21 de abril de 2009

Conversas de pé de ouvido


Ocultaram-me as divagações alheias e eu, que não sei de meia dúzias de palavras, estava no mensageiro instantâneo, sabendo de tudo rapidinho e manêro. Foi isso então, o saber que estava alí estabelecido tinha a ver com a identidade alinhada, nada mais me pertencia se não a emoção de me ver sabendo de si mesmo, em outrem. Quanto mais as digitais digitavam [mesmo tendo aparecido sapos na sala, mesmo não tendo visto o filme na tv], mais palavras como semânticas avançadas me fugiam de mãos. E tudo não passava de imaginação de conhecer o outro lado como eu mesmo não o sabia de mim. E podiam voltar enxurradas de letras depois de aberta a represa de luz que continuava ali despertando a emoção de não se saber ignorantemente exdrúxulo. Moraria na filosofia dela ou dele, lamberia a própria emoção transitória, salvaria com respiração boca-a-boca o tom robusto dos argumentos proferidos. Meio confuso, suspirou para si mesmo várias vezes sem ter microfones para ampliar a voz, tinha também que saber do tempo e isso era limite. Sempre fica no final das contas como aquele insaciável pela conversa como se para se sentir pertencente ao mundo alheio. E então não tem mais limites. Nem queimar por dentro, nem pertubar o sono. Também estava disposto a parar de ouvir o que viria pela frente - eles que disseram tanto num dia grande, um dia cinzento - e as referências que ficassem em seu devido lugar do pensamento. Tentativas de continuar livre, interrompido e cinético. A vivacidade e o estar complexo nunca foram assim suas grandes fortalezas. E, pra finalizar tudo, não sabia se entendia muito bem o que lhe falara, pois, para ser sincero, não sabe de nada sem modéstia nenhuma. Graças a Deus.

ilustração: meu lugar de imagem

20 de abril de 2009

Mistério de quem tentou pensar sem palavra.

Anuciava o começo, concordo - acho que não mais do que sinceras promessas há de puritanismo cartesiano. Corta-se os laços e derrama sentido no que não se escapa! Corte! há a liberdade e sim todo o positivismo. Tem um momento, pensou ele, que nada se começa com um ponto... tudo vem de antes e há até um espaço para se pensar e aí rosnou paciência sem pensar em como o leria outros [e se os leriam outros, imaginava]. Esperava por ninguém, essa era a sua grande missão e se completa a serventia nesse processo tinha passado de inteligência a fio para intolerância irônica. Resultado, ia perdendo os amigos ao longo do caminho, já que queria exercitar a simplicidade.

- Calma aí, indagou,
tudo o que se produz de sensibilidade vai parar onde? Estava acostumado a tentar usar menos o "não" no pensamento, mesmo sem saber se ia dar certo. Para se socializar, não administrava idéias complexas, absurdos imaginativos e assim por conseguinte, teria o entendimento alheio como produto de vida. Massa, já sabia do que não queria e ousou gritar que não era mais o mesmo nesse exato instante. Ainda queria ser mais simples, chamar para perto Antônia da livraria e até fazer poesia para Zé.

"O que tomaram não era seu, José,
que de ninguém nada se tira"*,

mas isso de exercitar a poesia do cotidiano era pra quem já tinha evoluído. E ele mal sabia administrar seus desejos, podendo até ser convocado ao réu de superficialidade. Era mais gráfico que cantante
[tossiu duas vezes para exercitar o coração, beats de silência alterado em compassos e só asism musical se podia tornar, como tambores do Olodum ritmados no qual mais se prestava atenção nas cores do som. E estava unido ao som do timbau.] e assim era mais insinuante, mesmo que fingisse sabedoria excessiva. Tinham outros que viera nessa vida para ser e ele tava na vontade ainda de querer ser...
[...] emancipara o pensamento. Leitura de outros contos que não sordidos e mais profundo que a própria palavra de leitura.

Nunca tinha sido mais feliz sozinho e, no futuro, pensava em viajar para entender isso ainda melhor. Até convites foram feitos. Viajar é escrever junto com palavra de cor, sonhando-se pintores de mapas letrados.

* Trecho do poema An-dar de Raíça Bomfim
* Ilustração: Igor Souza

- ouvindo Olha o Menino de Caetano e lendo Aprendizagem ou o livro dos prazeres de Clarice
- para Raíça, pela saudade.

11 de abril de 2009

Eu que não sou artista, imagino...



Ele não sabia muito bem da arte do traço. Apostou na sua sensibilidade para tentar criar. Isso por que não tinha uma causa para que o fizesse e assim tornaria sua propensão criativa um pouco mais sincera. Algo que não envolvesse uma lógica perniciosa ou carregada de um sentimentalismo que operasse na vontade do belo. Tudo o que queria era fazer existir a partir de pensamentos simbólicos e liberdade nas mãos. O que teria como consequência, pensava que não queria muito saber, mas tinha aí uma concreta realidade criada, ou seja, um desafio de se fazer criador. Então não se tinha muitas alegrias, mas também nem muita dor. Apenas uma concentração fatidica, como a paixão sugere. Percebeu aí que o ato de criar se ligaria (re-ligare) ao que se chama "desejo", a volúpia ardente da vida.

O papel em branco, metáfora bem desgastada, não lhe dava nenhum medo. Muito pelo contrário, lhe ensinava a operar, como num ato cirúrgico. Tinha tranquilidade em pensar o espaço e os passos que daria pra desenvolver o que se queria alí nquele ambiente. Rasgou de ponta a ponta aquele lugar com a grafite do lápis fino até dar o tom da estrutura, a base. Argumentou antes a idéia pra si mesmo antes de escolher cores e tinta.

Esboçou algum desenho, ficou lá sentado a produzir e não se arrependeria de nada até o final. Talvez de algum traço mal feito ou inacabado, mas mesmo esse fazia sentido. Como se em algum momento relutasse por pensar não em palavras, mas em sensação de cores em desordem, manipulou seu objeto final sem saber se tinha realmente chegado no fim.

Pensando melhor, não podia se chegar a nenhum final alí. Não teria sentindo se aquele trabalho se reduzisse a contemplação única daquele criativo que compôs. Lembrou dos grupos de Jazz livre que da improvisação faz uma obra sem necessariamente prever o fim, não que ele não seja importante, mas é que o fim não seria a obra. E concordou.

Esperou um tempo para secar, fumou um cigarro na varanda depois que tomou um banho e se preparava pra pagar as contas quando o telefone tocou. Conversou com ela durante um tempo, falou que estava conhecendo uma galera nova que queria que ela conhecesse. Uns músicos diferentes, tinha também uma galera meio pop que conseguia falar da política administrada pelo governo de centro da europa ocidental. Na verdade ficou querendo um convite, não veio. Daí aproveitou pra falar de sua composição e que quando tivesse tempo e desvio de solidão acompanharia numa cervea num bar novo que tinha aberto perto do centro da cidade. Saiu de casa com as contas e depois do banco foi pro cinema descobrir que ainda faltavam coisas a serem criadas. Ficou com vontade de voltar pra casa e assim o fez, andando. Acabara de se apaixonar de novo pela vontade de criar.