lugar no tempo. É o próprio tempo da humanidade. Orgulhou-se de ter ponto em comum com o ambiente, a vontade de pensar, de se decobrir na descoberta que talvez pudesse fazer com aquela reflexão toda. Também não abria mão de questionar os passos simples que dava. Tal como a música que escolhia no mp3 ou se a cor da capa de seu livro favorito combina com seu conteúdo e vice-versa. Mas ia parando por aqui já que a explicação não deve ser maior que a dúvida.

e ponto de continuação

30 de novembro de 2008

carta à Banda Larga Cordel


A pretensão desse texto é a rede. Talvez seja uma pretensão enorme, mas penso que o posso por aqui. Esse é o maior desafio dele por que não dá mais pra deixar de dar atenção ao que nos circundeia: a rede. E a rede não como lugar de apenas descanso (mas ele também, e seu balanço contínuo), mas como seu lugar de pontos de encontro. A rede é como se fosse a costura dessas palavras e não seria outra coisa senão uma pretensa e sonora ilusão de que estejamos em outro ponto de história no qual as palavras escritas tendem a se formar símbolos interconectados. Nesses tempos (e tempo é uma palavra contínua, como gerúndio) tende-se a pensar que não andamos - ou que a pura estética solitária nos redimirá, estes não se atentaram para a potência da rede. Há os que temem em prever que as classes se rebelarão no fechamento das fábricas, nas greves sindicais. Estes também não ligam pra conectividade entre os povos.

Eu ligo, ou melhor, eu conecto!

Há algum tempo, recorre o pensamento de que a continuidade da história e a prórpia construção dela se baseia no desenvolvimento dos conceitos de política, cultura e desenvolvimento. Mas hoje há a imagem e a criação dela que nos insere no mundo, pelo menos na história deste. Não se trata de romantismo a liberdade de criar e isso está muito claro quando Gil (o estopim de uma revolução) nos faz pensar que viver em comunidade hoje se trata de ligar-nos em ciência e espírito em infovias libertas, onde o copiar é sincero e potencial e as palavras vão se acrescentando em sentido. Esse texto é uma cópia, assim como tem a pretensão de rede (como se disse no começo). E você poderia clicar aqui para desvendar as imagens que se passa pela vanguarda desses pensamentos, mas é bom mesmo que você crie - ainda estou aprendendo.

A criação de subterfúgios e de metáforas para dizer o que vem a seguir seria mais simples, porém esse quer se dizer uma carta para agregar outros a esse mesmo pensamento: de que só a conexão nos libertará!


Uma série de pensamentos se abrirão e eu não me furtarei do pensamento de um movimento novo onde a arte e a criação artística é um ponto pungente para nos emancipar. Onde a política de nos fazer cultura junto, a nossa dimensão territorial, o nosso ser-tão Brasil, a mobilização e ação política e uma Banda Larga Cordel se constitua dinâmico e vivo para que a gente fale de si, produza novos caminhos com outros lados do espaço/tempo e participe ativamente da história!

O movimento de 22 e o tropicalismo está renovado nesse momento. Que encontremos a chave que nos tire da imagem de inércia e nos movimente em coletivo e conectados!

pela aula-espetáculo Banda Larga Cordel de Gilberto Gil e para as mentes pensantes de Sarah, Vavá, Maria Eugênia, Zé Diego, Vânia, Raíça, Tom Zé, Mônica, Patrícia, Juliana Lima, Franklin, Regina Casé, tantos outros e você se quiser assine embaixo!

Foto: Gilberto Gil e Banda Larga

24 de setembro de 2008

Um homem de sonho - parte II


Nem sequer pensaria no simples ao chegar lá. Lembraria que batentes não são obstáculos em si, mas a própria decisão de alcançá-lo. sorriu ao sugerir um fugir da realidade, mesmo já estando do outro lado, mesmo escolhendo sem ao menos ter qualquer certeza de que naquele outro espaço oposto saberia, leria, viveria mais outras experiências inovadoras. Bem verdade que facilitaria caminhar por este lado, levantou essa ressalva, mas o que poderia encontrar nesse novo caminho? apenas uma estrada? Outros tantos de beleza? Aguçado desejos de ter? Distraiu-se com a própria calçada, com o sincornismo dos pés que passava (também olhando onde pisava). Podia voltar, mas não mais interessava o antes, apenas como um soluço de vontade de saber o por quê de estar caminhando. Movia-se pelo caminho acelerando mais cada passo, sem ter tanta pressa. Corre-se pelo tempo nas vias da cidade e o tempo não parece sequer se preocupar com esses presságios de vontade voláteis e correntes. Para saber, o tempo lançaa enigmas maiores do que a própria matemática e a filosofia juntas, já que nele tem os espaços e os outros contidos em um conjunto metafórico. Liberou os braços pra fazer movimentos maiores sem atropelar o andar alheio. Assim poderia olhar mais suas próprias mãos, suas próprias delicadezas no seguir, suas sensibilidades. Andar, pra ele por dentro da cidade, tornou-se rio em si. Como um desaguar límpido e taciturno ao saltar as pedras e desviar-se do que vem adiante. Pelo movimento, ainda pensaria um pouco mais antes do chegar contínuo.

