25 de setembro de 2012

Cama de gato [ou Dois!]


Foi um contratempo, um semblante desengonçado, um ligeiro e súbito instante de horas a fio. E então tranquei a porta com cuidado, arrumei o leito viril para voce deitar. Por teus destemperos e suas aflições, e por dentro deles mesmo, nos lambuzamos de malícia. Sua astucia não me incomodava, nem sua filantropia desmembrada de sentido. Acontece que tinha ali o agridoce desejo de ser eternamente o mesmo lugar de emoção. Dois!

Dai, a delicadeza agressiva toma conta e ambienta o calor que vinha de dentro, mesmo rangendo os ventos da cortina. Subestimado pelo tamanho desafio apropriou-se até mesmo das estranhas formas de estar. Sem calculo algum de massa, de estrutura. Logrou-se então vencedor em nenhuma competição, apenas do desejo saliente.

E fomos assimétricos que estávamos aos poucos nos desfazendo em suspiros ou sussurros (até mesmo no intercalar dos dois) abstraindo o vento que rangia a janela. Esquecíamos até a elocubração a despeito de haver amor nesses poros abertos ou se o instinto atuou ali naquele instante.

Foi quando adentrou o âmago sem pestanejar, pedindo que a carne voraz destroçasse menos a inquietude, pois, afinal, não acreditamos no pecado e desalojamos a culpa dos nossos peitos nus. Sobrepôs corpo a corpo, fluido a fluido, como se desistisse do ápice para que ficássemos assim, um e outro, dentro.

Inspirou o uivo externo e ficou ali, quietinho pra olhar sem vergonha nos meus olhos. Dormir não nos interessa, pensou. E aquela imagem tinha permanecido outrora desde a noite de ontem. Nem lembro mais se havia deitado outros por ali e de manha cedinho, aliança em punho e a espera por mais uma noite onde habite mais que um. Dois!

6 de setembro de 2012

poema do desapego (sem sentido)















E então os dois eram apenas um em vácuo
era uma única esperança
um único verso 
uma única solidão temperada de desassossego
era a sorte vazia
a intensidade camuflada
era a noite sem sentido

E então não havia conexão em duo
pois 1 + 1 não podia se somar
havia um parêntesis alocando o outro
se sobrasse, talvez teria uma antítese
equação sem sentido

E então tinha o medo
a vergonha do outro
o saber-se só sem estar tão só
sem coragem de dizer o não
sem memória de dizer da ilusão
e para a tristeza
sobra a criatura sem sentido

E então mais uma vez
titubeia em lampejos de vontade
e lembra que não há eco
não há reflexo possível
(talvez uma refração de leve)
para por limite ao encontro
para sonhar o impossível de casal
dormir pra esquecer
que mais uma vez escorrega 
na irrequieta e sintomática
criação de uma paixão sem sentido

Ilustração: Vânia Medeiros

20 de agosto de 2012

Fabulosas Iscas do Futuro #2012

Audaciosa. Nem esse adjetivo pode aferir tamanha arrogância e alguns até dirão prepotência por parte daquela pessoa. Dito isso, podemos seguir em frente com sua descrição. Ela era impositora de um elevado desbunde não pela proeza no andar, no passear tacitamente pelos lugares de pedra cotidianos; também não se pode dizer apenas que sua astucia se daria pela proeminência de sua rigorosa predisposição para a crítica do que lhe era desproporcional no mais comum; ela detinha a vigorosa propulsão do poder, invejada por praticamente todos, por que tinha um RABO!

É isso mesmo. Ela tinha um RABO, uma cauda, uma extensão de si mesmo, ou o que queira chamar aquele filete descomunal que que se desenrolava de tuas ancas. Olhando bem, com aquela enorme cauda, difícil era identificar como ela, já que um homem evoluído sempre quisera ter um RABO pra se distinguir dos demais. E isso desde sempre. Não era rainha quem usava um enorme tecido para atronar um império, era ele. O que confunde é que até hoje, ela usa cauda pra ser distintas das solteiras, geralmente, na hora de tornar-se esposa.

