29 de abril de 2010

Sem lavores ou ornatos


Um homem está nú!

Seus dedos dos pés às mostras pelos arreios soltos de uma sandália velha. E ia mostrando a saudade pelo sangue. Eu disse que ele estava nu e descortinado. Selvagem! E as pernas eram músculos invencíveis, daqueles involuntários que perpetuavam agonias latentes de liberdade. Pregavam de medo, como cãimbra. Mesmo assim, não parava de andar, quase transparente. Nem ruborizava quando suas grossas coxas balançavam como espasmos. Objeto de desejo dele mesmo, que também tinha às vistas suas obscenas crises de auto-piedade, nada mais que um eufemismo antropológico para o que se chamaria "narcisismo".


Ao falar de pequenos pudores, não dá pra notar que o homem tinha um pênis normal. Aquele falo elegante não era sexualizado, nem tinha marcas de expressão. Estava preso alí e exigia força, talvez até virilidade. O pau do homem, pra que todo mundo olhasse era só um signo de índice: ou seja, um homem esteve alí! E não fazia muito sentido mostrar a barriga não definida, ele não era definido, isto estava óbvio. Parecia tão natural sua indiferença às respostas que quase sempre se questionava para que serve aquele umbigo alí no meio, continuava a questionar parado em um lugar público. Suas visceras eram notáveis, manchadas de lisergia e de memórias de inconsequências cabíveis para seus momentos de construção de história. Pelo menos essa era a justificativa plausível.


O homem não estava nú sozinho, mas ele estava nú e isso era o que comovia para essa leitura. Pois mostrava os peitos abertos, lânguidos e sutis ao mesmo tempo. Como se batesse vertiginosamente uma bomba de um lado e o outro calmo não reagia. Seu lugar da sensibilidade era o peito, as argolas, as emoções, os sentimentos. Largos ombros serviam para deteminar o tamanho de braços e mãos, quase pedintes de afago. Pescoço destroçado, mal serviam para segurar a última parte do corpo em pêlo.


Olhos e bochechas ruborizados, afinal ele estava pronto para ser devorado por outras visões. Orelhas de mesmo tom de pele eram coloquiais, mas nem sempre demonstravam carinho e segurança. Traíra este homem muitas vezes. Não mais do que sua boca em carne. Lambisgóia que era, estava alí presente e pronta para uso, indeterminadamente. Nua, essa boca, assim como as palavras que ele tinha coragem de produzir, peladas! Não tinha cabelos, se vocês querem saber e então sua mente fervilhava em graus quase esquisofrênicos de ternura. Lapsos de sinapse, eletrostática em movimento. Esse homem era impuro, como o vento. A diferença é que agora o homem estava nú e ninguém conseguia enxergar.

21 de abril de 2010

Por outra margem...


E se acabou de ir e vir e de tanto voltar que estava sem beira. E se alongou de reunir a inerência do andar como rosa de feira. E se imaginou no rito de ruir e implantou uma liberdade de beira. E inovou na posição de cantar ouvindo mastros de bandeira certeira. E se mostrou como mágico na cisao dos segundos mandando os cortes para a luz a escuridão rotineira.

Oh pessoa fora do roteiro, realinhe seu olhar para o real, para que sua inexistência não siga reta sem curva, sem eira.

E rosnou gritos de silêncios para fazer inútil sua razão passageira. E observou atentamente a poesia que se acaba por si na praça para montar como arte a sua humildade, besteira. "Minha alegria num instante se refaz, pois temos o sorriso engarrafado"*. E não comprou sentido no supermercado, estava em falta a ilusão varejista. E foleu a revista de ação, com imagens de dragões cuspindo fogo por que a aventura era sua inteireza brejeira.

Oh pessoa longe do destino, componha um certo número de verso que estará pronto para a serra estradeira.

E depois de sentir qualquer coisa que não estava a esperar, entendeu que a imaginação é participação de si mesmo para a construção do caminho. Partiria agora para a alcunha de pessoa inteira!

Foto: Vitor Freire
* Trecho da música Parque Industrial de Tom Zé