14 de dezembro de 2006

Além de "palavras-cores"*

Eu estava do outro lado da rua. Tinha que passar. Olhei pro lado, para o outro. Movimento. Desconcentrei-me de minha missão. Não estava mais atento aquela realidade. Era só imaginação que controlava os meus sentidos. Estava muito feminina, mas não estava mais ali. Senti um esbarrão no meu corpo e voltei ao tom de meu objetivo. Aí já estava do outro lado da rua, tinha passado e nem me importei para que lado olhar. Nessa minha imagem criada tive movimento. Imagem e ação.




Do desenvolvimento se depende a satisfação de ser em contraposição do que não se pode ser. As escolhas imagéticas e relacionais criam barbas bem feitas ou um aumento substantivo na vermelhidão que envolve o caminho a seguir. Místico. Talvez na se entenda quanto de procedimento de segurança os limitem, porém, mais que concreto a evolução é imaginativa e de repente tudo vai se transformando. Inclusive o que se entende por “eu”. É tudo muito certeiro, o que sempre muda é a percepção das dúvidas. E nada mais tem valor de verdade, no fim só eu.





Para Dan


Fios cobrem aquele rosto. Muito tênue sua límpida posição. Tudo tão pragmático quanto sentido. Tudo bem articulado. Ele caminha a passos de desconstrução e outras inteligências. Constrói mundo que lhe cabe e também o que extrapola a sua visão. Ele em grandeza é maior do que pode se ver. E quando abraça acolhe de tal forma que sensibiliza. Aconchego, ele é mais mágico que sua própria existência e cativa!







Ilustrações: Vânia Medeiros

* Esses textos junto com as imagens fazem parte da exposição "Palavras-Cores" que foi lançada na noite Multiarte da Zauber no dia 09/12. A exposição conta com imagens de Vânia Medeiros e com textos meus. Esses textos e essas imagens estão na exposição original, mas não foram impressas. Por isso estão aqui exclusivamente aqui no blog. Para ver a exposição que foi impressa vá no blog "palavras-cores".

25 de novembro de 2006

Eu preciso aprender com o semi-árido do meu coração!


A aliança entre satisfação de permanecer e o medo de caminhar se estabelece na primeira piscada sensível de olhos ao acordar. No próximo instante, as cenas dos capítulos irão se transformar rapidamente em narrativas sem sentidos. Nem o da vontade culta de não ter sentidos. É como se já não tivesse a calma de esperar converter o rito no princípio concreto de cotidianidade. Uma espécie de vestígio de incapacidade tardia de conviver com a falta de liberdade do outro pra si.

iden- (t) - idade

A rapidez que as coisas vão tomando para si causa a ligeira sensação de que é inoportunoa percepção que se constrói do olhar para dentro. Em todo o caso, outros importantes espeços imagéticos já se preocupam em servir como paradigma pra construção das suas identidades. Ou como elas próprias.

O eu (?)

Se conseguisse se livrar da culpa imposta de não conseguir perceber o próprio desenvolvimento das idéias, estaria mais calmo agora. Nunca um olhar mais contemplativo foi atravancado pela sensibilidade no olhar a si mesmo.

É completamente compreensível o medo de destruir marcos e, mais, do medo do possível medo que talvez possa sentir.

Tudo seria mais fácil se tivesse água! Ou melhor. Todos os muros que ele construiu é pela imensa sensação de semi-árido no seu caminho de emoções. Como nenhum outro, ele é sertão! E no campo das emoções fica na perspectiva simbólica de tentar conviver com o semi-árido constante do seu coração!

E canta Maria Bethania...

"Amores são águas doces
paixões são águas salgadas
queria que a vida fosse
essas águas misturadas"

Ilustração: Vânia Medeiros

18 de novembro de 2006

Ele D'ela


um homem (outro ele)

Ele, um outro dele
saía pelas portas marcadas de um lugar qualquer

Dele, um outro ele
deslizava pelos embaraços discretos de um outro dia vulgar

"SEM SARAR

Quando eu caía
Ele vinha
Me cuidava
Me erguia.
Já foi assim
Agora não
Ando gripada
Desde então"*.

a ele - e moro nele
passeia pelas esquinas tentando ser mais que retina de outrem

Mestre, um outro daquele
sem saída, sem saudade, sem liberdade pensante

"(...) Ah, meu menino!
Mas se você insistir em chegar assim
tão desavisado e de repente
sou capaz de me entregar,
me deito e me ofereço
ali mesmo no sofá.
E se você sorrir assim
tão sorrateiro e dissimulado
que faça eu querer morrer,
lhe como, lhe gozo, lhe beijo
e depois em outra cama
vou ligeiro lhe esquecer"**.

da barba, do roçar o pescoço
ou da pele simplesmente

ele, um outro ele e dele
habita em mim
satisfazendo-me

"Não solidão, hoje não... quero me retocar"***

Coisa de mulher
D'ele...

Ilustração :: Vânia Medeiros

* Poesia de Raiça Bonfim
** Trecho da Poesia de Liana Lisboa
*** Trecho da Música "A Mais Bonita" de Chico Buarque

30 de outubro de 2006

Uma de Rodoviária*


...

Cheguei de manhã bem cedo na rodoviária de Jequié depois de ter viajado a madrugada toda. Fazia frio, eu só tinha um casaquinho fino para me cobrir. Tinha que esperar a pessoa que ia me levar dali pra Lafaiete Coutinho, cidade vizinha e meu real destino, e àquela hora da amanhã, com certeza ela não havia acordado. Resolvi tomar um café quente com pão na lanchonete.

Comi devagar, em pé no balcão. Depois de pagar fui me sentar numa das mesas. Estava com um sono forte, tirei meu travesseirinho da viagem da mochila e recostei sobre a mesa. Dei uma cochilada meio que ouvindo a conversa de dois homens que estavam na mesa do lado, uma conversa meio doida. Um deles falava de Deus e o outro dizia que era cantor.

Levantei, fui ao benheiro (paguei 0,50 centavos), fiz xixi, escovei meus dentes e voltei, ainda sonolenta, pra a mesa. Puxei um livro e comecei a ler.

(Faz vários barulhos na rodoviária, mesmo a essa hora da manhã. Toca uma música brega na caixa de som, o rapaz da lanchonete grita pra outro "ô rapáz, de manhã cedo você já tá perturbano!")

Na mesa ao lado, o que diz que é cantor conversa agora com outro homem, que parece um velho conhecido seu. Me virei pra eles e vejo bem a figura: é um velho negro alto, com vários dentes faltando, um dos pés enfaixados, usa uma bengala. A expressão dele é o tempo todo meio sorridente, um sorriso meio besta.

O outro, tão velho e acabado quanto ele, só que branco, tira de uma bolsa velha uma garrafa de coca-cola sem rótulo, com um líquido verde dentro e mostra ao outro, que a segura e olha muito, parece bastante interessado...

Eu não ouço bem o que eles dizem por que estou lendo e meu interesse está dividido entre os dois e o livro.

O pé enfaixado pára de falar e fica me olhando. Deduzo logo que ele vai falar comigo.

- Moça, você é serva de Deus?
- Er... oi... hein? Ah, sou sim senhor - digo, mal tirando o olho do livro para mostrar desinteresse. Ah, não quero conversa.
- Não é malandragem não, mas a senhora parece uma santa. A senhora se chama Ana?
- Não...
- Como é seu nome?
- Vânia.
- Ói, Eu tenho essa úlcera no pé há seis anos. Já vendi tudo o que tinha por causa disso, açougue, carro... nunca resolveu. Agora me aparece o remédio certo (ele mostra o líquido verde) e eu não tenho dinheiro pra pagar. Eu fui roubado ontem, me levaram dez cds... a senhora não poderia...
- Moço, não posso comprar, estou sem miúdo, estou aqui a trabalho... desculpe.
- Tá aqui a trabalho, é?
- Huhum.
- A senhora está indo pra Salvador ou pra Itabuna?
- Lafaiete Coutinho.
- Ah. Eu vivia correndo atrás de gado lá. Eu sou cantor. A senhora escreve poesia?
- Não senhor.
- Apois, olhe aqui.
Ele tira um papel plastificado da sacola rota e me dá pra ler. É um registro de cartório, de uma música. Chama-se "O amor de Ana é vaidosa".
- Olha, que bom! Parabéns (o que mais eu poderia dizer?)
- E olha aqui, tá tudo registrado aqui... - e tira um CD da bolsa, gravado, escrito à mão "Antônio Alexandre".