Porém, voltemos ao que é principal. Ele tinha um RABO. E era tão escandaloso que os olhares eram atentos passo a passo que dava. O principal a dizer era que a cauda era mais um membro do seu corpo e isso lhe dava poderes para controlar seus movimentos em conjunto com os demais membros que tinha. Então, ao andar, o RABO passeava insolente pelos caminhos por ela desfilado. E com maestria repousava quando de sua parada. 

Ferramente de ousadia e beleza, o RABO o servia como uma espécie de captador de olhares atentos. Mais de desejo do que de curiosidade. E assim era pela rua, quando a pessoa que o tinha conseguia quebrar obstáculos com a força de uma cauda nobre e certeira. Ah! ter uma cauda era encantador. Objeto de ternura e de estranheza ao mesmo tempo. Pari passo, devastador. Não haveria uma outra criatura com tal poder senão esta que desfilava em praça pública um RABO. Cooptava até os corações mais fanáticos pela desfalecência das hierarquias, já que também estes gostariam de tal façanha.

E o que era a cauda, vista do ângulo solene da destemperança? Era o RABO, uma esperança de um apuro da revisita do ser humano à cordialidade intensa. E então, continuava aquele ente a rodar mundo com sua magnitude cabalística. Um homem em uma mulher e seu RABO.

para Vânia Medeiros

Ilustração: Vânia Medeiros*

 *assim que ela o fizer

14 de maio de 2012

Linhas e Pontos



Duas linhas não substituem o ponto, pensou constantemente entre tremores e desejos.

E era assim que estava, saliente dos vícios, cumprindo os prazos de todas as inconstantes vontades. Não se continha, cuspia no prato que nunca o deram para comer bem. Rasgou o leque em desterro, desafio, territórios de agonias impagáveis. Era um incompreendido, pensou os outros que não conseguia entender suas incoerências.

Era uma ave, com traços incontáveis e coloridos. Era uma mulher, com volúpia, com silhuetas nas janelas, com arte de fenda entre as pernas. Era ele quem assolava a vagareza das decisões alheias, era um touro charmoso, sem cabelos, com astúcia e uma cor de pele brilhante, saltando aos olhos.

Dois pontos constroem uma linha, bravejou sem identidade.

Deixou-se fotografar na tela, pintas eram vistas, um certo volume entre as pernas. Sem rigidez e com malemolência, ria de sua falta de paciência com o outro. Não o tinha em desejo, tinha em fraternidade, mas gostava de ser bajulado pelo traquejo, pela ilusão.

Gozou de si mesmo, insensível que estava, desligou-se da câmera que o acariciava como um símbolo de que não há conexão, não há apropriação do corpo alheio, nem em imaginação. Ele se bastava, era ela naquele momento de tão feroz. Era ele naquele sorriso tímido. Era o outro que o tinha em carícias, era a outra (o outro) que perdia sua dignidade pelo tempo em  constância.

Dois pontos e duas curvas irão se encontrar, bocejou insensato...

Foto: Caio Barbo

12 de abril de 2012

Ele, o peixe!

Andava pelas ruas em ritmo descompassado e sem sentido único. Disperso, exibia dentes cerrados, afiados na direção do seu desejo agressivo de produzir, nem que fosse sonho. Animava as sensações com o jeito de peixe, escamado de traços em contrastes de preto e branco. Quadros, retângulos disformes, cores preenchidos em tons opacos. Peixe-monstro, sem ruídos e com segredos.

Voava por um céu colado por pedaços e recortes de revistas, saturados e com marcações de símbolos sem significado original. Ainda continuava a dormir em chita fina de algodão, com fiapos desordenados. Seus olhos eram duas bolas pretas com um rabisco branco desenhado para olhar com vontade.