Ilustração: Igor Souza

22 de setembro de 2008

Um homem de sonho - parte I*


Ele estava do outro lado da rua. Tinha seus 26 anos. Nem parecia querer atravessar a pista. Queria mesmo era contar o tempo que o sinal de trânsito estaria se movimentando. Isso porque ele não precisa de mais nada do que o pensamento circundante. Não lhe falta movimentação. E, enquanto pensava nisso, ele deu passos a cruzar aquela estrada. Muito menos sinuosa e mais destemida do que em qualquer outro momento que já tinha vivido. caminhou por um tempo com aquela sensação de liberdade nos peitos. Nada de especial parecia soar daquele desafio de sair de um lado pro outro. Apenas ele era especial e ninguem, realmente, tem alguma certeza sobre ser assim, sozinho e exclusivo. Atravessar a rua é olhar para tantos lados for necessário. É como viver. Por que viver, não é apenas tempo para escolher caminho, mas coragem dos passos e cuidado com o que há por vir. De certo não há um viver somente, assim como não há um apenas fechar o sinal. Entre a pista, carros e as pessoas, tem o pensamento. E como tinha dito, ele não precisava mais de outra coisa enquanto não andava, a não ser o pensamento. Agora que tomava propulsão chegaria ao outro lado depois de pensar e depois de gente, de sol, de vento de outras vontades e ainda mais pensar. E se tivesse alguma dúvida no meio do caminho? Sorriu ao aguçar essa possibilidade da dúvida... Até por que os caminhos não tem asfalto de verdade, um pé não empurra os ideais pra poder seguir com o outro. É quase involuntário aprender e seguir. Como equação onde a divisão do refletir e a estrada é sempre a dúvida, só se falta multiplicar pela coragem e pronto... certo de que não há ciência exata, chega ao outro lado da rua ainda com as mesmas questões que se fizera no meio do caminho. E o outro lado começa a existir.

* conto dividido em frações de vontades
Ilustração:
Vânia Medeiros

29 de agosto de 2008

"... pra que minha vida siga adiante"


Naquela noite eu tava caminhando para um lugar assim qualquer. Sem muitos devaneios, simplesmente não sabia e nem me importava onde que ia dar aquele caminho. Só fui. E indo eu entendi o por quê de dar passos. Entendi que a solidão é a verdade mais simples e que o medo é a paixão pelos desejos que se sobrepõe às angústias. Fico me olhando tranquilo como se entendesse as frases dessa conversa de botas batidas e sorriu em frente ao espelho que é o som da guitarra desenfreada, que é o caminho das imagens do outro, que sou eu.

E quando ele vai me dizendo essas coisas embaratinadas, me explica sem sentido o que não consigo ver em mim. Ele quer um mergulho e eu o dou sem contestar. Pelo menos um choro e uma alusão às expectativas a seguir. Sabe caminho? Uma flor? Tudo vai se completando com a destreza do ser e parto a compartir os laços desse amor com uma visão próspera a outrem: eu tenho um plano, ir além do que se vê. E sigo...

Sentado na poltrona eu ando. Eu te vejo sendo naquela tela e caminho sentando mesmo naquele lugar estático. Eu te ouço e é como saber que não estarei sozinho a sentir as pontuações de um manifesto. O ritmo potencializa o afago das sensações e ainda há que pensar em um lugar pra montar a escultura do prazer de se saber caminhando.

Seja de ventura a caminhar por um bloco do eu sozinho, aceito a condição.

Para o Los Hermanos, Moniquinha e minha emoção.
* trechos de músicas e nomes das músicas.

22 de julho de 2008

.de quando senti minhas rasteiras nos meus pés.


.eu me violei novamente. passei a perna nos meus compromissos com meu destino. dei mais uma vez bola pra desejos e cai feito um patinho na seara da solidão. não que estar sozinho seja um fardo, mas isso já faz aniversário por aqui. eu me deparei com uma não vontade. um traço de insensibilidade com meus limites, uma infelicidade arregida pelos traços desconfortantes do espelho. entendo o motivo do não desejo, não aceito mais a ilusão como misericórdia. e me vi sem luz naquele lugar de ficção.

