29 de maio de 2006


A avalanche crítica do anacrônico desejo de estar em outro ambiente reforça a idéia de que ainda há um longo caminho a se percorrer. Para onde? Ainda não se sabe, mas só de existir caminho mais proposições podem ser alcançadas. De repente um silêncio estrondoso. Daqueles que indagam o som e remetem a insuficiência humana de construir imagens de palavras. Mas principalmente da ausência delas. O pior da resiliencia é saber da solidão. De que ninguém sente o mesmo. E nem quer. Quando se olha para um animal qualquer, frio, cortante e gritante, pode se perceber que ele também é sozinho. A questão é que ele não tem consciência disso. De onde vem nossa guerra então? Sem justificativas cabíveis. O confronto humano com as suas próprias víceras massacrantes tem como conseqüência, talvez, violência em forma de imagem que é palavra ou palavra que é imagem. Do ovo e da galinha. Válvula de escape: Orgasmo. Dançar até chover rios por onde passar. Sincronizar os pés na mesma ambiência. Rasgar o solo com a sola e riscar no barro dedos que sobrevivem antes de cair. O sangue corre até as pernas em movimento. Nenhum pensamento, nem imagem, nem palavra. Ele acaba de apreender um passo novo.

Quando eu cheguei tudo, tudo/tudo estava virado/apenas viro me viro/mas eu mesma/viro os olhinhos/só entro no jogo por que/estou mesmo depois/depois de esgotar o tempo regulamentar/(...)/e dentro da menina ainda dança/e se você fecha o olho/a menina dança/dentro da menina/ainda dança/até o sol raiar/até o sol raiar/até dentro de você nascer/nascer o que há (...)*

A escrita previsível disto não é por diletantismos baratos, mas por uma prece sem fundamentos pelo tempo que não tem círculos cromáticos. É que a relação se esgota como se uma porção tivesse chegado ao final. E tem saberes que promove as interlocuções transitivas de um pensamento qualquer. Chega-se a conclusões. Ela está inteiramente ligada ao ínterim comum, seu próprio eu. Isso, vamos fazer um pacto aqui, chamaremos de "Ogíbmu". Explicarei caro leitor para que não fiques sem um mínimo de entendimento desse conceito. "Ogíbmu" se relaciona diretamente com um espaço fechado na relação com o outro. Isso por que sente uma indisponibilidade de assumir acordos mais práticos. Digamos que seja incomum nas pessoas o "Ogíbmu", mas todos, um dia passam por essa fase pictórica. É o que aconteceu agora e por isso ela dança. Porque, não é um dançar sozinho, mas um se relacionar intrinsecamente com essa confluência interna. Não obstante, nada a interessava mais, a não ser essa interação a se julgar de um egoísmo sadio, porém sádico, talvez. Enquanto ele não podia mais imaginar uma forma sensacionalista para lhe chamar atenção. Aquela menina e o seu interagir contínuo com o "Ogíbmu".

"Não, ele não vai mais dobrar/pode até se acostumar/ele vai viver sozinho/desaprendeu a dividir. Foi/escolher o mal-me-quer/entre o amor de uma mulher/e a certeza do caminho/ele não pode se entregar/e agora vai ter que pagar/com o coração/olha lá/ele não é feliz/sempre diz/que é do tipo cara valente/mas veja só/a gente sabe/que esse humor é coisa de um rapaz/que sem ter proteção/foi se esconder atrás/da cara de vilão/então, não faz assim rapaz/não bota esse cartaz/a gente não cai não (...)"**