Não era nenhuma sereia, pois não tinha metade humana, apesar de aquele peixe voador ser um homem incompreendido, rouco de salivar por outros homens e mulheres, todos tão belos que sempre o ignoravam. Nem medo ele produzia em outrem, aberrações já não mais eram novidades em épocas de normatividades descartáveis, sugeriu ele para aliviar sua tristeza.

Peixe pensante, homem escamoso, tanto fazia! Mais importava entender razões em sentidos e desejos inconfessáveis dentro daquela pele e respirando por guelras. Naquela cidade aquário, era possível que fosse mais do que imaginação.

Ilustração: Vânia Medeiros

25 de março de 2012

Dos vícios e outros caminhos...



E andou mais alguns minutos de espaço certo que curado de desatenção, certo de que experiente em desilusão, escolheria tal caminho de não olhar as paisagens mesmo rasgadas. Vultos expressionistas que sempre o encantara. Mesmo concordando da não existência de antídoto, decidiu continuar, inclusive por não ter coragem alguma de desistir. Estava mais forte, tinha trabalho a realizar, cortar as arestas, preparar os pés, embelezar o caminho com as pegadas sincronizadas moldando o chão de terra.

Era mentira. Era uma verdade tão incólume que parecia real. Tão ilógico. Então, encantado com uma nova visão, querendo deixar a estrada solitária, embarcou na corrente sombria e iluminada ao mesmo tempo. Em princípio a esperança o inspirava visão de cores atraentes. 

Mas era simples olhar pra trás e perceber que construíra um falso trajeto, daqueles que só existe em imaginação.

A paisagem continuava lá, inalcançável, pelo menos pra ele, identificado por ele mesmo como um tal sem possibilidade de rumar outras vias. E sim, sedimentado em razão, sabia que tinha que sublimar o amor como paisagem, era algo a se fazer a duo e ele não conseguia ser mais do que um só. 

Perdia o fatalismo para encontrar os velhos trabalhos naquela antiga estrada que pelo menos o fazia caminhar em alguma direção. Mais arestas pra cortar, mais respeito aos pés, mais caminho pra embelezar por si.

21 de março de 2012

O pintor destraído



"Me perdi mais uma vez, mesmo tendo a bússola apontada para o caminho. Insatisfeito por andar sempre só, me entranhei naquela selva árida onde o horizonte turvo mais me parecia estradas reluzentes. E caminhei insensato, inadvertido. Me feriu o tempo, me humilhei pela falta exacerbada, pelo exagero, pelo drama. Infortunado, que sou, tinha que entender que era mais um passo em falso, mais uma armadilha própria. Queimei as folhas em volta por ciúme do tom de verde ruborizante, deixei me furar pelo espinho daquela flor pra sentir o sangue derramando. Barroco, intransigente com as criatividades, míope estava de uma desavença endógena. Me perdi e não sei aonde foi que larguei a sensatez, a coerência. Pois sabia da minha perda e dos motivos. Não sei como voltar e como criança tenho mesmo que chorar de desesperança, orvalhando o drama cartesiano pelos poros destraçalhados. Um ritmo brega, rasgado, uma balada sem cerimônia*, um descontentamento. E eis que assim estou. E construo essa arte piegas, arvorada em desejos imagéticos de me convencer do contrário. Estou no caminho certo da perdição, queria eu", trecho extraído da carta de intenções do grande pintor barroco** do século XXI, que se esconde em fantasias baratas e palavreados inconstantes. 

Autor desconhecido.
**sem prejuízos ao barroco como escola artística.

19 de março de 2012

Choras?





- Você saberia a tal resposta? - Perguntou alguém (inter)ferindo (em) seu pensamento
- Não, seria desgastante demais deixar as perguntas. - Respondeu achando que enganava a si próprio
- Pois então se deixe questionar. A primeira das dúvidas vai: "é fácil cair de amores, de pensamentos e vontades de outrem e continuar sozinho?"
- Não me farás vulnerável com essa piadinha tortuosa, meu caro. Sei inclusive quais as vicissitudes de seus argumentos falhos. Não obstante, continuo afirmando preferir as dúvidas.
- E por que choras então?
(...)


