30 de outubro de 2017

Café com bolo [ou deserto da saudade indizível]




O braço esbarrou displicente na alça da xícara sob a mesa. Derrame! A quentura passou o pano grosso da bermuda xadrez enquanto outra parte do líquido fazia um desenho disforme na parte inferior da camisa de botão branca. A ordem interna me fez llevantar e achar um pano úmido na pia da cozinha e imediatamente ir ao chão para limpar o estrago no limiar início da manhã. E aí foi inevitável o cair das lágrimas.


A raiva destinada ao piso escurecido e com a aquosidade preta que caia pelo tecido molhado, em verdade, tinha a mim mesmo como causa. 

Pranto ao acordar! O lugar de sonho seria em si lugar de aconchego tão grande que mover o corpo da inconsciência me causasse dor? De certo, a estranheza frente ao reflexo de si me acometia antes mesmo do café. 

Enquanto decidia atravessar o espaço sabia que carregava comigo só as memórias que me marcavam. Aquelas que sorrateiramente me envolviam, como se delas fizesse todo meu passaporte pelo caminho. Um bolo, por exemplo. Daquela vez que a massa ficou grudada, já que, na minha soberba, o detalhe da mão suja de farinha e óleo por untar a forma fazia pouco sentido. Até cresceu a olhos vistos, mas não sei era nada mais do a minha displicência marcada pelo que não foi feito. Não que eu soubesse fazer, nem sei, mas o que martela a memória deixou de ser o que deixei de fazer, mas o não ter um bolo em mãos.

Essa química que é misturar ingredientes com memórias é sempre uma surpresa. "Eu nunca aprendi", penso.