A assiduidade daquela relação tardia minorava tudo o que subentendia. Ficava nas entrelinhas descobertas sem ignorâncias insensatas. Mais do que genializar alguma convicção, amadurecer qualquer espaço de interrupção qualificada do ser. Talvez do personagem ser. Mas dentro daquele espectro sensível e imaculado. Na origem daquele destino escolhido a dedo, não pode precisar qualquer tipo de sabedoria, nem abstrações coerentes. Misticismo remoto ambíguo. Linguajar inexato, até confuso, até melindroso (maniqueísta, tanto quanto Vladimir Nabokov e seu par de seios rosados). Anacrônico, deixa ela se jogar na mais característica impressão do universo de agora. Mais tardar dará conta de que perdeu coerentemente e por seu próprio descuido o amor dele (assim delicado e em parênteses). Deixa ele sozinho racionalizar o "Ogíbmu" e maturar a compreensão, a compaixão. Ode a qualquer sentimento de equivalência simbólica antiquadra. Ele tem olhos diferentes na mesma face. Pode observar um grande amarelo e um outro azul. Também tem o fato de que fica sozinho, dança solto, chora deitado, ri sem – perdão da palavra – grilos e ela, tonta de vinho caro e cerveja depois de muito esforço pra tê-las, assumindo seu posto pleno de desconfiança vazia. Não, perdão novamente pela palavra. Nada de desconfianças por aqui, até por que não há nem atenção esqueceu? Ela apenas se preocupa com um íntimo e singelo prazer diletante e prático. Gozo inebriado dela e novamente é "Ogíbmu" apenas a que ela se preocupa. Normal roda sem parar enquanto ele fica a sofrer "porque gosta".

Ela por ela:

"Não era à toa que ela entendia quem buscava caminho. Como buscava arduamente o seu! E como hoje buscava com sofreguidão e aspereza o seu melhor modo de ser, o seu atalho, já que não ousava mais buscar caminho. Agarrava-se ferozmente à procura de um modo de andar, de um passo certo. Mas o atalho com sombras refrescantes e reflexo de luz entre árvores, o atalho onde ela fosse finalmente ela, isso só em certo momento indeterminado a prece ela sentira. Mas também sabia de uma coisa: quando estivesse mais pronta, passaria de si para os outros, o seu caminho era os outros. Quando pudesse sentir plenamente o outro estaria salvo e pensaria: eis o meu porto de chegada"***

Ela não usa maquiagem, tatuagem. Ela não usa sentimentos baratos, nem blues do Djavan a toa. Ela não usa macaco, não usa televisão de cachorro, nem musiqueta pop dos Estados Unidos. Ela não usa black-tie, ela não usa capa de burguesa, ela não se usa (?), ela não se mostra, ela usa a solidão de decalque, ela usa partitura, ela usa uma miniatura de rosto riscado, ela usa uma calcinha que não se mostra, ela usa primazias como confluências de paradigmas, ela se usa no mais significante que seja isso (?), ela usa um conceito novo "Ogíbmu" e ela não olha mais pra ele com vontade de estar junto. Por isso ela não o liga mais, não o convida mais, não tem mais tempo pra ele. Ela e "Ogíbmu". Ela não usa mais ele. E ele só queria uma poesia de amor em seu mais novo endereço: o destino dela.

Ela escreve a poesia dele:

"Quando o meu mundo,
assim quiser
debruçar nesta janela,
e mais tarde quem sabe
o encontro com o horizonte.
Me provoque grandes emoções
Talvez o delírio de sorrir,
Sorrir plenamente
Um sorriso lindo
Lindo de morrer
Morrer de êxtase
Sem suicídio
E assim ver bem fundo
Suas verdadeiras intenções
Um coração limpo
Limpo de má intenções
Minha janela é assim viva como uma água
Improvisa e visa tudo
Buscando obter água
Estava tão linda
Esperando por ela
Descobri que ela sou eu
E eu, sou ela
Essa é a minha janela
Que talvez me revele
um grande amor
amor perdido por desamor
quem sabe por arrogância
de ser o próprio amor
mas isso não me vem agora
transformar minhas intenções
busco o talvez agora
minha própria remediação
sou livre
não sou?
Queria amar agora
Alguém que só me tem desamor
Mas não perco a esperança
De ser surpreendida agora
Por uma grande
Revelação de amor"****

Ele se provocou, ela era assiduidade. Os dois se transformaram e como poção que se esvai há uma falência na relação? Ele, pedido de cafuné, ela "Ogíbmu".