O outro se dirige pela primeira vez a mim e diz:
- Esse ai é serio, moça. Ai não é de bater papo não. Não é malandro não. A senhora não quer comprar ai a fita dele pra ajudar não?
- Ô moço, agora eu não posso.

- Esse livro que a senhora está lendo ai é o quê? - diz o cantor.
- Ah... é a história de uma moça.
- Sim, mas o que é que tem?
- É uma moça que se veste de cavaleiro, no passado.
- Ah, sim. Apois eu mesmo é que gosto de escrever as história.

Ele fala com um cigarro pendurado no canto da boca o tempo todo, fuma um atrás do outro. Continua, segurando o CD:

- Aqui, ó, se botar em qualquer rádio ai, ó, sai a história. Você mesma deveria escrever suas história invês de ficar lendo ai as história dos outros. Devia escrever "eu cheguei aqui em Jequié, não encontrei condução, cochilei na mesa..... e começa a olhar pra a rua, parece que esquece de mim, com o cigarro na boca.
- Mmmm. certo... quem sabe eu escrevo....

Ilustração: "Morro da Favela" de Tarsila do Amaral

* Texto de Vânia Medeiros

24 de setembro de 2006

Situações (ou as ambiências descritas)


Descrição 1 - Vim aqui não para ser aceito por teu sentimento de pertencimento coletivo, mas para umedecer meus áridos lábios através dos teus, possivelmente adocicados.

Por aqui não me satisfaz amenidades de sentir a criação gentil dos símbolos que tuas palavras profetam, mas sim, com certeza, a possibilidade da mobilidade do tato criando ambiência para o desabrochar dos poros.

Descrição Especial - Crise da mitologia cotidiana, a sensibilidade mantém-se em vista de conceitos que se pressupõem incoerentes na perspectiva de aliar-se a capacidade - sutil - de organizar de maneira semântica, irrealidades concretas. Pois tudo parece tangível e impactante de um adjetivo mais ameno a um toque desprezível às mãos. Não que necessite de endurecer as relações, mas não faz sentido chorar mais uma vez por histórias de amor (ironiza-se?). É notório que a emoção é acionada por signos pontuais e é mais visível ainda a criação nestes momentos expectativas que beiram prospecções fantasiosas. A abordagem de um sorriso vazio não preenche mais.

Sentando-se smepre ao lado do umbuzeiro (maravia) que havia crescido a poucos passos da porta de sua morada. Alí estava em silêncio, acomodado por uma posição contemplativa do ambiente, como se pudesse esculpir com sua percepção as imagens que conseguia captar em seu mergulho, nas sensações momentâneas. Era muito mais fácil perceber o aroma aveludado das folhas que se movimentavam lentamente pelo vento. É importante prestar atençãoq ue, na descrição da árvore, não cabe adjetivos tais como mágico ou difrenciado. Partindo da sua percepção, apenas lúdico.

Descrição 3 - Quando eu me conheci estava sozinho. Haverei eu de (re)conhecer-me não mais em condição original?

As diversidades das visões adicionam ao olhar a perspectiva do simbólico retorcido de alma. Como molduras em frangalhos!

Não me sinto perspicaz o suficiente para banalizar a ilusão conteudístas dos que escrevem, nem pensar em forma parece mais original. E, pra ser sincero, só escrevo aqui pela borda "dibujada" do termo dissolvido pelas páginas. Sentido do caderno fechado!

Descrição 4 - "Me deixe hipnotizado pra acabar de vez com essa disritmia"*

É o seguinte: Eu não fiz cinema a toa. Queria ser fotografado na retina pra saber se, mesmo assim, eu ia sentir dor. O máximo que eu consegui foi virar luz por algum tempo e confudir o imaginário alheio. A minha conversa virou sessão especial em projeção di-gi e tal. É proibido veicular em qualquer lugar o pensamento sobre tal merecimento, mas na era tropical ele me disse ao pé-do-ouvido:
"é proibido proibir"**

Foto: Vânia Medeiros

*Trecho da música Disritimia de Martinho da Vila (na voz de Zeca Baleiro)
** Música de Caetano Veloso

10 de setembro de 2006

novodenovo


Quando ele me fitou os olhos, com seu carinho dobrado de limites, acariciou me a face sem tocar-me. De certo tranqüilizava o sentimento de ternura apaziguando todos os vícios de qualquer ser, antes banal. Agora vibração! Ele monopolizou a minha forma de enxergar a liberdade. Seria o tal responsável pela escada imagética que me proponho a erguer. Para que uma escada? Subir para onde? Ele interpreta os motivos comuns de ampliar o ver. Mais do que isso, ele exercita o movimento de forma tão simples quanto acordar com sorriso cristalizador. Da sua pele – camélia – do seu sorriso – margarida – dos seus olhos – rosa – das tuas palavras – tulipas! São as flores de você que atiçam a necessidade de estar a guiar o resto do caminhar!

“Estranho mas já me sinto como um velho amigo seu” *

Alinhou os passos, alimentando a sensação de pertencimento... era praticamente incorrigível a calmaria que se apoderava dos gestos quando ele está por perto. Fica a história como a possibilidade de dar passos ao mar. Carnaval antecipado nos sonhos de criatividade. A brisa pulsante ludibriava a visão. Ilusão? Não pareceria tal devaneio ao soltar do abraço dado no fim. Saiba-se aqui que o fim é sempre a perspectiva de um novo início. O que mais enche os olhos até aqui? Ele é arte! Ou bem próximo com seu colorido!


“O que você precisa ?
se você precisar.
Uma margarida comum
um beijo ou um simples abraço
que é pra você lembrar de mim” **.


Qualquer transparência nessa órbita, não parece acidental. Tudo estava tão escrito quanto lhe parece cabível em qualquer sistema lógico. Irreversível contato. Parece que quando se alimenta a condição de materializar o que se pode conceber como desejo cria-se condições cabíveis de nunca saturar qualquer palavra de ligação. Conectividade, diferente de um ambiente de apenas aceitação do pensamento.

Eu cantei para tentar fazer da sua atenção uma possibilidade de encontro. Dito e certo. O meu canto nada foi mais que te atrair para um outro canto. Apenas mais um! Outro a mais para o seu desenvolvimento.

Andar... ficar atento às vibrações das pálpebras. Ao limiar de qualquer símbolo em palavra proparoxítona. Parece inevitável um conceito de instantaneidade do estar. É momentânea a sensação de estar próximo. Calcula-se o valor de quanto o tempo radicaliza a previsibilidade, “na real” apenas não deixo mais o seu polegar aparecer nas fotografias!

“Eu levo essa canção de amor dançante pra você lembrar de mim,
seu coração lembrar de mim
na confusão do dia-a-dia no sufoco de uma dúvida,
na dor de qualquer coisa
É só tocar essa balada de swing inabalável que é o oásis do amor
Eu vou dizendo na seqüência bem clichê
eu preciso de você” ***

O que dizer da importante atenção que destinas? O que dizer do colorido? Ainda percebe a insipiência da construção de nossos símbolos, mas carece de saber que há mais que concordância e amorosidades... Há a sensível e notória vontade de completude. Revelar os segredos dos medos. Abrir a porta para um outro mundo... rir das interpretações dos recados postados! E mais... é ainda tem mais...

Texto em homenagem a Marquinhos (xotoko)

Ilustração: Vânia Medeiros

* Trecho da música All Star de Nando Reis (na voz de Cássia Eller)

** Trecho da música Um Simples Abraço de Nando Reis

*** Trecho da música Balada do Amor Inabalável de Samuel Rosa / Fausto Fawcett


28 de agosto de 2006

Pré-fácil


Dois passos dados, dos dois idealismos baratos. Viva a sesação de fragilidade. O indeferido estar não mais se propõe a cristalizar-se, tampouco permanecer arbitrário. Nem se pretende anunciar a discórdia ideal entre a ciência de se sentir corpo e a liberdade de ser todas as partes do universo. Crescimento é simbologia de acrescentar substância à necessidade de subverter qualquer [noção de] lógica. Deu três passos acionando qualquer argumento saliente que se mostre condizente com as incertezas próximas. No entanto, bombons de chocolate são mais tentadores que a capacidade de continuar racionalizando os sentidos. Isso como se houvesse explicação óbvia para o anonimato de todas as causas dos atos. Ato, leia-se, agir, de fato!