.criei anatomias diferenciadas pelo caminho. eram rastros de sensações como jumps, vazios, olvidar... um estranhamento inóspito. não quis mais o que eu era, mas como não tenho o que mudar, não quero mais esconder os limites. pronto, acabou o papo! e como as palavras também me traem, sei do meu boicote a mim e como sempre vou dormir sozinho, esperando que a noite não acabe ou que o dia não me venha com novos desejos, por favor.

.eu queria mesmo era colo, pra não precisar chorar sobre teclados, lençóis, nem rasgos profundos dentro de mim.

para Pablo Neruda com cópia à Carlos Castilho
do fotolog niltim: em palavras-cores

21 de julho de 2008

.e então eu te vi



.a pequena parte sua que eu consegui ver não é sorte, mas principio de liberdade. há um sentido mais leve o da vontade de estar, a proximidade da sensualidade e o limite do querer. nem um toque sutil, nem uma lembrança mais concreta, mas um desafio de ser/estar como viver/mover-se. e então eu te vi, enquanto tudo se movia. esquálido os espaços em volta, mas você e você não era sequer uma visão.

.daqui não tenho como te ver por inteiro e te procuro. me falou alguma coisa sobre criar vidas, pequenos enganos de identidade. eu esperava pelo esboçar contente de um amável toque qualquer e assim o tive. e então eu te vi, na sua serenidade peculiar, nos seus movimentos aspirantes, nesse rio vermelho e outros.


.estava ansioso. pensei em um cigarro, em tiradas cômicas, em lugares outros, em partidas de futebol, em artes cênicas. isso por que eu conseguia enxergar seu corpo a dançar continuadamente. e então eu te vi, mais nada. só o conseguia fazer, noite/dia, música/outra, paz/revolução, verde/vermelho, matos/fróes, sozinho/outro. eu queria me lembrar da canção agora e então te dedicaria trechos como este:

"...pois quando eu te vejo, eu desejo teu desejo.

Menino do rio,
calor que provoca arrepio, tome esta canção como um beijo."*

.eu prometi te encontrar de novo. sintuoso testemunho de seu corpo. robusto de desejo, anseio de menino. e estes tão doces lábios, quão desenho, quão sutil. ah! menino seus passos... uma memória de delicada atração, envolvente lugar de desejo. e então eu te vi sem limites. por que das tuas ligeiras velocidades acompanhei teus pés e então ainda quero mais te ver.


para ele.


Ilustração: Vânia Medeiros

*trecho da música
menino do rio de Caetano Veloso.

16 de julho de 2008

Eu sou feminista!


Sim, eu sou feminista. Sou mesmo. Desavergonhadamente feminista. E não tenho que me envergonhar disso: por que eu, mulher, classe baixa, negra, periférica, nordestina deveria defender um modelo de comportamento, direito e pensamento que em nada me privilegia? Ao contrário, rebaixa, diminui, incapacita.

Sim, e estou feroz. Embora já tenha feito elegias aos homens, embora seja uma mulher que escreve poemas para seus amados, faz desenhos para aqueles que deseja, compra presentinhos, faz almoço e se precisar passa roupa, eu ando impaciente com os homens. Impaciente com os enquadramentos que são dados pelos homens, com a falta de descuido e a eterna prepotência.

E quando em algum momento esbravejo, um deles responde com desdém "hum, ela é feminista". Como se isso fosse uma ofensa! Ora, sou mesmo. Não posso concordar que uma mulher seja puta porque gosta de gozar. Não posso concordar que uma mulher seja otária só porque ela não está disposta a "dar" para determinado cara. Não posso aceitar ser tratada com indelicadeza porque não sou branca e gostosa para o padrão dele. Não posso admitir que o fato de eu andar na rua habilite o sujeito a me passar a mão no seio. Não posso deixar de torcer para que a mulher traída dê um belo corno no marido, que garanhão varre meio mundo. Não posso admitir que um sujeito me torça o braço porque quer que eu dance com ele. Não posso deixar de sentir nojo quando vejo uma mulher defender um patriarcado que não é seu. Não posso deixar de me entristecer quando vejo uma mulher se erguer diminuindo as outras, para ganhar o desejo dos homens a volta. Não posso deixar de aplaudir uma mulher que se impõe. Não posso deixar de esbravejar quando vejo uma mulher negra ser tratada como mula. Não posso admitir que uma reclamação minha seja considerada irrelevante porque sou feminista, e como qualquer feminista, sou azeda, mal-comida e coisas do gênero. Gozo todos os dias, graças ao bom deus. E me deito com aqueles que me interessam, quando me interessam.