Ilustração :: colhida na Internet - texto de Clarice Lispector

* Trecho da Música A Menina Dança de Moraes e Galvão (na voz de Marisa Monte)
** Trecho da música Cara Valente de Marcelo Camelo (Na voz de Maria Rita)
*** Trecho do livro Uma aprendizagem ou o livro dos prazeres de Clarice Lispector
**** Poesia de Cássia Lima do livro Simétricas Imperfeições.

16 de maio de 2006

Estatizar por um momento


Um dia, um certo dia triste, a agonia se revelou tão compreensiva. Diferente de outros tempos já não passava por nenhum espaço a bonança. Foi muito violento estar nesse tempo. Um dia, um aquífero dia, tinha sonoridades que se discutia em sombras de mangueira esquecida pelos anos que se passaram. Nesse dia tão vazio, não tinha mais esperança nem propósito. Nesse dia faltava ninho pra passarinho, faltava pernas ao homem, só não faltava lágrimas aos pitorescos olhos. Estes, no final das contas, foi pintado triste pela menina. No mesmo lugar de entender a esquizofrenia. Não sei por que, mas dos detalhes daquele momento nada queria ir embora. Atônito. Pedrificado. Eu não quis mais amor nenhum. Não estava nem ao menos preparado para ouvir nada. Naquele dia de sincope, tinha derretido qualquer coisa em mim de maneira explícita. Tanto que eles perceberam por lá. Andar e os olhos a se perder pelo espaço. Escrever palavras estúpidas que não são do feitio. Analisar o mundo de forma tão grotesca que já tinha até caimento, não ia nunca mais crescer. Como é perder o amor? Largar-se pelo chão em desespero no chão do trabalho ou rir sem vontade para a menina confortante? Não há respostas cabíveis. Se o coração é de vidro nunca suportaria uma pedrada. Quebraria assim tão fácil, evidente que sim. Sem sentido. Palavras até então sem exatidão!

" Estranho mas já me sinto como um velho amigo seu
Seu all star azul combina com meu preto de cano alto
(...)
O tom que eu canto as minhas músicas pra tua voz
Parece exato
Estranho é gostar tanto do seu all star azul..."*

O chorar é resultado de uma dor tão intensa. Tão verdadeira. Tão exata que parece ter sentido. Estava tudo entendido. Meu amor egoísta. Meu eu egoísta. Minha forma estúpida de olhar o outro sempre. Nunca é tão versátil andar em chão de piso áspero e se deliciar com o som do piano gritando por um eco a se expandir. Não dava mais estar a derramar as estrelas por esse caminho a todo instante. Tinha que se concentrar em acreditar que tudo tinha sido deixado pra trás como se esquece aquele antigo texto declamado por séculos. Maquiagem descolada da máscara que coloquei agora. Borou tudo de novo. Ela não vai gostar de me ver assim. Há uma nuvem embaçada em frente aos olhos. Nem uma gota que insiste em cair daquele teto é visível por este aqui. As ruas estão bloqueadas. Não há nem transito nem pedestres. Até a chuva parou de cair. Nunca que eu quis falar de im. Exibir as imperfeições. Mas deixar que os prantos sejam pratos cheios para a poesia é não roubar dela o que lhe é necessário. O sofrer e querer bem.

" De onde vem o jeito tão sem defeito
que esse rapaz consegue fingir?
Olha esse sorriso tão indeciso
Esta se exibindo pra solidão
Não vão embora daqui
Eu sou o que vocês são
Não solta da minha mão
Não solta da minha mão

Eu não vou mudar não
Eu vou ficar são
Mesmo se for só
não vou ceder
Deus vai dar aval sim,
o mal vai ter fim
e no final assim calado
eu sei que vou ser coroado rei de mim"**