Ilustração: Vânia Medeiros

24 de agosto de 2006

Fotografias da monotonia no amor!


Com nenhuma certeza e algumas decepções, andava na convicção de que o amor e as coisas do coração não são para todo mundo. Não tinha infelicidade, mas incompletude. Típica sensação de frustração que, entre tantos outros sentimentos, faz desmanchar líquidos por onde se consegue ver. Se diferia de poema, pois já não possuia caminho vindouro, também não encontrou pedras por aí. A beleza não tardava a se refeltir. Composição de quadros naturais, passeio por exposições em chão de madeira, fotografias do século passado, as pinturas dela no universo virtual, música de crianças negras, milhares de frames por horas de fábulas. Já tinha apreendido o catar as folhas secas deslumbrado com tantas outras que ainda hão de cair. ânimo novamente e paciência para construir o cotidiano - vontade de palhaço, porto verde. Sentava na cadeira de madeira no passeio nas águas vermelhas a observar os desenhos surreais pintados e autorizados nos muros que os cercam.

"(...) When I saw the break of the day I wished that I could fly away Instead of kneeling in the sand Catching teardrops in my hand My heart is drenched in wine But you'll be on my mind Forever (...) Something has to make you run I don't know why I didn't come I feel as empty as a drum I don't know why I didn't come"*

Depois de horas de rodar na cidade chega ao fim do dia subindo escadas rumo ao colorido lugar da imaginação empírica. Foi lá que voltou a estar insatisfeito com a monotonia romântica. Por que apareceu na janela um delineado rosto, um objeto para melhorar o olhar, encaracolados e grandes cabelos. Já partia para um outro espaço. Não se permitia, desencorajado - de fato - encabulado, manter o olhar para aquela face.

Submergia a um lugar pouco atingindo pelo ambiente. Ninguém ao redor consegue imaginar a amturação interna de suas angústias em relação ao que se via. Tudo se mistura: esperança, desejo e vontade de sair do lugar. O toque involuntário é inoportuno e insatisfatório. O que se prima de sensato até então é a propriedade imagética e intocável do sentimento.

Das necessidades todas, das recordações, um aroma aprofunda a magneticidade dos corpos e as palavras se quer merecem suas próprias limitações aqui. Essencial foi permanecer na imaturidade do intelecto e ir percebendo a taticidade que a ilusão pode criar. Como se uma grande estrela pudesse pousar como borboleta nas costas da inspiração.

Como tudo não passa de desejo em suas mais pura complexidade, a simplicidade deu lugar ao pensamento delicado. Um lugar arisco, onde o querer é não ter o poder que necessita. Então, volta-se para a arbitrariedadeda carência e se questiona acerca das condições para afetividades "atemporais". Tudo deve começar novamente, calejado de indefinições, arquitetura do pensamento questionador.

Ilustração :: Vânia Medeiros

*Trecho da música Don't Know Why de Jesse Harris (na voz de Norah Jones)


14 de agosto de 2006

Felicidade - imaginação delicada


Dos limites que se observa no território do símbolo, do que se vê é beleza. É, de fato, ponto pacífico a linha do horizonte no mar. Trasnpor!

O cuidado com a singeleza das pétalas permite transcender o duro e usar o sólido com a flexibilidade delicada. Dar passos em relação a sobriedade tangível. Enxergar reflexos irrisórios da mente como diálogo consigo mesmo. A vontade de se confessar é natural. Dos limites que já não são mais visíveis, porém paupáveis, tácitos. Um vislumbre do que se pode ser quando se nada em direção à linha que pode não existir.

A felicidade é conversar na varanda da casa de quem não conheço com alguém de sandália na mão e sorriso bonito. Dele que me olha fixamente, uma pré-ocupação: As verdes bolinhas de gude e o vermelho-barro do campo de futebol. E, claro, o grito de gol.

Os passos não são dados. Parece que de alguma forma o paralisar não tem proferido o devido incômodo. Liquefação do desejo de movimento. Este não se mistura mais nas mais tênues vesículas. Continuar na estaticidade?

A ingenuidade faz novamente construir sem nenhum nexo a presença da culpa. É insensatez diferente da amargura. O signo do tempo é a esperança. Joga-se as bolas de gude verde no campo de futebol vermelho-barro e, com a chuva que cai, se completam a constência dos ritmos comunicáveis. Tudo fica colorido e, agora, com cheiro de terra molhada.

Mas, o que dizem os ventos?

"A franja na encosta
Cor de laranja
Capim rosa chá
O mel desses olhos luz
Mel de cor ímpar
O ouro ainda não bem verde da serra
A prata do trem
A lua e a estrela
Anel de turquesa
Os átomos todos dançam
Madruga
Reluz neblina
Crianças cor de romã
Entram no vagão
O oliva da nuvem chumbo
Ficando
Pra trás da manhã
E a seda azul do papel
Que envolve a maçã
As casas tão verde e rosa
Que vão passando ao nos ver passar
Os dois lados da janela
E aquela num tom de azul
Quase inexistente, azul que não há
Azul que é pura memória de algum lugar"*

Lá, de longe, a partilha se conserva. A troca combina livre com a sensação de emancipação. Reconquistar o evoluto. Re-evoluir. Travar com exaspero a batalha da imaginação delicada com o pragmatismo concreto. Dos dois se faz a iluminação da estrada.

A essencial inutilidade é o limiar dessa inteireza. Olhar a cidade com "justeza". Ver o espelho com tranquilidade. Apenas caminhar. Das flores invasivas, dos cheiros desconcertantes.

" Para Adidas o Conga: Nacional
Para o outono a folha: Exclusão
Para embaixo da sombra: Guarda-Sol
Para todas as coisas: Dicionário
Para que fiquem prontas: Paciência
Para dormir a fronha: Madrigal
Para brincar na gangorra: Dois
Para fazer uma toca: Bobs
Para beber uma coca: Drops
Para ferver uma sopa: Graus
Para a luz lá na roça: 220 volts
Para vigias em ronda: Café
Para limpar a lousa: Apagador
Para o beijo da moça: Paladar
Para uma voz muito rouca: Hortelã
Para a cor roxa: Ataúde
Para a galocha: Verlon
Para ser moda: Melancia
Para abrir a rosa: Temporada
Para aumentar a vitrola: Sábado"**

Para extrair simbolicamente o ato de desestatizar, AMOR.

Ilustração: Vânia Medeiros

*Trecho da música Trem das Cores de Caetano Veloso
** Trecho da música Diariamente de Nando Reis {Na voz de Marisa Monte}

1 de agosto de 2006

Libertá

"no baú vai ser achado a sua estrela renascerá
a janela está aberta

a casa é sua, pode morar o que falta é alguém
falta alguém trazer prazer

durmo sempre no meu quarto sozinho
esperando você chegar
a janela esta aberta a casa é sua, pode morar

os dias vão me mostrando o que sei
e não quero acreditar
não tenho sentimentos nem hora
agora nada mais importa se nada me acalmar
nada mais vai importar"*





De um lugar seguro, de onde se pode ver o céu distante. Um azul distante. Os sentimentos se tornam capazes de ambientar espaços inacabados, como um coração traçado para estar vazio. A grande conclusão é de que não há possibilidades de verdades cabíveis no cotidiano e que até as não conquistas fazem parte do chamado "miud
inho do dia-a-dia". A sensibilidade, característica marcante nos insetos coloridos e nos órgãos reprodutores dos vegetais, acabam inspirando novas expectativas de amorosidades. Românticos, tem nessa esperança a fuga e, quase sempre, a interatividade com um tipo de realidade inventada.

Outra realidade, ainda mais ilusória que a posta.
Podem ver por essas palavras que uma crise se instaura na percepção sobre o jogo da necessidade pictórica do prazer e da necessidade de outrem. Uma crítica a tal regra personalizada nas convenções sociais e radicalizadas em artes. Um andar. Um olhar assíduo na desconstrução de prioridades.

Carnavalizar as sensações de acordo com o movimento cada vez mais pragmático. Do insípido colarinho fino rosa, da imagem encarnada na estampa de algodão, no gosto branco dos dentes no sorriso da moça que atravessa a rua nesse momento.
Nas ruas escaldantes de sol se escondem as inimagináveis construções simbólicas do relacionamento social! Amantes são realmente compreendidos e são lindos. Ah! eles são lindos!