Que se lasquem os que impõem os rótulos: gostosa, preta, mula, mal-comida, vagabunda. Que se lasquem esses pequenos medíocres que se vangloriam pela porra de um falo. Que se lasquem em alto e bom som.

Sim, sou pelo direito de uma mulher ser o que ela quer. Inclusive dela se defender e defender as parceiras. Não me interessa sentar numa roda de homens e psicologizar as outras mulheres, destruir para ser a bacana. Não me interessa ser dona do pedaço. Já disse "que se lasquem". Ao longo da história, as mulheres cresceram se debatendo entre si pra ter a porra de um homem, que nem sempre provem. Derrubar a colega, pra subir no conceito do macho. Triste ver isso acontecer. Disso não faço parte. Que se fodam, se torcem o nariz pro feminismo. Feminismo é necessário, enquanto essa porra de machismo correr nas veias de homens e mulheres, mesmo dos ditos conscientes e inteligentes.

Sou filha de uma geração de mães solteiras. Cresci numa casa de mulheres que criaram sozinhas seus filhos. Boa parte das minhas amigas não têm pai. Algumas delas, têm filhos, cujos pais, pouco se lixam. Moro numa cidade, que no carnaval o corpo da mulher é coisa pública. Já fui chamada de puta, por não beijar alguém que nunca vi pela obrigação de saciar um desejo que não é meu. Na rua onde moro, uma senhora de 60 anos quase foi estrupada por um garoto que também tentava roubar sua televisão. Acabei de saber, que a cada 15 minutos uma mulher sofre violência sexual no Brasil. E me justifique agora: por que eu não devo ser feminista? Por que devo defender o direito de quem me oprime?

Texto: Mônica Santana - blog Eu Sou Amelie
Ilustração: Vânia Medeiros

8 de julho de 2008

próximos sentidos... 1, 2 e 3!


Essa paisagem (o tempo) me remete a três sensações: coerência de sentido; desenvolvimento da análise; e veracidade do gostar.

coerência de sentido - momento em que enxergava com gosto de comida crua os passos a serem dados e as pequenas opções ao andar. Sugeri a mim que não ficasse olhando a liberdade como estrada sem gosto, mas como ilha e sua possibilidade de ponte. Daí entendi a liberdade como um outro lado apenas e o que fazia sentido era apenas ter a possibilidade de sair do lugar. Tinha pouca ciência, mas percepção de uma realidade vista pelas condições possíveis de uma íris, de uma experiência estética e de uma solidão racional. Desfalecia com os mistérios que poderiam haver ou as invisibilidades das difíceis consequências de uma escolha. Mas o lugar coerente de ser sincero faz com que o sentido de liberdade tome tento e daí se torna absoluto princípio em criação.

desenvolvimento da análise - o primeiro pulo não surtiu efeito. e pra ser sincero logo de cara, nenhum outro dará. o fato é que continuava a pular pela curiosidade do que tinha atrás do muro, mas muito mais pela necessidade de estar maior do que costumara. Não chegava a ser um vício simplesmente, mas uma arquitetura pungente de novas aquisições de reflexões acerca dos desejos que tivera anteriormente, até aquele momento. O lugar do fazer conexões era inevitável e imprescindível. Assim não se orgulhava de conseguir propor, mas de observar as possibilidades. Criar ambiências de naturalidades sensatas, como em caleidoscópio girador. Sem medo de contemplações, desenvolve o olhar com mais capacidade de parar um instante para ver.

veracidade do gostar -quanto tinha de sua própria imagem no espelho que observara há um tempo atrás? a reposta seria depender da quantidade de passado que decorrera até a pergunta? a leitura das diretrizes que marcam o corpo saciaria a dúvida? e a mensagem que se daria pelo olhar, originaria um outro ele ou uma outra provocação de como se concebe? ser verdadeiro consigo seria questionar-se sobre suas sensibilidades? curiosamente, teria mais possibilidades a vista? apontaria a partir do que olhara naquele espelho seus gostos, mesmo que as verdades parecessem cruéis? e os momentos deixariam que a vivacidade das vontades se tornassem criações sensíveis? no final de contas, daria uma pergunta como resposta.

Trocaria as numerações pela liberdade, pelos momentos e pela criação. mesmo que fosse dúvidas e mesmo que houvessem possibilidades. E outras sensações foram criadas...

7 de junho de 2008

traços de hipertensão crítica - enquanto eu escrevo.


Mais lisérgico que o ar é a não vontade. Parte do princípio estético de que não há primazia libertária nas construções simples que irriga os vícios, diria mais, vicissitudes da ilusão alheia. Nada de “simplicionismos” arcaicos. De volta ao lar de novas teorias, vale lembrar que a imensidão ideal era inquirida na mão dupla de meias inverdades contadas aleatoriamente. Na prática, move-se as idéias em espaços pouco místicos.