A busca nesse instante é ficar em silêncio. Ficar no vazio do quarto colorido. Ler o que é pra ser visto e contunar não entendendo nada, mas aceitando a condição de continuar ou não. De repente é um sofrer tão forte que nem poesia mais cabe nesse mar de olhar. É a descoberta de que a sensação de abandono é tão destruidora quanto qualquer outra forma de auto flagelo. A simples descoberta de que é impossível viver sem colo e quem o faz está fadado a um ser duro. É crueldade. Esquecer isso. Já acabou mesmo, não sobrou mais nada de mim. Só uns cacos de vidro de coração no chão. A menina que me pinta colorido custa a catar... E me pinta negro de fundo cada vez mais azul, além de cantar bem perto:

"Anda
tira essa dor do peito, anda
despe essa roupa preta e manda
seu corpo deslembrar

Canta
vira dor pelo avesso
Canta
larga essa vida assim as tontas
Deixa esse desenganar

Calma
Dê o tempo ao tempo, calma
alma
Põe cada coisa em seu lugar
E o dia virá, algum dia virá
Sem aviso

então..."***

Ainda faltou dizer que de cego ou de atrapalhado o menino, não esqueceu, mas perdeu de vista aquela flor. O menino dormiu no ponto. Chorou até o amanhecer. E quando de dia derrama lágrimas antes de tentar continuar a andar.

E, ao ouvir Caetano, lágrimas...

" Um amor assim delicado
Nenhum homem daria
Talvez tenha sido pecado
Apostar na alegria

Você pensa que eu tenho tudo
E vazio me deixa
Mas Deus não quer que eu fique mudo
E eu te grito esta queixa"****

Ilustração :: Do blog de Maria Fabriani

* Trecho da música All Star de Nando Reis (Na voz de Cássia Eller)
** Trecho da música De onde vem a calma de Marcelo Camelo
*** Música Sem Aviso de Franscisco Bosco e Fred Martins (Na voz de Maria Rita)
*** Trecho da música Queixa de Caetano Veloso

14 de maio de 2006

A máquina*


Era um colorido revolucionário. Era tanto amor. Era ele lá naquela luz tão forte que passava acima do que a cabeça poderia alcançar. Era menos absurdo do que a imaginação. Era sonho tão legítimo. Era imperfeição absoluta e uma atmosfera muito menos sufocante. Era chão de terra batida e televisão de madeira. Era amarelo para espantar a morte. Cantarolar, cantarolar. Era um despertar de uma outra fábula. Mais próximo ainda. Tinha um algo de mágico no caminho sim. Tinha algo de ilusionismo que encantava. Desprovido de sectarismos e qualquer outro ‘ismo’ pela frente. Corria em direção a uma alquimia limitada, um atemporal suspiro aliviado e atento. Aquelas luzes mobilizadoras estavam a projetar aos olhos qualquer coisa de real que a imagem desmascarada poderia produzir. E, de repente, amor de um homem filho do tempo. Não era identificação, era deslumbramento. Era desejo de uma proximidade qualquer com aqueles poderes. Na vontade ininterrupta de ser amor. Aquelas cores me modificaram. Aquela menina que me pinta colorido precisava me ver naquele instante. Eu estava modificado. A luz entrava pelos olhos de forma a iluminar meus pensamentos tão tardios. De repente já não era tão paralisado. Tinha cor na medida certa. Nunca abusou e mesmo assim me chamou atenção demais. Eu que prefiro os olhos da abundância. Eu, neo-barroco, que não aprendi gostar de meio tons.

"
Hoje eu tenho apenas uma pedra no meu peito
Exijo respeito, não sou mais um sonhador
Chego a mudar de calçada
Quando aparece uma flor
E dou risada do grande amor
Mentira"**

Do amor que nunca se tem e que aparece nas mais falseadas ilusões e no movimento do inconsciente. Era aquilo que se via ali. Era uma fenomenologia marcante. Era um estudo de como as matizes mais fullgás fosse importante para o mundo. Era de um pieguismo e de uma abstração barata que me comovia a todo instante. As fórmulas eram feitas da forma a prender meus olhos. Ele estava ali na minha frente, Antônio. Ele estava me dizendo sempre do amor que nunca tive, mas que pelo visto é fundamental. Desde o momento que a chuva caiu para tomar lugar de suas lágrimas. Aliás, era eu quem estava a lacrimejar as imagens dele. Eu queria ser ele, amor.