"A sorrir
Eu pretendo levar a vida
Pois chorando
Eu vi a mocidade perdida
Finda a tempestade
O sol nascerá
Finda esta saudade"**






Vai ver o instrumento utilizado para descontrair seja inseguro o bastante para obter algum tipo de criatividade. O limite do trivial, do comum. A sensibilidade retratada é mais um estético arbítrio, liberdade de escolha. Para ser mais sincero destino existem e estão determinados. Ou ainda mais, as escolhas é que são destinos!

Falta simplesmente a irradiante possibilidade de conquistas. De certo falta beleza. De certo!




"Ah, se eu aguento ouvir
outro não, quem sabe um talvez
ou um sim
eu mereço enfim

é que eu já sei de cor
qual o quê dos quais
e poréns, dos afins, pense bem
ou não pense assim

eu zanguei numa cisma eu sei
tanta birra é pirraça e só
que essa teima era eu não vi
e hesitei, fiz o pior

do amor amuleto que eu fiz
deixei por aí
descuidei dele quase larguei
quis deixar cair

(...)

Que desfeita, intriga, o ó!
Um capricho essa rixa; e mal
do imbróglio que quiproquó
e disso,bem, fez-se esse nó

e desse engodo eu vi luzir
de longe o teu farol
minha ilha perdida aí
o meu pôr do sol"***


Ilustrações :: Arquivo internet - Iansã Negrão - Vânia Medeiros


* Letra da Música Baú da Banda Mombojó

** Trecho da letra da música O Sol Nascerá de Cartola (No pout pourri Dois na Bossa - Elis Regina e Jair Rodrigues)

*** Trechos da letra da música Paquetá da banda Los Hermanos






20 de julho de 2006

Em tempos de labirinto!

Parecia um jogo. Passos para frente e um caminho a seguir co-move. A vontade de andar abstrai qualquer sensação (e haja movimento como propulsor de produção e significante de vida). Mas é um caminho tortuoso, sem placas adiante. Talvez sinais, mas isso só pode-se saber ao longo do tempo - ou da leitura dessas palavras. A proposta é chegar a um outro lado que ao menos se sabe da existência. O outro lado do círculo existe? E se o caminho for um círculo? Mas a proposta é apenas caminhar, nada de aceitar desafios monótonos de responder a qualquer questão. Também não há respostas gratuitas e o que se paga por tentar respoder questões poe ser pedras no caminho ou, nesse caso, curvas longilíneas nessa estrada que já é em si tortuoso. Pode-se parar por aqui! Se vier a mente um pequeno questionar sobre por que devo andar ou a quem interessa o movimento. Mas há de estatizar no momento de um desafio? E se precisa de um alguém para que o jogo aconteça? Me dizia o moço do pastel (aquele que adivinha certamente o meu desejo - queijo coalho, cheddar, catupiry e mussarela) que "a paixão do homem é certamente o desafio de satisfazer desejos". A única certeza que tenho antes de começar a caminhada é que ele conseguiu me provocar.

Mover os pés. O destino de certo vira prerrogativa de tomada de decisões, mas no fundo apenas justificativas. Da vida, o olhar é singeleza e o que se abre de lisonjeio ao futuro é apenas limitações de esperança. O importante é que se mantenha colorido o lugar. Os passos são acima de folhas verdes. Estas não se faziam capazes de se movimentarem, como se necessitassem serem afetadas ou participar dessa andança. O verde deles é rigojizo! Sensação de possibilidade... de pés descalços na terra. Ninguém passano pelo caminho. E aqui é importante se deter. Ninguém escolheu esse caminho, a não ser o meu puro anseio por desafios. O que não é em si solidão, então, mas faz dessa estrada um percusso solitário. Mais certeiro (e em si mais difícil de aceitar) não atrai gente para o seu mundo - sem justificativas! Bem, já se falou do verde no chão e da falta de gente. Continua a andar, curvas, lugares nunca dantes descobertos, mas parecidos com sonhos como deja vú. Sorte é encontrar porta, delas se admitem outras conclusões e percepções atuais. Quando do mar visto de longe, a sonoridade do sentir calor fresco. Água e outras formas de molhar sem líquido. Emancipação do sentir, sentir com os poros em abertura!

"É um peixe, é um gesto, é uma prata brilhando
É a luz da manhã, é o tijolo chegando
É a lenha, é o dia, é o fim da picada
É a garrafa de cana, o estilhaço na estrada
É o projeto da casa, é o corpo na cama
É o carro enguiçado, é a lama, é a lama
É um passo, é uma ponte, é um sapo, é uma rã
É um resto de mato, na luz da manhã"*

Mas aos movimentos circulares próprios da aspereza e da condição temporal do corpo fizeram da percepção uma esteira de palha one se condensavam imagens produzidas pelo agir. A imaginação palha da esteira, ou algo nesse trocadilho torpe. Perdeu-se em si e no ambiente. Perdeu corpo e alma, como se tivesse perdido a carteira de identidade, a licensa de profissional, a carteira de motorista. Perdeu vestimenta e pele. Um desespero é a única coisa que lhe restava. Ficaria sem se encontrar até quando? Mergulahr em si e mais curva encontrar. Angústia. Nessa vereda, nessa via, nessa norma de proceder. Atalho? Estava perdido. Eu não conseguia mais me encontrar.

"alta noite já se ia,
ninguém com os pés na água.
nenhuma pessoa sozinha
ia, nenhuma pessoa vinha.
nem a estrela guia,
nem a estrela d’alva..."**

A imaginação tomou conta, perdeu-me no tempo e achei o espaço por enquanto. Não é mais "estou perdido". Estou no caminho que consigo compreender. Mais vale isso qeu criar atalhos que me levem a irremediáveis sensações de vazio ainda maior que esse que sinto. Parece sim um labirinto e eu, maltrapilho, gato selvagem e assustado no limite do asfalto, não enxergo nem minhas próprias pernas para saber onde se pode alcançar. Nem o final, mas esse tudo bem, não me importa mais! Meus pés tem tinta vermelha. Isso por que o verde das folhas e o marron da terra são as outras corres do arco-íris desse percurso. Mais cores. Quando tiver mais gente a passar por aqui. Talvez a espera da menina rosa de óculos negros. Mais cores? preciso de mais cores? preciso!

Ilustração :: Iansã Negrão

* Trecho da música Águas de Março de Tom Jobim (na voz de Elis Regina e Tom Jobim)
** Trecho da música Alta Noite de Arnaldo Antunes

11 de julho de 2006

A libélula*


[palavras para o dr. carvalho]

se destas pedras uma
anunciasse
o que a faz silêncio:
aqui, muito perto,
[...] isso se abriria, como ferida
em que terias de mergulhar

Paul Celan, A Força da Luz

Um som fluido abandonava a casa, roçava na poeira das trepadeiras no jardim, influenciava as mangas e os mamões no seu processo de maturação, arrepiava uma libélula inebriada que ali adormecera, fazia o sol abrandar e chegava, ainda forte, ainda nítido, ao ouvido da mulher. Depois disto, um sorriso.

Na aparelhagem o som acontecia contínuo, ininterrupto. O doutor solidificara este hábito domingueiro: sentar-se no fresco da sua varanda ouvindo durante extensos momentos a voz de Adriana Calcanhoto. Ora dormitava, ora lia, ora escrevia, ora se quedava simplesmente de olhos rasgados contemplando as nuvens gordas azularem o céu. Para ele não se tratava de beatificar um domingo, mas sim a própria paz. Aliás, «domingo» era, para o doutor, uma palavra muito interna. Fosse um poço.

Pressentindo isto - que o doutor se apresentava em pleno estado de domingo -, a mulher hesitou. Encostou a testa ao ferro do portão e quis acreditar no impossível: que não tinha sede. A testa latejava; os olhos se queriam, de facto, fechar, olvidar o mundo, cessar a prestação dos serviços visuais. O frio do portão trouxe-lhe agrado aos dedos, ao coração também. E a música invadia-lhe os poros. Então, aí sim, ela dividiu uma sensação com o doutor. Ele, no mesmo instante pensava: esta voz, sim, pode ser dividida. A voz de Adriana, empurrando a tarde: “será que a gente é louca, ou lúcida... quando quer que tudo vire música...”