A balisa do estar/permanecer, o que remete diretamente ao espaço/tempo, até agora e aqui é a sensação de desconforto. Não se sentir integrado faz produções cinéticas de reações. Se minhas contas estiverem certas, não tem métrica possível nesse parágrafo pra criar alguma rima ritmada. Por isso esse parágrafo faz questão de reivindicar a intenção apenas dele enquanto agrupamento de símbolos em palavras. Nada mais.


Há rumores de que se exasperou o sentido de criar. A repetição das sinopses ou a intenção (ou intensão, semiologicamente falando) estaria em auge. Mas é preciso pensar que os links são efemeridades (?) e as velocidades, perdas exacerbadas de contemplação. Assim sendo, as novas modalidades do ler estão estritamente ligadas a uma conexão imediata e pouco interpretáveis. Da mesma forma que o amor, beleza, outros sentimentos contemporâneos.


Falta a tradução própria do sentido. Faz-se necessário criar outros personagens e descobrir os limites do que já pode ser visível. Eu não sou abstrato significativo, sou símbolo de pungente profusão de sentidos.


Ilustração: rainha das cabeças de Vânia Medeiros

5 de maio de 2008

.perpassar as chaves para ouvir*


.quis incrementar o tempo com aberturas possíveis. em diálogos sensoriais e auto-explicáveis. talvez a solidão tenha dominado a face e o rubor esqueceu de mencionar a falta de lógica no pensar o caminho a seguir. e ainda a sentir os impactos do som. os vícios do desejo, as linguagens do meu gosto. aguçar a irritabilidade na agonia ou o prazer atônito do saciar. sintonia fina ou explícita, tanto faz. acabei sabendo que não mais me importa a plena embriaguez do tempo e mais. eu me vigio pra não me culpar pelos limites que ainda não sei de mim. me sustento pelas beiradas a cama, pelos lençóis macios, pelo ventilador que faz som e vento ao mesmo tempo na minha madrugada.


.quis salientar a paciência como manejo simbólico do sentir. inigualável sensação de compromisso com o respeito a si mesmo. alimentar a vivacidade do sonho com a descoberta de que as relações são políticas do amor. o lugar do escutar é aberto para novas e concretas frases substanciais. lucro ou construção colaborativa. ao me ver, me escuto sensorialmente, sozinho. daí, simples! eu lembrei que não tinha passado todo o tempo me olhando no espelho - os olhos alheios. parei de ficar observando os atos e de repente não estava sólido, mas ultrapassando as vicissitudes do espaço.


.quis me ver sensível, libertino e libertário com o compromisso da sinceridade. me ofereci como isca pro afeto e ainda estou a procura do fisgamento. se estou preso a pescarias? talvez aqui pudesse definir meu conceito de sorte... ao longo do tempo me imagino sensível aos batuques, robustos aos toques, aprazível no que se tange os acordes. e as falas são belos sons. da importância do dizer como antônimo de imaturidade. e ainda desenvolvo pensamentos em palavras, como uma conversa comigo, música para crescer.


.quis estar íntegro as misericórdias, mas sinto que não deveria querer de mim. ao colocar fo(m)nes no ouvido, há vontade de transcendência. eu queria estar um pouco melhor, ou seja, agarrado a consciência tranqüila do estar só, do amadurecimento que é lento, da conquista de uma sabedoria que se acomete nos aprofundamentos aos poucos..e mais um começo. restabelecer o óbvio como liberação de formas sem precedentes. ri e lembra que é conjunto de histórias. leia-se, novelas. se se observar percebe que nada mudou. naquele momento de noite, fantástico, continuava sozinho.


Ilustração: Igor Souza


*do fotolog - compilações de pensamentos diários

8 de abril de 2008

buquê


.espero o momento solene do amor a dois. assim nem tão diferente de passar o dedo na sobre da tigela; correr na chuva sem camisa e abraçar alguém; tocar a guitarra invisível no show da banda de rock que mais gosto; tomar um capuccino com ela em dia de frio; a tela dele aparecer no msn; tocar aquela música no celular.


.espero solenemente o momento do desabrochar da flor. como as rosas se transformam em cheiros doces ou como os jasmins perfumam o ambiente sem pedir licença. assim, eu espero o encontro.


.espero você chegar sem muitos sentimentos. atrasado pelo horário do sono; vivo pela vontade de contar o segredo; alerta por que chegou o fim de semana.


.na verdade cansei de esperar, mas se quiser aparecer...


