26 de setembro de 2016

Livro de cabeceira



É que o caminho desperto pelo cerco arrasta e perfilara os sentimentos um por um. Como se fosse pra uma apresentação sem lógica, mas que desmascara a estrutura desenhada de um objeto chamado corpo.

O primeiro que veio foi o desdesejo. Esse que só existe pelo outro sem prefixo. Sem atraso, disse que faz parte do olhar do outro pra si. "Se se olhar no espelho, bem no centro dele entenderá motivos de me oferecer de forma abjeta ao alheio", me disse com sinceridade.

Sufocou com um gole de água. Não era assim tão fácil assumir tal sentimento tão imponente de pronto. Talvez o segundo lhe fosse mais delicado.

Será então que daria pra encarar o desafeto? Ri baixinho pra que não se percebesse lágrimas. Mas é claro que em um corpo como tal, com uma alma como essa, o tal sentimento segundo não seria outra escolha. Me comprometi com o infortúnio sincero de não ser. E então, não poderia causar nada em outrem que não fosse o vazio. 

Tal qual comida indigesta que o espírito não metaboliza. Como água que descumpre sua própria função de matar a sede.

Talvez seja o caso jogar-me fora, antes de se apresentar o derradeiro sentimento. E de supetão lhe escancara o desamor. Me enfraquece as pernas, me escurece as vistas, me intoxica de verdades indiscretas. Nesse ponto, o nome exato que se pode dar ao futuro é solidão. Latejando o irreal sobre asas agora já devidamente cortadas. 

Devidamente exibidos, faz então necessário escolher não agredir quem quer que seja. Ora descrito como cara estranho, recolher-me embaixo da cama, atrás do sofá, mergulhado sem respiro, absorto no chão do quarto sem tapete. 

E o nome do romance auto-biográfico seria - Do homem evasivo de fé: desdesejo, desafeto e desamor. Sozinho na prateleira.

2 de setembro de 2016

Ladeira!



Foi então que ela desceu a ladeira entre suspiros e sussurros, amparada pela emoção e pela lembrança dos tempos há pouco vividos. Esboça um sorriso tímido, afinal, tinham transeuntes dividindo aquele caminho de paralelepípedos. Os passos marcavam a lisergia do cotidiano, surrupiando a graça de manter-se ereto o punho da franqueza e da sensatez. Coerência era enigma futurista, só previa alí o sincero solfejo em tom qualquer de seu poema favorito, das pornografias de Manuel Bandeira. Ele é solta nas ancas, livre nas pegadas e abjeto de qualquer crime. Era ele quem descia a ladeira, acariciando os olhares pra si como se pra ela.

Marchava firme em passos delicados por algumas quebras. Buracos inconstantes na calçada, fina gota que tangenciava o meio-fio, passeio escorregadio. Ele gostava de usar chapéu panamá em dias de chuva, rememorando sua extensa experiência em demonstrar elegância nas levantadas de abas. Sutilezas de uma quase personagem de um conto fútil sem leitura.

Quão obstante a ladeira emergia a cada passo, sua fúria em caminhar se exauria. Notava-se paisagem amena no caminho, até mesmo uma música acontecia dentro do universo do corriqueiro passeio pela cidade. Ela produzia qualquer coisa de surpresa em si ao se pensar em ambiente de normalidade aguda: "tenho mesmo um pau e um coração prontos para o amor", recorria ao ego pra se sustentar. Fora isso, faltava-lhe o vil metal e a carapuça desgarrada de empatia pela organização alheia.

Chegara em terra firme, ele. Desfilando inerte pela firula tênue da loucura de estar. Parte do seu pronto pouso era metáfora de partir para novas subidas porvir. Do alto, arrancou parte da roupa de cima, gotas de suor da testa e no espaço entre os seios e suspiros de quem chegara anteriormente. 

Receava desejar novamente. Mas estampou sorriso martelo e deixou-se levar pelo vento uivante nos seus cabelos poucos. O amor nada mais é do que a disposição, pensou sobre si mesma! 

Ilustração: Vânia Medeiros