No intervalo de voz, a libélula decidiu acordar, mover-se em zum-zum aberto, e aterrisar junto aos apontamentos do doutor. Gatafunhos, memórias recusadas, esquebras de horas mais sensíveis que escusava aceitar como suas. “Eu perco o chão, eu não acho as palavras” - e a libélula conseguiu acordá-lo. Há anos que acertara as contas com os animais e se apaziguara numa relação equilibrada com eles. Mantinha uma relação ainda conflituosa com as baratas e os sardões, mas já não era homem para matar. Em vez disso, usava sorrir. Não raras vezes, pela manhã, sentia saudades de ver correr olongos como vira lá longe, na infância, na província do Namibe; também por vezes, na praia, encontrando cavalos suados se detinha, de olhos a quererem fechar, saboreando o odor forte a pêlo de cavalo suado. Se feliz ou em vésperas de viajar, sonhava com borboletas brancas ou ligeiramente amarelas, e não procurava interpretar o sonhado. Há anos que fizeras as pazes com os animais, incluindo a espécie dengosa dos gatos, à qual ele mesmo infligira uma baixa mortal. Os gatos, essencialmente os gatos, reaproximaram-no dos bichos.

Foi depois da libélula que reparou na mulher encostada ao seu portão, de olhos fechados, pareceu-lhe, a ouvir a música de Adriana,

“Tenho por princípios nunca fechar portas, mas... como mantê-las abertas, o tempo todo...”

Descruzou as pernas; lentamente as desceu da outra cadeira, enfiou as sandálias. Andando, mirava o ar tranquilo da libélula caminhando sobre as suas letras, sobre o cheiro da sua tinta 971 violet. Era tinta um tanto pegajosa, exigia mesmo um ritmo acelerado de escrita pois, em contacto com o ar, era veloz em solidificar. Mas a libélula não é um insecto curioso, o doutor sabia, ela não chegaria ao frasco, não beberia. Um degrau, dois. Está junto ao portão e a mulher, ao contrário do que ele desejava, não abriu os olhos. Mas falou.

- Desculpe interrompê-lo...

Nem foi susto nem foi coisa de se descrever. Simplesmente o doutor não contava com aquela noção de proximidade. Ela sentira-o?

- Reconheço o cheiro da tinta... O senhor escreve com uma pena?

- Não... Isto é... Sim, é uma espécie de pena...

O portão estava destrancado. Ele fez menção de o abrir, ela abriu os olhos, afastou-se ligeiramente das grades.

- Desculpe interrompê-lo, mas estou com muita sede - ela, talvez esperando que o doutor, num qualquer comentário, revelasse se desculpava ou não a intromissão, se se sentira incomodado ao ponto de alterar o seu humor.

O portão foi aberto pela mão certeira do doutor, enquanto a outra executava um gesto afável que a elucidou. Aquele homem não era facilmente perturbável. “Lá mesmo esqueci que o destino, sempre me quis só...”

- Água ou refrigerante? - o doutor.

- Água, por favor.

A mulher viu a libélula ali parada. Tinha a cor demasiado viva para estar morta ou embalsamada, mas era totalmente imune ao vento que baloiçava as folhas de papel. Aproximou-se da mesa sem se sentar - a mulher. Por curiosidade olhou as letras sobre o branco, não no intuito de ler a composição, mas pelo hábito de apreciação da estética ortográfica masculina. Era, viu depois, uma «espécie de pena», como lhe dissera o doutor, a que havia produzido aqueles gatafunhos encantadores. Não resistiu e chegou a mão perto: parecia cristal.

- É de vidro. Vidro mesmo. Não é bonita?

- Muito... É uma pena muito especial.

A água, num copo normal, chegou-lhe às mãos. O doutor entretanto pousou o jarro semigasto num lado longínquo da mesa, sem perturbar a libélula. Fez menção para que a mulher se sentasse.

- Obrigado... O senhor deve estranhar, não?

- Estranhar?

- Pedirem-lhe água... Já ninguém toca às campainhas para pedir água, não é?

- É... A senhora não é de cá, pois não?

- Não.

A mulher serviu-se novamente. Bebia devagar, como convinha.

- Contava uma avó minha que, certa ocasião, em Silva Porto, um senhor lhe entrou pela casa a dentro cheio de sede e lhe pediu água. Minha avó voltou à sala com um jarro de água muito fresca e assistiu-o beber três copos de água de seguida, sem parar.

- Foi?

- Foi. O senhor só teve tempo de lhe devolver o jarro, pois o copo partiu-se enquanto ele tombava no chão. Morreu ali mesmo, sabe? Desde então a minha avó vivia a contar esta estória, de resto, verdadeira, pois foi-me confirmada pelo meu avô.

- Não me assuste...

- Não foi para assustá-la, desculpe.

- E o que lhe disse o seu avô?

- Sabe, o meu avô era um homem de invulgar humor e sensibilidade. Em criança confirmou-me toda a estória e por fim disse-me: esse homem nem agradeceu a água à tua avó.

A mulher pousou o copo, respirou fundo.

- Sabe porquê que pedi água aqui na sua casa?

- Não.

- Por causa da música... Esta voz tão doce.

- Adriana.

- Como?

- Adriana Calcanhoto, cantora brasileira.

- É poeta?

- Também.

- Não... O senhor. O senhor é poeta?

- Ahn, eu! Não, sou médico. E a senhora?

- Eu estou cá de férias.

A libélula progrediu no terreno, finalmente mexeu-se, mas andando.

Nas expressões de ambos era visível o espanto, como duas crianças que atentas e boquiabertas assistissem, de repente, ao movimento gracioso de uma pedra. A libélula caminhou em direcção ao objecto. Num breve sacudir de asas saltou e voltou a estar quieta - uma guerreira demarcando o território conquistado. “E a greve entre as estrelas só para mim”, a cantora progride na varanda, na tarde.

O objecto era uma redoma de vidro, certamente cara, que protegia uma pedra minúscula, cinzenta, banal. Uma pedra pequenina, era o máximo que se poderia dizer. Nem graciosa, nem curiosa, nem mesmo exótica ou atraente. Era uma pedra brutalmente vulgar. A instalação, contudo, valorizava a pedra.

- Julgo que o valor dessa pedra não pode ser medido pela sua aparência. É assim?

- É muito assim, sim.

- Mas esta redoma parece muito bem trabalhada...

O doutor, num gesto resoluto, abanou a libélula. (Uma surpresa para a mulher e para a libélula). O insecto voltou a pousar sobre as letras. A pedra e a sua redoma foram arremessadas ao chão. A mulher não teve tempo de invocar um susto. O objecto bateu ruidosamente no chão por duas vezes e, após rolar alguns centímetros, terminou a digressão. O doutor pegou no objecto e voltou a pousá-lo sobre a mesa, ao pé das letras, dos papéis, da libélula. O insecto, num breve aspergir de asas, realcançou o seu posto.

- Esta redoma é muito boa para proteger objectos valiosos.

A mulher voltou a sentir sede mas não quis incomodar.

- Uma oferta?

- Sim, uma oferta muito especial, muito sincera.

- Os médicos recebem muitas ofertas?

- Algumas, é uma maneira das pessoas expressarem carinho e gratidão.

E calou-se.

A mulher não queria partir mas julgou estar a forçar o momento. O doutor mantivera-se calado por mais de cinco minutos. À mulher pareceu justo que fosse sua a iniciativa de partir. A música parecia terminar e, a voz, era uma voz difícil de recordar no ouvido da memória.

- Adriana, disse?

- Adriana Calcanhoto. Brasileira.

- Muito obrigada pela água.

- De nada. Já sabe, beba sempre devagar...

- E agradeço antes de morrer!

O doutor quase sorriu. Os lábios contorceram-se; apenasmente uma tentação de sorriso. Talvez, só talvez.

O portão foi aberto. A mulher, pegando propositadamente nas grades reconheceu a sensação daquela frieza na pele.

- Sabe, foi num domingo. Fui chamado à frente de combate e ninguém queria operar o homem: tinha uma espécie de explosivo preso à perna. Era uma operação muito delicada, ainda hoje penso nisso, não deve ter sido coragem... Tive que fazer tudo muito devagar, enquanto o homem sofria com as dores, e ambos tínhamos que ser pacientes. Quase no fim, o soldado disse-me: deixa-me morrer, tou muito cansado já. Eu respondi: já te deixo morrer, mas deixa-me salvar-te primeiro.

- Ele morreu?

- Não. A operação correu bem. Ele, no fim, quis dar-me uma prenda. E não tinha nada. Descalçou a bota e disse: agora já sei porquê que a filha da puta desta pedra anda a me incomodar há dois dias. Toma lá, doutor, só pra não esquecermos esta nossa conversa de hoje. Você ficas com a pedra, eu fico com a cicatriz.