"
Meu Deus, o que será que tem
Nesses olhos teus
O que será que tem
Pra me seduzir
Pra me escravizar
Não sei
E não saberei também
Como resistir
A seu modo amar"***

AO voltar de um mundo submerso na beleza dos sonhos, tão concretos quantos verbais. Volta-se a desempenhar um outro papel simbólico: Ser filho do tempo e buscar o mundo para trazer ao meu grande amor!

Texto em homenagem ao filme "A Máquina"
Foto :: Vânia Medeiros

*Filme de João Falcão
**Trecho da música Samba do grande amor de Chico Buarque
*** Trecho da musica Canção dos Olhos de Chico Buarque

Passos de moça


Tinha lá seus 19 anos de idade. Super descolada a menininha. Cabelos pretos encaracolados, longos e mal tratados. Ela tinha esse estilo assim, maltratado. Vestia um blusão que parecia de sua mãe que cobria todo o busto e uma parte de suas pernas. Uma pequena parte da sua perna na verdade. O blusão cobria o pequeno short que usava dando a séria e intensa impressão que nada havia por baixo daquele camisão antigo. Andava pelas ruas mais velhas da cidade sem olhar muito para a frente e nem tampouco prestar atenção em quem a rodeava. Tinha muitos pensaentos e, pior, vários devaneios, utopias desnecessárias. Assumia um comportamento no qual se distanciava da outra maior parte das pessoas. Não podia ser igual a todo mundo. Seria uma ofensa a sua própria dignidade de menina "diferente" que não sente os mesmos desejos programados que as outras tantas gentes tinham prazer em sentir. Ela tinha um rosto tão lindo, que, da delicadeza de ser, sua face alimentava as mais provincianas libidos. Ela era sozinha e, mesmo em seu grupo "diferente" não consegue se ver em completude.

"E dentro da menina
A menina dança
E se você fecha o olho
A menina ainda dança
Dentro da menina
Ainda dança

Até o sol raiar
Até o sol raiar
Até dentro de você nascer

Nascer o que há!"

Nunca a vi tão de perto quanto naquele momento em que passva com ar de tristeza por mim. Ela estava perdida em um espaço simbólico que não se comunicava com o outro, nem com o espaço. Ela estava com ar de melancolia de quem nunca conseguiu chegar no seu objetivo. Talvez nem sabia qual fosse e estava muito feliz por isso. Ela era sim diferente e encantadora como sempre. Estava em movimento constante ao contrário de tudo quanto foi movimento irracional naquele instante. Era arte que lhe chamava atenção. Nem era tão arte assim e sua voz quase não saía. Talvez tivesse perdido a perspectiva, mas continuava em movimento cercado de outros ainda sem nenhuma possibilidade de expectativas. Se dizia feliz naqueles passos, mas não propiciava aos outros rostos nenhum traço de sorriso sincero, daqueles que dão pra zer orgásmico só de revelar a dentição no movimento sigelo dos lábios vermelhos.

" Quando ela mente
Não sei se ela deveras sente
O que mente para mim
Serei eu meramente
Mais um personagem efêmero
Da sua trama
Quando vestida de preto
Dá-me um beijo seco
Prevejo meu fim
E a cada vez que o perdão
Me clama"

Ela passou e eu não consegui. Parei de passar naquele instante. Ela passou e continuou um caminho que eu não consegui seguir. Ela passou e não acreditei naqueles passos, mas aceitei de bom grado todos os seus bons desejos de continuar os passos. Ela nunca deixou de passar e isso eu sei já. É que não passei no seu passo assim tão fácil.

