21 de abril de 2015

Fabulosas Iscas do Futuro #2015 [ou Ofélia]



Líquida, ó quão desmedida ela se esmerava naquele banho intrépido de ilusões e signos abstratos. Ela, quem sempre sabia de si sólida, exalava por um canto um cheiro forte de água! Era como, em sortilégio, enfiasse todos os dedos na garganta para arrancar dali qualquer que fosse as entranhas de um ser em dissolvidão. Distraída em mergulhos em si mesmo, estava alí gritando como canto seu desalinho com pés firmes no chão, seu descrédito à quentura de de um fogo qualquer, seu desentendimento com a respiração ofegante. Ela, brilhante pasta aquosa corroía todas as partes de si, antes navegáveis.

Tinha luz própria e o corpo em devaneio, como se a frente de um gigantesco parque aquífero fosse ela mesma a imensidão a desbravar. Optava pela solitude como sugerência de subterfúgio, mas não submergia sem qualquer intensidade, tão profunda que estava inspirar era sem sentido. 

O som que coloria o ambiente era o estímulo principal para que ela fosse obstinada em desmedida, tão penetrante quanto envolvente, tal ponto que o calor que saia dela desidratava os corpos tocados em suor e lágrimas. E Ofélia não era santa, sua consistência liquificada só era imaginação dizendo verdades obtusas, criando imagens sensoriais ricas em transparências e sensualidade em mistério.

Morreu afogada em próprios prantos. Arrancando suspiros alheios, dilatando as visões mais ásperas, convocando aflições suaves e iluminando caminhos de imersão ilógicas. 

Acordou disposta depois do corpo entregue em água, de tal forma que precisava nadar, braçadas consistentes para continuar e dar sentido ao movimento. Depois da ilusão do canto da sereia, de puxar um rabo de baleia, de incorporar Oxum e Yemanjá, aprender a nadar e... hummmmmmm... respiro! 

Continuou...

5 de abril de 2015

Desalinho (parte 1)


- Você pode abrir sua mão pra mim?

- Nenhuma linha aqui pode alterar o compasso do meu ritmo de pensamento. Saber me ler exigirá um artefato um pouco mais complexo, infelizmente.

- Qualquer leitura é simbólica. Posso constatar então, o fato de que eu sou a figura complexa pra literatura de você. Mas não tem importância, a essa altura eu apenas estou interessado em saber por onde não passará o seu caminho, já que (foi interrompido com um susto e um olhar mais agressivo)

- Opa! Não sou literato, nem tampouco dado a signos qualquer. Queria te dizer de todo modo que não há sequer um passo que se dê a partir de agora que não se entrelace, inclusive os não caminhos. (gargalhou sozinho... de repente reverberou de lá uma risada tímida para acompanhar). [aqui deu um rompante e levantou como se fosse discursar] - De fato, o único lugar que eu quero estar é aqui dizendo essas baboseiras pra você.

- Eu já tinha percebido sua dúvida. Seus lampejos mesmo ao deitar aqui nessa esteira ao meu lado. [levanta também]. Mas e então, abrirás pra mim sua mão? Temes a leveza de um possível caminho junto?

- Olhe minha mão [abre a palma voltada para cima] e me diga se tem chance de amortecer o limite da mágoa? Não tem ai um invólucro criativo de não ser e é essa a questão aqui posta. O caminho nem sequer se faz mais importante do que o traço latejado da memória... me diz: supera aqui as barreiras do não saber-me? Do querer não ser muitas vezes? Não há, de fato, qualquer possível nesse ínterim de caminho junto.

- Estou triste com seu desdém. Um roteiro pré-formatado de agonia se permeia pelo seu desafeto. E é a única coisa que consigo ver na aspereza da sua mão, mesmo que tão delicada.

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- Eu entendo tanto de previsão quanto de física quântica

- Então é nesse momento que você me beija?