O portão fechou-se. A sede tinha passado. A mulher foi caminhando lentamente pelo passeio. Ouviu passos e a música recomeçou. “Minha música quer estar além do gosto, não quer ter rosto, não quer ser cultura.

Entre duas folhas acastanhadas - numa janela de poeira - a mulher viu: a libélula, parada, ondululava o corpo. Fosse uma dança. Sob as suas patas, a pedra brutalmente vulgar repousava - entre a memória do homem e a redoma inquebrantável de vidro.

Gente, pela primeira vez neste blog, publico um texto que não é escrito por minhas percepções. Porém, esse texto tem muito a ver com o que eu sinto no cotidiano e com a minha vontade de escrever bem! É o texto que eu queria muito ter escrito. Este texto foi retirado do site Bestiário - revista de contos. Abaixo uma breve biografia do autor.

ONDJAKI nasceu em Luanda, em 1977. Interessa-se pela interpretação teatral e pela pintura (duas exposições individuais, em Angola e no Brasil). Já em Lisboa, fez teatro amador durante dois anos e um curso profissional de interpretação teatral. No ano 2000 recebeu uma menção honrosa no prémio António Jacinto (Angola) pelo livro de poesia actu sanguíneu. Participou em antologias internacionais (Brasil e Uruguai) e também numa antologia portuguesa. É membro da União dos Escritores Angolanos. É licenciado em Sociologia. Publicou "Actu Sanguíneu" (poesia, 200), "Momentos de aqui", (contos, 2001), "O Assobiador" (novela, 2002), "Há Prendisajens com o Xão" (poesia, 2003), "Bom Dia Camaradas" (romance, 2003), "Ynari, a menina das cinco tranças" (infanto-juvenil, 2003) e "Quantas Madrugadas Tem a Noite" (romance, 2004).

6 de julho de 2006

Conversão*


Na hora que ele chegou antecipou o grito do outro que não hesitava em disseminar tal felicidade. O outro, parte pressuposta do que o espera, completou apenas em luz um sentimento que conseguia decifrar. O Outro chegou. E foi neste exato momento que nada fora do comum aconteceu, mas que o mundo se transformava meticulosamente. Acrescia-se ao ambiente um sorriso nunca dantes elaborado por um ser pensante. O Outro, estático e enaltecido, estava a aceitar fulgores de um instante simples capaz de reestruturar solidificações. Ele, parado e em pé, estava pingando gotas que escorria delicadas pelos cabelos não tão longos assim. Aproveitou para, em frações prolongadas de milímetros de segundos, abrir a boca de forma sensível, revelar em símbolo sua dentição e, como se fizesse para provocar, passou sensualmente a língua nos lábios. Apenas a genuína vontade de umidecer os lábios. Pronto! O sinal estava posto! Ele, que o esperava, era utopia avassaladora. E quem queria saber do toque? A espera em si liquida a ferocidade do instinto do desejo e o transofrma em irracionalidades. Ele não estava livre.


"Imagina
Imagina
Hoje à noite
A gente se peder
Imagina
Imagina
Hoje à noite
A lua se apagar

(...)

Sabe que o menino que passar debaixo do arco-íris vira moça, vira
A menina que cruzar de volta o arco-íris rapidinho vira volta a ser rapaz
A menina que passou no arco era o
Menino que passou no arco
E vai virar menina
Imagina
Imagina
Imagina"**


Foi-se ilusória e concisamente instaurada a perfeita atmosfera. Atraia comentários audaciosos. Maquinário de construção da idéia e imagem de um outrem que passa próximo. Aquele espaço para eles era o lugar dele e do outro que chegou. Apenas isso e nada mais. Pelo menos por enquanto. Durasse o tempo que fosse necessário. Pois da natureza da relevância tudo tomava conta dos pensamentos. Risos, aliás, gargalhadas. Contidas em apenas o derretimento de um olhar quase desviante. Mas ele estava alí, voltara. O outro o estava a esperar, movimento. Um caminhando lentamente (o instante comum passava-se o tempo sem pestanejar - porém o tempo deles era concreto e diferente dos demais). Ele apareceu para distrair a atenção que um outro tinha da reflexão justa e necessária que o tirava da liquidez e do desânimo. Acertou-se consigo que, como um leão deve fazer ao roçar sua limpa juba nas costas da sua leoa tão feroz quanto afável, amar era um passo delicado e gentil a outro momento imprescinível para a potencialidade de sua inteligência ainda imatura. É muito bom lembrar que não tinha música. Aliás naquele momento era inútil pensar nisso. Nem existia possibilidade de imagem e de som ao redor dele que chegara e dele que o esperava. Movimento.


"
Diz quem é maior que o amor?

Me abraça forte agora, que é chegada a nossa hora
Vem, vamos além. Vão dizer
que a vida é passageira
Sem notar que a nossa estrela
vai cair"***


Chegou perto, olhou nos olhos (quando podia) e diálogo:


Ele (que esperava) - Do seu olhar, a limpeza que abstraio é a revelação de que um senhor de sentimentos apavora a coragem às avessas que impede de a felicidade ser experimentada em qualquer instante. Mas ainda não consigo conceber a dimensão que isso pode nos limitar e até esmaecer. Podemos provocar então outro signo rítmico?


Outro (que chegou) - A ansiedade dos poros é estarem abertos para sentirem com, cada vez mais nitidez, a proeza de alcançar um outro estágio das sensações. E isso nunca pode ser limitador. É consequência. E, mais do que isso simplesmente, é antecipar o gozo. Racionalizar a possibilidade de sentir. Mas pode parar por aqui e afeto do olhar continuar a sucumbir nossos espíritos luxuriosos.


Ele (que esperava) - Absolutamente espontâneo. Deve-se ter cuidado com as intemperes do caminho. Socorrer as vicissitudes e alimentar a vontade duradoura. E se a gente puder deslizar a imensidão e varrer outros lares? Acho que está na hora!


Longo e sonoro beijo.


Mas eram apenas pensamentos de desejo. Verdade pouco existia de fato. Aliás faltava-lhe fatos. Imaginação. Imagem na ação. Do que o pensar iria construir e ação apenas aqui. De fato? O outro que chegou levantou-se, pediu parada e deixou aquele ambiente vazio. Ele apenas acompanhoou com olhares ferozes. Bicho que é. Mas outro chegou. Não lhe interessava mais aquele jogo. Concordou apenas com Vinícius de Moraes. Balbuciou soneto.


"De tudo, ao meu amor serei atento
Antes, e com tal zêlo, e sempre, e tanto
Que mesmo em face do maior encanto
Dele se encante mais meu pensamento.

Quero vivê-lo em cada vão momento
E em seu louvor hei de espalhar meu canto
E rir meu riso e darramar meu pranto
Ao seu pesar ou seu contetentamento.

E assim, quando mais tarde me procure
Quem sabe a morte, angústia de quem vive
Quem sabe a solidão, fim de quem ama

Eu possa me dizer do amor (que tive):
Que não seja imortal, pôsto que e chama
Mas que seja infinito enquanto dure"****



Foto: Vânia Medeiros



* Uma conversa um pouco maior para deleite dos apreciadores literatos e desprezo dos outros tantos. Limitação do autor: Falta de concisão e talvez um pouco de sensatez.

** Trechos da música Imagina de Chico Buarque e Tom Jobim

*** Trecho da música Conversa de Botas Batidas de Marcelo Camelo

**** Soneto de Fidelidade de Vinícius de Moraes

21 de junho de 2006

IMAGINANTE*


Que não é absurdo
e cria a seu bel prazer
da fonte ativa
do mito ativo
da perseverança
a captura de beleza
na simplicidade
do paralisar o olhar
e da arte
a lindeza e a singeleza
o IMAGINANTE
andante criador de imagem
sem cabimento

"Como toda gente tem que não ter cabimento para crescer"**

A sensibilidade
emancipa a primazia perceptiva
controla a rigidez
abrange a literA(R)Tura
Ah! a sensação outrora
a invasão e impressão
consciente.
Ah! o voê, o outro.

"Eu sem você não tenho porquê
Porque sem você não sei nem chorar
Sou chama sem luz, jardim sem luar
Luar sem amor, amor sem se dar"***

Tudo se torna elegante
e eu impressionado e satisfeito
frente a I-MAR-GINANTES.