Ilustração :: Vânia Medeiros

* Trecho da música A menina dança Composta por Galvão e Moraes Moreira - Novos baianos
** Trecho da música Ela faz cinema de Chico Buarque

2 de maio de 2006

Santa, barroca e baiana


Quando ia imaginar que uma vontade de estar tão bastante próximo iria acarretar no desejo de estar sempre. Ela é tão cheia de si. Linda. Ela é tão beleza e sorriso de flor. Não era admissível no âmbito da construção imaginária a possibilidade de encantamento de um ser tão belo assim. Quando avistada pela primeira vez por dois olhos surpresos, foi admiração em primazia. Era mais que o sorriso. Era o jeito do toque. Era a inexperiência engraçada. Era o momento proporcionado. Tudo tinha se preenchido de outras expressões semânticas quando aqueles olhos a avistaram. Tinham muito em comum. Mais do que se podia imaginar naquele momento. Os dois olhos que a avistaram tina certeza de que tinha encontrado algo muito especial ali. Mesmo que não pudesse novamente mirar. Mas, tamanha surpresa o contato foi feito. Havia a possibilidade de estar. De observar novamente. Tinha o medo, mas nem isso era tão forte. Aconteceu o que não se esperava ali. Uma combinação sensível.

"Você viu só que amor
Nunca vi coisa assim
E passou, nem parou
Mas olhou só pra mim
Se voltar vou atrás
Vou pedir, vou falar
Vou dizer que o amor
Foi feitinho pra dar
Olha, é como o verão
Quente o coração
Salta de repente
Para ver a menina que vem (...)"*

Neguinha, assim tão linda. Ela tem um magnetismo que atrai e uma sensibilidade de natureza do incomensurável. Ela e um “que” diferente. Ela mais decidida que o homem pode ser. Um encontrar avesso. Uma indisponibilidade. Cantarolar músicas de Marcelo Camelo ao lembrar dos cachos suaves de seu cabelo. Porque se tinha possibilidade de ainda lembrar de um rosto que, de tão leve, anuncia sempre a morosidade e singeleza de um ambiente que favorece um sorriso de expectativas. Uma marcha constante para lembranças, para boas saudações. O que provoca é intensamente necessário e ela é mais que qualquer mágica. Talvez ilusionismo sim, mas beleza acima de tudo.

“Vem pra misturar juízo e carnaval
vem trair a solidão
vem pra separar o lado bom do mal
e acalmar meu coração

vem pra me tirar o escuro e a sensação
de que o inferno é por aqui
vem pra se arrumar na minha confusão
vem querendo ser feliz”**

O que ela ainda não sabe é que nada mais que sua solidez foi imprescindível para a comoção pura daqueles mesmos olhos que a visitaram. O amor não dá mais lugar a nada. E mais uma estrela brilhante chega para iluminar qualquer sombrio céu de nuvens de chuva. É tão rosa que nada impede a interação com as luzes que a fixaram. Não se tem nenhum jogo. Muito mais que isso se desloca. Mas há mistério ainda no desejo. A única coisa que se tem notícia é de que os olhos que um dia a encontrou deu um sentido único a perspectivas. E, mais uma coisa, é tanta beleza vinda dela que a vontade de estar é sempre bem vinda. Talvez tenha a possibilidade de cantarolar outra canção:

“My baby don’t care for shows
My baby don’t care for clothes
My baby just care for me
My baby don’t care for cars and races
My baby don’t care for high-tone places”***


Em Homenagem a Luana

Ilustração :: Vânia Medeiros



* Trecho da Música Samba de Verão de Marcos Valle e Paulo Sérgio Valle (na voz de Caetano)
** Música Feliz de Dudu Falcão (na voz de Maria Rita)
*** Trecho da Música My baby just care for me cantada por Nina Simone

Sabor queijo coalho, catupiry, chedar e mussarela


Locomoveu-se ainda sem poder dar passos direito. Confuso. Anunciava que ainda estava disposto a se destituir de todos, o cargo de magnitude a que alguém um dia impusesse participação ativa. Mas não era tão fácil assim. Naquela noite, enxurradas e fortes emoções se misturavam no peito dele. Muito mais invisível do que camuflado. Era inevitável todo aquele não estar. Caminhava simplesmente. Caminhava. Sentia que algo tinha começado a se desfazer naquele instante. De quem não havia desejo de continuar? Mas ele tinha que chegar ao seu caminho. Ou continuá-lo. Mas lhe foi impedido a possibilidade de continuar e aí tudo aconteceu:

Conto do amor e da construção da imagem através dos sabores...