Texto e Foto do fotolog: www.fotolog.com/niltim

Conto dos paralelepípedos


Pedra de número 372. Estava a contar as pedrinhas de paralelepídedos no chão azeitado. 373. E não queria mais se orgulhar de quantos passos dara até aquele momento. Não por que não houvesse a necessidade de se libertar das agonias esfumaçantes da sua imaginação, mas limitaria seu campo de visão para as ilusões que viriam pelo meio do caminho. E sentou. 374. Tinha tão mais pela frente que descansara um pouco para pensar.


E pensar é bem mais devastador do que contar as pedras do asfalto.


375. E o sonho se tornara liberdade. Ousaria apenas avaliar sua vontade de permanecer arbitrário, imaculado na sua aspereza. Vai adormecer em sua vida mais e mais pássaros, como metáfora de criações com possibilidade de voar de seu colo. E então, 376. Havia ainda mais pedras no seu caminho, como diria o poeta.


Ousou a escrever uma carta no ponto específico de seu desejo. Ou seja, chegaria a contar 377. Balbuciou vontades inconfessas e mais letras resultavam de sua capacidade de coordenação motora. Habilidade com os dedos tinha de sobra. 378. Passos devagar e a carta tinha ficado cada vez mais extensa, sem ruído, sem vicissitudes, sem pesar. Carinho não estava a vista, mas vontade não faltava. E o amor? 379.


Mesmo que assim não o quisesse, terminara a carta com um ponto final retilínio e não desforme. Criatividade tinha para dar reticências, mas quem leria a carta? 380. Suspirou profundo. 381. Comeu algo. 382. Sorriu da fumaça que soltara. 383. Pulou ao invés de andar.


Que saudade de quem contaria displicentemente as pedras do caminho, ele pensou. Chegou no espaço de enviar emoções ao outro lado do lugar. Casa amarela e azul de número 384.
Ilustração: Vânia Medeiros

1 de março de 2008

chuvas e desejos em duo.


TAMPOUCO seria o infortúnio daquele homem em descrever os passos dela. Cuidadosamente, apenas a observou sutil e de forma displicente. Arguira a algum de onde a jeitosa silhueta que vira chegaste de mansinho, pois não acreditara que era real. Ela virou alguma esquina alí a frente e ele dispersou o pensamento. Atravessou a rua e se deparou com a imagem da cidade submetida ao sol escaldante daquele horário, que não importa agora. Talvez por que o sol amarelo produz luz branca, foi que ele teve agonia no peito, sem saber muito o por que de não se fazer entender-se por si.

Taí a solução de seus dilemas básicos, falta descrever as cores que consiga ver adiante (tanto no espaço, tanto pelo tempo que ainda chegará). Com malícia ajeitou os poucos cabelos e franziu a testa sem mostrar preocupação com o que teria que fazer. Tinha as suas responsabilidades, sabia, e as encarava com bom humor para passar as tardes que lhe faltavam. Questionara no vazio: pra que a vicissitude do tempo urgente se a primazia do futuro é o mistério? Mesmo assim tinham ações a cumprir que não eram de seu destino, mas de seus compromissos.

Seu forte era andar. Como conseguia decifrar o chão de léguas e o mar de corredezas acima, soprava o ar com vontade de vento frio em seus poros. Molhado, sim, as células sudoríparas não lhe falham. Pisou firme mais uma vez ajudando o outro pé a estar na frente, de tal forma mecânica que se pensasse sobre não andaria mais.

Pediu um sandwiche para comer, falava inglês com sotaque rígido de música pop, mascava chiclete de menta quando não escovava os dentes após o almoço. Mas nada é ilusório por que tem o diálogo na sua mais límpida forma de se ver interpretado. Para ele, o amor é feito de sensações de desejos recorrentes, tal qual o sonhar com transas e o ouvir atentamente o que o outro quer dizer, às vezes indagando-o.

Faltou ainda falar-te do sexo dele. Enaltecido estava por encontrar uma vontade de continuar a andar. Colocava a orelha e a cintura econstada sempre em algo frio pra sentir prazer. Era um homem, oras. Mulheres fabulosas jogariam pedras a ricochetear em lagos do centro da cidade.

Um homem que o estava seguindo notou a discrepância a que ele tratava o cotidiano. Não ousou o seguir mais e sentou na areia ainda a olhá-lo. Então ele enconstou e perguntou se o amigo tinha um cigarro. em troca da resposta negativa um beijo para sentir sua lingua e um silêncio junto para ouvir o mar. De lá sai a mulher a quem observava mais cedo. Descreveram juntos os passos dela e mais uma vez se beijaram.

Ele sente os mesmos desejos de antes. Agora, eles sentem desejos em conjunto.