Ilustração :: João Milet Meirelles

* Título do fotoclipe dedicado à João Milet meirelles - Imaginante
** Trecho da música Cabimento de Arnaldo Antunes
*** Trecho da música Samba em prelúdio de Baden Powell e Vinícius de Moraes

Abstrações Sensoriais


Encantado. Na solitude transversal aparente, um substrato impuro e nevrálgico. Quebra-cabeças de sentidos e sensações. Ao andar o tempo passa tranquilo por que é dia de céu claro e consequente transparência os seres que se vê. Todos maturando racionalizações possíveis na tentativa de compreender o que geralemnte é insignificável. Mais tarde, também, insignificante. O circulo intocável da legitimidade, do vício que lhe corta o vértice central. Aramados e adormecidos. Posto o que não lhe é sabedoria, a inverdade soa. Sonoramente. Uma antiposta e singela necessidade de aroma adocicada de fruta gerada do verde a inversão cristalina dos consentimentos. O primeiro argumento da sequência lógica construída para a defesa da idéia de estar por trás do óculos escuros, nariz de palhaço, máquina fotográfica, pinturas abstratas, lata de cerveja e palavras que não se encaixam.

Aceitou-se temporariamente a inferência inexata. O dia passa a ser verossimelhança do dispersar energia concreta, ou simplesmente, incoerente com o que se pode simbolizar de cotidiano. SE voou por meios naturais, ENTÃO construiu solenemente uma imagem pictória de atitude. Fica margeada no intelecto, tal como os barcos desbravados em cavernas com recheios ancestrais. A surpresa é baseada no impacto que causa a sinergia entre os corpos: o desejo. A partir disso o som! A espera emocionada que se corta pelo desprender vazio da lembrança da falta de comunicação. Mais intenso talvez. Da falta de combinação parental das almas colocadas em cheque.

Para antecipar a cordialidade do passo, a tal liberdade cria submundos internos baseados na arquitetura simplista da abstração e da espontaneidade. Uma assiduidade constante a revisita da forma imediatista de visualizar a atmosfera das relações mundanas. O jeito se classifica artificial e culturalmente pela intensidade do mergulho na atmosfera do esperar e do tentar decifrar. A forma, amistoso entre partes, galanteia o ostracismo. Libera a capacidade de mobilidade. Ao se perceber a intencionalidade dos gestos, sorri arbitrariamente, de forma básica e involuntária. Reação a positividade não positiva de emancipar-se. Balbucia alguma coisa, mas não tem mais o que dizer de si.

De uma forma, ou de outra, a literatura que se cria, fantasia uma transformação atípica e convergente da razão. O emocional se torna a ferramente característica que se relaciona com o poder da expressividade. Um momento marcante é o da angústia proveniente do deciframente de determinadas conclusões. Da opção da inferência inexata. SE sonha, ENTÃO matura a irrealidade e a utopia - o conceito que se usa aqui admite a probabilidade, a provisão e a projeção dos desejos: Sinergia entre os corpos.

A materialidade rotineira, a singularidade das escolhas, a funcionabilidade dos sentidos, a dimensão do prazer nas trocas, a intencionalidade dos ritmos, a manutenção da prática na rigidez das experiências de aprendizado. A vivacidade poética dos olhos a se encontrar, claramente identificados.

Ilustração :: Vânia Medeiros

29 de maio de 2006


A avalanche crítica do anacrônico desejo de estar em outro ambiente reforça a idéia de que ainda há um longo caminho a se percorrer. Para onde? Ainda não se sabe, mas só de existir caminho mais proposições podem ser alcançadas. De repente um silêncio estrondoso. Daqueles que indagam o som e remetem a insuficiência humana de construir imagens de palavras. Mas principalmente da ausência delas. O pior da resiliencia é saber da solidão. De que ninguém sente o mesmo. E nem quer. Quando se olha para um animal qualquer, frio, cortante e gritante, pode se perceber que ele também é sozinho. A questão é que ele não tem consciência disso. De onde vem nossa guerra então? Sem justificativas cabíveis. O confronto humano com as suas próprias víceras massacrantes tem como conseqüência, talvez, violência em forma de imagem que é palavra ou palavra que é imagem. Do ovo e da galinha. Válvula de escape: Orgasmo. Dançar até chover rios por onde passar. Sincronizar os pés na mesma ambiência. Rasgar o solo com a sola e riscar no barro dedos que sobrevivem antes de cair. O sangue corre até as pernas em movimento. Nenhum pensamento, nem imagem, nem palavra. Ele acaba de apreender um passo novo.

Quando eu cheguei tudo, tudo/tudo estava virado/apenas viro me viro/mas eu mesma/viro os olhinhos/só entro no jogo por que/estou mesmo depois/depois de esgotar o tempo regulamentar/(...)/e dentro da menina ainda dança/e se você fecha o olho/a menina dança/dentro da menina/ainda dança/até o sol raiar/até o sol raiar/até dentro de você nascer/nascer o que há (...)*

A escrita previsível disto não é por diletantismos baratos, mas por uma prece sem fundamentos pelo tempo que não tem círculos cromáticos. É que a relação se esgota como se uma porção tivesse chegado ao final. E tem saberes que promove as interlocuções transitivas de um pensamento qualquer. Chega-se a conclusões. Ela está inteiramente ligada ao ínterim comum, seu próprio eu. Isso, vamos fazer um pacto aqui, chamaremos de "Ogíbmu". Explicarei caro leitor para que não fiques sem um mínimo de entendimento desse conceito. "Ogíbmu" se relaciona diretamente com um espaço fechado na relação com o outro. Isso por que sente uma indisponibilidade de assumir acordos mais práticos. Digamos que seja incomum nas pessoas o "Ogíbmu", mas todos, um dia passam por essa fase pictórica. É o que aconteceu agora e por isso ela dança. Porque, não é um dançar sozinho, mas um se relacionar intrinsecamente com essa confluência interna. Não obstante, nada a interessava mais, a não ser essa interação a se julgar de um egoísmo sadio, porém sádico, talvez. Enquanto ele não podia mais imaginar uma forma sensacionalista para lhe chamar atenção. Aquela menina e o seu interagir contínuo com o "Ogíbmu".

"Não, ele não vai mais dobrar/pode até se acostumar/ele vai viver sozinho/desaprendeu a dividir. Foi/escolher o mal-me-quer/entre o amor de uma mulher/e a certeza do caminho/ele não pode se entregar/e agora vai ter que pagar/com o coração/olha lá/ele não é feliz/sempre diz/que é do tipo cara valente/mas veja só/a gente sabe/que esse humor é coisa de um rapaz/que sem ter proteção/foi se esconder atrás/da cara de vilão/então, não faz assim rapaz/não bota esse cartaz/a gente não cai não (...)"**

A assiduidade daquela relação tardia minorava tudo o que subentendia. Ficava nas entrelinhas descobertas sem ignorâncias insensatas. Mais do que genializar alguma convicção, amadurecer qualquer espaço de interrupção qualificada do ser. Talvez do personagem ser. Mas dentro daquele espectro sensível e imaculado. Na origem daquele destino escolhido a dedo, não pode precisar qualquer tipo de sabedoria, nem abstrações coerentes. Misticismo remoto ambíguo. Linguajar inexato, até confuso, até melindroso (maniqueísta, tanto quanto Vladimir Nabokov e seu par de seios rosados). Anacrônico, deixa ela se jogar na mais característica impressão do universo de agora. Mais tardar dará conta de que perdeu coerentemente e por seu próprio descuido o amor dele (assim delicado e em parênteses). Deixa ele sozinho racionalizar o "Ogíbmu" e maturar a compreensão, a compaixão. Ode a qualquer sentimento de equivalência simbólica antiquadra. Ele tem olhos diferentes na mesma face. Pode observar um grande amarelo e um outro azul. Também tem o fato de que fica sozinho, dança solto, chora deitado, ri sem – perdão da palavra – grilos e ela, tonta de vinho caro e cerveja depois de muito esforço pra tê-las, assumindo seu posto pleno de desconfiança vazia. Não, perdão novamente pela palavra. Nada de desconfianças por aqui, até por que não há nem atenção esqueceu? Ela apenas se preocupa com um íntimo e singelo prazer diletante e prático. Gozo inebriado dela e novamente é "Ogíbmu" apenas a que ela se preocupa. Normal roda sem parar enquanto ele fica a sofrer "porque gosta".