Ele tinha mãos firmes, mas não pesadas. Foi a única coisa que se podia sentir racionalmente depois de tudo. Ele era delicado. Sempre o percebeu. Sempre o havia visto. Adicionou um toque especial sempre e sempre havia uma compatibilidade, ele que não percebia assim tão fácil. Até o já tinha lhe dado toques, mas não foi assim tão fácil perceber. Ele tinha barba, daquelas que roça a bochecha e faz cócegas. Ouvia música comum de duas décadas atrás, mas não era tão ingênuo. O que mais chamava atenção é que ele sempre olhava no olho e dizia: “Pra você, meu querido, o mesmo que faço sempre. Queijo coalho, catupiry, chedar e mussarela. Acertei?” A reação era um sorriso simples e um sim discreto. Ele tinha acertado o desejo mais uma vez.

“Consentir é educar o amor
Seduzir é cutucar
Amarei! é conjugar o amor
Não amei! é enxugar

Avançar é conquistar o amor
Amansar é como está
Como estou com muito amor pra dar
Eu dou!
Quem tiver atrás de um grande amor
Achou!”*


Nesse mesmo dia de confusão. Ele chegou bem perto, apertou a mão com firmeza e deu-lhe um abraço singelo. Foi aí que a barba fez cócegas e tudo estava tão entendido. O próximo passo comer pastel de queijos com vinho encorpado. A televisão não tina sentido, mas iluminava o ambiente de forma limiar. Ninguém prestou mesmo atenção naquela caixa de luz. O vinho era bem encorpado e o pastel quente. Riram e encostaram o ombro. E riam... Sentados, um abraço, um carinho nas costas e um encostar de lábios com gosto de esperança. Ficaram assim por horas. Os personagens da televisão pararam para curtir o clima. Beleza. Era simplesmente vontade de estar mais bonito. Ele, com tanta delicadeza tocava o corpo como se pintasse o quadro lírico mais perfumado já feito. Ele via beleza ali. E via mais ainda. Ele enxergava uma alegria em construção daquele sorriso que se abria após o descolar dos lábios. Ele sabia da felicidade e escondia em sabores do qual o desejo já tinha se tornado decifrável.


“Leve
Como leve pluma
Muito leve
Leve pousa

Muito leve, leve pousa.

(...)

Simples e suave coisa
Suave coisa nenhuma
Que em mim amadurece”**


O carinho era prazer intenso. Era muito mistério e nenhuma certeza. Por isso prazer intenso. Os braços estavam juntos e o cheiro de manga madura já tinha invadido o ar sorrateiramente. Devagar. Espantando qualquer fantasma da razão. Deixar para trás até as recordações do calor ardiloso e impassível. Eram só dois ali. Sentados, de rosto colado. Gotas de suor a derramar no braço e na testa. Deitaram e contemplaram o telhado com hastes de madeira. Mais risos. Conhecia um caminho mais curto para chegar a um sorriso aquele moço. Só que agora podia voltar a andar. O pastel tinha acabado e o restinho de vinho no copo não tinha mais o mesmo sabor. Mas antes de continuar a construir um caminho, aliás, agora diferente, ele, ainda sorrindo, arriscou a falar:


- amanhã, volte e satisfarei de novo seu desejo. Não precisa dizer. Já conheço. Sabor queijo coalho, catupiry, chedar e mussarela.