"I kiss you on the brain in the shadow of a train
I kiss you all starry eyed, my body's swinging from side to side
I don't see what anyone can see,
in anyone else but you"*


Foto: Tiago Lima

* Trecho da música anyone else but you de The Moldy Peaches

16 de fevereiro de 2008

Carnavália III


E tudo estava tão completamente sereno. A luz serena, os passos de serenidade. Quando me fez luz de sentidos e uma outra ambiência me foi posta. Era aquele lugar de mim, às quais minha memória se confortava. E mais. Era carnaval.

De certo, me propus a vivenciar o gozo simbólico e nada mais eu era que vontade de passos. Conectado me transformei fácil em beleza, por que as cores da ambiência, os andares juntos, as escolhas simbólicas faziam a decoração inevitável dos dias de calor.

E então tinha mais, música daquele lugar, danças daquele lugar e grandes ilustrações em consonância com a estética da diveridade - eu e os arrecifes todos.
De convergência em cada um tinha um coração. Voava por mangues daquele lugar, sentado num paço, quase rente à cultura de livraria do rio versado em João Cabral. O camarão era sopa e as pessoas em volta mais que máscaras, fantasias!

A sensação de preenchimento me desenhava sorrisos e os encontros eram de energias. Ver e interagir de forma simples, a amizade de dias atrás.
Aquele lugar me faz sentir aqui no chão. Como se tudo fizesse muito sentido. Dos choros na Caxangá, do sozinho com meus pensamentos em andanças no espaço antigo, das malas no subterrâneo, de um Brennand simples, de picanha com macaxeira.

E mais de uma noite onde os tambores são silenciosos e me transporto pelos lugares de roda e os espetáculos quase sonhos. Me tranquilizava o saber e os meninos que me circundavam me iluminavam de outros desejos.


Depois que os pés se passam por pontes, por auroras de ruas, tudo é imprevisível, inclusive a emoção.


Os momentos eram mais do que integrais, eram marcados de sorte. Luzes ao lado acompanhando e uma intimidade com aquelas ruas. Um cheiro de produção cultural, bonitos de juventude nas ruas. Quanta ladeiras e outros carnavais!


* Foto: Carol Garcia

(Com carinho à Pat, Zé Diego e Franklin por dividir os momentos, o espaço, o estar junto. A Carol e Denis pela cumplicidade e pela alegria de viver os momentos. À Fernandinho, Wilkiner, Adelle, Rafaela, Lenoca por encontros. à dona Lenira pela acolhida e aos pequenos companheiros de conversas na porta de casa Michael - gordo - e João Carlos - Scott. À multidão e aos cantores, dançarinos, artistas plásticos vibrantes daquele carnaval. Ao seu Paulo do Banco do Brasil por tudo. Ao Carnaval 2008 em Recife e que venham próximos)

13 de fevereiro de 2008

Das árvores estradas...


De certa forma, a homérica ilusão do quereres fica inocentado. O desejo é tão in que despreza o alheio de forma exasperada. Daí a sensação de que a vontade que dá é mais ingênua nuance da dualidade em mim. O mais impactante está no fato de deixar-se entender que é de desejo que se constrói caminhos, metaforizando diretamente os passos em gozo.

O problema não está no fato de ser o querer diretamente proporcional a diletante construção da estrada, mas do caminho em si não ser mais que uma árvore. Assim, sendo a árvore o caminho, trata de lembrar que o desejo ramificado requer escolha de gozo simbólico. Isso partindo do tal pressuposto da vontade como integrante composto do eu dúbio.

Passo dado, então, deve se inferir rupturas tão práticas como prazerosas.

Mais um elemento. Tenho a sensação sutil de que não tenho conseguido andar e visualizar caminho de forma menos fabulosa (exercício de enxergar as possibilidades na sensatez racional possível), se torna repetitivo - para não falar em dor. Daí, a inexistência do gozo, a estaticidade dos dias perenes, o contraste sombreado da eternidade. Podada a árvore que é o caminho, parece então não restar tantas ramificações, sequer pensar em frutos.

Resta a dialética do desejo e a pergunta (ou nó!): existirá construção de caminho por desejos que não seja ilusão? Reconheceria a falta de liberdade na escolha dos passos? Choraria mais uma vez por, reconhecendo os desejos, saber da incapacidade insistente de não os tornar gozo, ou seja passos? Há esperança de caminho?

Fico de fato bastante óbvio que as respostas são tanto quanto visíveis; só falta saber se há possibilidade de responder às questões sobrevivendo a elas. A reflexão do tal medo é em si uma escolha - ou a necessidade dela; os instantes fulgazes se relacionam com a ausência do gozo, parado em frente a tentativa do caminho que, agora, é o próprio desejo. Nesta árvore sem folha, urge a imperatividade da falta do sentimento de impotência na vicissitude do querer. A ilusão já deixa de ser sutil quando da racionalidade do gozo e não o tê-lo se transforma na inoperência do caminho e todas as questões voltam a tona.