Ela por ela:

"Não era à toa que ela entendia quem buscava caminho. Como buscava arduamente o seu! E como hoje buscava com sofreguidão e aspereza o seu melhor modo de ser, o seu atalho, já que não ousava mais buscar caminho. Agarrava-se ferozmente à procura de um modo de andar, de um passo certo. Mas o atalho com sombras refrescantes e reflexo de luz entre árvores, o atalho onde ela fosse finalmente ela, isso só em certo momento indeterminado a prece ela sentira. Mas também sabia de uma coisa: quando estivesse mais pronta, passaria de si para os outros, o seu caminho era os outros. Quando pudesse sentir plenamente o outro estaria salvo e pensaria: eis o meu porto de chegada"***

Ela não usa maquiagem, tatuagem. Ela não usa sentimentos baratos, nem blues do Djavan a toa. Ela não usa macaco, não usa televisão de cachorro, nem musiqueta pop dos Estados Unidos. Ela não usa black-tie, ela não usa capa de burguesa, ela não se usa (?), ela não se mostra, ela usa a solidão de decalque, ela usa partitura, ela usa uma miniatura de rosto riscado, ela usa uma calcinha que não se mostra, ela usa primazias como confluências de paradigmas, ela se usa no mais significante que seja isso (?), ela usa um conceito novo "Ogíbmu" e ela não olha mais pra ele com vontade de estar junto. Por isso ela não o liga mais, não o convida mais, não tem mais tempo pra ele. Ela e "Ogíbmu". Ela não usa mais ele. E ele só queria uma poesia de amor em seu mais novo endereço: o destino dela.

Ela escreve a poesia dele:

"Quando o meu mundo,
assim quiser
debruçar nesta janela,
e mais tarde quem sabe
o encontro com o horizonte.
Me provoque grandes emoções
Talvez o delírio de sorrir,
Sorrir plenamente
Um sorriso lindo
Lindo de morrer
Morrer de êxtase
Sem suicídio
E assim ver bem fundo
Suas verdadeiras intenções
Um coração limpo
Limpo de má intenções
Minha janela é assim viva como uma água
Improvisa e visa tudo
Buscando obter água
Estava tão linda
Esperando por ela
Descobri que ela sou eu
E eu, sou ela
Essa é a minha janela
Que talvez me revele
um grande amor
amor perdido por desamor
quem sabe por arrogância
de ser o próprio amor
mas isso não me vem agora
transformar minhas intenções
busco o talvez agora
minha própria remediação
sou livre
não sou?
Queria amar agora
Alguém que só me tem desamor
Mas não perco a esperança
De ser surpreendida agora
Por uma grande
Revelação de amor"****

Ele se provocou, ela era assiduidade. Os dois se transformaram e como poção que se esvai há uma falência na relação? Ele, pedido de cafuné, ela "Ogíbmu".

Ilustração :: colhida na Internet - texto de Clarice Lispector

* Trecho da Música A Menina Dança de Moraes e Galvão (na voz de Marisa Monte)
** Trecho da música Cara Valente de Marcelo Camelo (Na voz de Maria Rita)
*** Trecho do livro Uma aprendizagem ou o livro dos prazeres de Clarice Lispector
**** Poesia de Cássia Lima do livro Simétricas Imperfeições.

16 de maio de 2006

Estatizar por um momento


Um dia, um certo dia triste, a agonia se revelou tão compreensiva. Diferente de outros tempos já não passava por nenhum espaço a bonança. Foi muito violento estar nesse tempo. Um dia, um aquífero dia, tinha sonoridades que se discutia em sombras de mangueira esquecida pelos anos que se passaram. Nesse dia tão vazio, não tinha mais esperança nem propósito. Nesse dia faltava ninho pra passarinho, faltava pernas ao homem, só não faltava lágrimas aos pitorescos olhos. Estes, no final das contas, foi pintado triste pela menina. No mesmo lugar de entender a esquizofrenia. Não sei por que, mas dos detalhes daquele momento nada queria ir embora. Atônito. Pedrificado. Eu não quis mais amor nenhum. Não estava nem ao menos preparado para ouvir nada. Naquele dia de sincope, tinha derretido qualquer coisa em mim de maneira explícita. Tanto que eles perceberam por lá. Andar e os olhos a se perder pelo espaço. Escrever palavras estúpidas que não são do feitio. Analisar o mundo de forma tão grotesca que já tinha até caimento, não ia nunca mais crescer. Como é perder o amor? Largar-se pelo chão em desespero no chão do trabalho ou rir sem vontade para a menina confortante? Não há respostas cabíveis. Se o coração é de vidro nunca suportaria uma pedrada. Quebraria assim tão fácil, evidente que sim. Sem sentido. Palavras até então sem exatidão!

" Estranho mas já me sinto como um velho amigo seu
Seu all star azul combina com meu preto de cano alto
(...)
O tom que eu canto as minhas músicas pra tua voz
Parece exato
Estranho é gostar tanto do seu all star azul..."*

O chorar é resultado de uma dor tão intensa. Tão verdadeira. Tão exata que parece ter sentido. Estava tudo entendido. Meu amor egoísta. Meu eu egoísta. Minha forma estúpida de olhar o outro sempre. Nunca é tão versátil andar em chão de piso áspero e se deliciar com o som do piano gritando por um eco a se expandir. Não dava mais estar a derramar as estrelas por esse caminho a todo instante. Tinha que se concentrar em acreditar que tudo tinha sido deixado pra trás como se esquece aquele antigo texto declamado por séculos. Maquiagem descolada da máscara que coloquei agora. Borou tudo de novo. Ela não vai gostar de me ver assim. Há uma nuvem embaçada em frente aos olhos. Nem uma gota que insiste em cair daquele teto é visível por este aqui. As ruas estão bloqueadas. Não há nem transito nem pedestres. Até a chuva parou de cair. Nunca que eu quis falar de im. Exibir as imperfeições. Mas deixar que os prantos sejam pratos cheios para a poesia é não roubar dela o que lhe é necessário. O sofrer e querer bem.

" De onde vem o jeito tão sem defeito
que esse rapaz consegue fingir?
Olha esse sorriso tão indeciso
Esta se exibindo pra solidão
Não vão embora daqui
Eu sou o que vocês são
Não solta da minha mão
Não solta da minha mão

Eu não vou mudar não
Eu vou ficar são
Mesmo se for só
não vou ceder
Deus vai dar aval sim,
o mal vai ter fim
e no final assim calado
eu sei que vou ser coroado rei de mim"**

A busca nesse instante é ficar em silêncio. Ficar no vazio do quarto colorido. Ler o que é pra ser visto e contunar não entendendo nada, mas aceitando a condição de continuar ou não. De repente é um sofrer tão forte que nem poesia mais cabe nesse mar de olhar. É a descoberta de que a sensação de abandono é tão destruidora quanto qualquer outra forma de auto flagelo. A simples descoberta de que é impossível viver sem colo e quem o faz está fadado a um ser duro. É crueldade. Esquecer isso. Já acabou mesmo, não sobrou mais nada de mim. Só uns cacos de vidro de coração no chão. A menina que me pinta colorido custa a catar... E me pinta negro de fundo cada vez mais azul, além de cantar bem perto:

"Anda
tira essa dor do peito, anda
despe essa roupa preta e manda
seu corpo deslembrar

Canta
vira dor pelo avesso
Canta
larga essa vida assim as tontas
Deixa esse desenganar

Calma
Dê o tempo ao tempo, calma
alma
Põe cada coisa em seu lugar
E o dia virá, algum dia virá
Sem aviso

então..."***

Ainda faltou dizer que de cego ou de atrapalhado o menino, não esqueceu, mas perdeu de vista aquela flor. O menino dormiu no ponto. Chorou até o amanhecer. E quando de dia derrama lágrimas antes de tentar continuar a andar.

E, ao ouvir Caetano, lágrimas...

" Um amor assim delicado
Nenhum homem daria
Talvez tenha sido pecado
Apostar na alegria

Você pensa que eu tenho tudo
E vazio me deixa
Mas Deus não quer que eu fique mudo
E eu te grito esta queixa"****

Ilustração :: Do blog de Maria Fabriani

* Trecho da música All Star de Nando Reis (Na voz de Cássia Eller)
** Trecho da música De onde vem a calma de Marcelo Camelo
*** Música Sem Aviso de Franscisco Bosco e Fred Martins (Na voz de Maria Rita)
*** Trecho da música Queixa de Caetano Veloso