Ilustração :: Vânia Medeiros



* Trecho da música Achou de Dante Ozzetti
* Trecho da música Amor de João Ricardo - João Apolinário

Dialetos Transcritos

Na outra oportunidade deles estarem assistindo a atitude de querer um ao outro, mais que algumas bobagens foram produzidas em imagens pelas mentes. O que se chama de sonho era para eles a intensa necessidade de caminhar pela praia de mãos dadas. Era mais que criatividade e o que estava sendo dito não passava de mentiras abstratas. Cada vez mais serenidade encolhida na abstração do que se desprende no leito de viver. Cada respiração era um fardo e quando não era decisão no estar, mais que bagunça existia. Todo ar era falseado e inatingível. Diálogo nesse instante. Puro diálogo amorfo. O que dizia um era aceito pelo outro como complemento da alma. Pendiam árvores de segredos incomensuráveis. Tinha que ser símbolo de impressão oficiosa. Taciturna forma libertária de flexibilizar a ordem dos sentidos, mística de dois. Como o nadar juntos pelos fluídos vazios do preenchimento. Ordens não existiam, apenas intencionalidades estanques e não tão rígido. Na crendice de que o amor passa a adquirir aspectos políticos na sua sustentabilidade, fica o reconhecimento de que a alegoria fundamental da práxis do estar junto se manifesta no dizer-se ao outro e ouvir-se em si, assim como no anteposto. Se ainda está no imaginário, em confusão, pode-se verificar na dificuldade de desenvolver a linguagem dos casais. Eles ainda param sem saberem de si por que estão no outro. Pressupõe dislexias e falta de compromisso com argumentos concisos. A reflexão é continuada por desistir de entender a prolixidade deles.

“Sem essa de que estou sozinho
somos muito mais que isso
somos pingüins, somos golfinhos,
homens, seria e beija-flor


(...) O sistema é mal, mas minha turma é legal
Viver é foda, morrer é difícil
Te ver é uma necessidade
Vamos fazer um filme


(...) E hoje em dia como é que se diz: eu te amo?”*

A liberdade de forma tão rara se torna escassez de uma necessidade interminável de sentir-se não preso, mas enlaçado enfurecidamente pela imaginação de outrem. Caridosamente, mais que símbolos comuns traduzidos emocionalmente, tudo se torna tão comum, tão breve, tão insólito. Nem é real. Nem é em si. Radicaliza, chega ao tal cerne que alguém acredita existir. Acabaram-se as cascas dos nós de nóis. Até agora é o único caminho concreto. Manda parar porque se é cidadezinha do interior o coreto ficou fora do lugar. Porém não há alucinações neste ambiente de construção ambíguo e duvidoso. A liberdade é endógena demais. Não segmentária nem signica. A liberdade é uma construção simples de conflitos de si para consigo. Não é fácil a análise de que se tornas resposáveis pelas consequências. Mas, agora, sinceramente, acho que tudo está por um fio. Tem-se muito medo neste instante. Sentimento de esvaziar-se de vôos. O desequilíbrio constante dá lugar ao entendimento inevitável. Enquanto eu apenas esperava ouvir:


“(...) Sei que a tua solidão me dói
E que é difícil ser feliz, mas do que somos todos nós
Você supõe o céu
Sei que o vento que entortou a flor
Passou também por nosso lar
E foi você quem desviou com golpes de pincel

Eu sei é o amor
Que ninguém mais vê
Deixa vir a moça
Toma o teu
Voa mais
Que o bloco da família vai atrás.“**

Mais uma vez limitações da condição simples de comunicar-se. Há probabilidades sentimentais de diálogos, mas apenas isso. De repente é inútil o tentar fazer-se entender. Inútil, sombrio. Não é de lágrima que se distingue esse ideal. É de verdade que se demonstra a incompatibilidade entre o desejo e a possibilidade. Mas porque o desespero? Por causa de uma tola e inexata solidão amiga? Não sabe pronunciar a lingua do amor. É por que o amor é uma conversa muito longa e que ainda está no nível da impossibilidade expor em signos transcritos.

“(...) De repente cai o nível e eu me sinto um imbecil
Repetindo, repetindo, repetindo
Como num disco riscado
O velho texto batido
Dos amantes mal amados
Dos amores mal vividos
E o terror de ser deixada
Cutucando, relembrando, reabrindo
A mesma velha ferida (...)”***


Ilustração :: Vânia Medeiros


* Trecho da música Vamos fazer um filme de Renato Russo
** Trecho da música Além do que se vê de Marcelo Camelo
*** Trecho da música Não vale a pena de J. E P. Garfunkel