Viver agora tem como principal necessidade o quebrar os espelhos.

O instante do não se enxergar - ou ver a beleza no outro, possibilitaria conviver com o caminho a ser construido. Sem gozo, o desejo vira caminho / árvore seca e as ramificações solenes não são tais possibilidades de escolhas. Resta o vazio no desejo do toque, no cuidado e no carinho, do carimbo de eu gosto de você.

Sem afagos, escreve como se as palavras conseguissem construir árvores e sozinho percebe novamente no final das linhas delicadamente insensatas - e não lidas - que a homérica sensação do "quereres" fica inocentado, ingênuo que estou no gozo, sozinho que estou a caminhar.

Foto: Vânia Medeiros

6 de janeiro de 2008

A duas mãos*


Ele caminhava por pétalas amarelas e vermelhas que o chão continha. Tinha vento a tocar a música singela da passagem. Mas foi na curva que não pôde deixar de ver um casebre ao longe, enfeitado por pequenas pedrinhas em sua parede, a qual tinha sido construída pensando naqueles tempos de fluidos imaginários e de brincadeiras infantis com rodas, tricículos e pique-esconde.

O casebre não era um lugar. Era a vontade de aconchego, de paciência, de vontade de viver. Então, abriu vagarosamente a porta
da esperança e do desejo, da determinaçãao e viu, por entre as gretas, letras subindo pela parede da porta azul com bolinhas laranjas. Aquilo mais possibilitaria alcançar seus mais profundos desejos. Foi então que ao derramar das letras percebia que a possibilidade das palavras criara uma diversidade de sentidos que ele mesmo ainda não tinha descoberto.

Preferiu deitar no chão de madeira polida e contemplar os símbolos constantes derramados pela parede.
As palavras que ele conseguia capturar iam lhe fazendo se entender aos poucos, mas ele queria mais. Ele queria viver de maneira mágica, queria transcender o imaginário e, concretamente, entender e vivenciara melodia do vento a passar pelas asas da borboletinha vermelha e preta que voa pelos jardins do fundo, tão singela e tão profunda. Além de não ser dual e se entregar ao sim solenemente, aprofundando a liberdade de si e masageando a ilusão de estar. Tão diferente era o ser que se observava aumentado e, incompleto que era também sentia medo. Dentro do casebre, o principal dos medos estava ligado a alguns reflexos do observado. Em constante movimento dentro de si, saia aquele espasmo.

O medo vinha em formas pulsantes, latejantes e esvaia-se em faltas, vazios fulgazes que saia dele, amorosidades inconfessadas e soberba de ser incompleto. O reflexo, ao menos, o entendia sagrado. E, então, visionário de uma beleza que a construção dae sua história tinha concebido.

Foi então que a seus pés caira a palavra tempo.
Por sua mente passou um mar de coisas, mais ou menos dois minutos depois da queda. Deu-se um estalo e ele compreendeu que o verde das folhas com as pequeninas flores laranjas tinham um sentido diferente em cada primavera. E assim a palavra tempo tomava a dimensão de que tudo, menos a beleza de se ver inteiro é temporal. A primavera voltaria para as flores, assim como o inverno para o vento, como as frutas amarelas para o outono e a saudade para o verão.

Para ele o tempo era mais que momentos a interagir com o mundo, era a necessidade de
analisar calmamente cada situação e poder compreender que nada é estático; que a vida é construída por ciclos e que a cada ciclo a renovação se faz presente. E na varanda do casebre ele viu o alaranjado do pôr-do-sol e sentiu que era o tempo o mestre dos desejos e que então estaria a se completar no ambiente.

O casebre, símbolo primeiro da sua vontade de ser, tinha mais do que a possibilidade de resgatá-lo. Era um casebre construído dentro dele. O que chovia nas paredes eram, daí, os sentimentos que já existiam palavras para dizer-lhe.


Os sentimentos em que era difícil delimitar palavras pelo desconhecimento da maneira de fazê-lo, a cada momento eram intensificados e a busca pela sua exploração gramatical era cotidianamente construída. Existiam momentos em que a incessante necessidade de viver pulsavam tão forte em seu peito, que ele gritava forte aquela palavra que mais explicitava o que era sentido.
Ele é o casebre.

O casebre é a palavra e a palavra é o tempo.

Foto: Vânia Medeiros

* Texto escrito por Niltim e Taysa, em um jogo de criações simbólicas conjuntamente.