Não se ajudou por um momento. Mais agendamentos de cordialidades, mais indelicadezas com seu reflexo. Caminharam até a porta e desligaram a luz.  Vai um ouvir as sonoridades descompassadas e vai outro tentar achar uma brecha no barulho. Enfim, concentrado em arranjar perguntas mais evasivas, prefere a arte. 


Em tempo, enviou uma daquelas mensagens sem sentido para depois receber carinho em troca. Queria inverter a ordem, mas não tinha amor pra esperar, só as dúvidas que certamente estavas a cultivar.


- Perguntarei o quanto for preciso. Quero meu passo de dúvidas, quero a liberdade em teus braços.
- Obrigado, respondeu sem pensar.


E se entregaram ao sono, ele e seus pensamentos.


Foto: Paulo Lima

O outro em semitom



Andou alguns metros depois que fechara a porta sem solenidades, sem delicadezas. Tinha encontrado uma esquina, dessas onde o romantismo passa longe. Esquina suja de passadas largas, originalmente feita para encontros desavisados, já que o que vai não poderá saber, com visão, quem vem. Era o lugar certo de sentar-se e acolher os desapontos. Mastigar as enfermidades da alma. Ou simplesmente estar para pensar se ir ou esperar que alguém venha. Voltar não. Imaginou uma folha em branco para rabiscos e palavreou em sua mente alguns destinos torpes. O desafio estava posto: aguçar a insanidade para conseguir respostas pacificadoras.

Aquele exato ponto era o voadouro. Voadouro não é palavra inventada, mesmo que não exista. Vem da língua imaginária qualquer, que alguém já adivinhou antes: lugar de saltar para as nuvens de sensações. As podadas asas de todas as pessoas, forçavam nele passos incompreendidos entre o solo e a cruzada pelos ares. Cadeiras, pássaros, moleques desinibidos. Coisas que não o deixavam fixar cerimônias, alongar perenes satisfações.

Para modificar o pensamento da ancoragem, decidiu continuar a andança. Passou por cores vibrantes reluzentes do sol sem aguçar o olhar para enquadramentos, ouvia pouco os barulhos do pensamento para não se indispor consigo mesmo.

E migrou os tópicos de tempo. Faltava similares para arredondar as anormalidades. Faltava afeto, também. Magro que era, passava com afã pelas azeitadas sensações de indiferenças que tanto procurava. E a sua individualidade era tão gritante que mais parecia uma solidão desesperada, um tal vazio de si que regurgitava, como refluxo. Obcecado pela estrada, lembrou que não tinha como ir e precisou voltar. Estava atrasado, pensava, estava sonhador sem dormir direito.

Ele não era tão velho, era envelhecido pelo discurso, pela hipérbole. 

17 de março de 2012

Das flores nas luzes



Apontada a flecha naquela direção e lâmpadas se acenderam
Correu na mata verde a luz 
No emaranhado de um fundo tal azul
Como as rosas das roseiras mais reluzentes
Abrupta, tal como delicada.

Ora, não me parecem singelas
Mas assusta
Susto de constrangimento

De um olhar sensível
Aponta um relampejo de focos
Antecipando o grito
Anunciando a vida
Amputando o horizonte pelo primeiro plano

E conquistou meu nada aguçado olhar
Singelo, talvez
Pela cor daquele jardim no quadro.

14 de março de 2012

Carta a um futuro amor



Caro, boa noite!


Esta carta está datada por isso mesmo, porque me apareces à noite com um ar de cansaço do dia. Aparece calmo e sem cerimônias para acalmar os ânimos de um abrupto e acelerado pensamento de adivinhação. Tudo parece uma aberração de tão severo, gritante, mas nada seria mais torturante para um olhar ingênuo do que rumores de um amor a porvir. Então, apareces em palavras como poesia concreta, reta, sem muitas acentuações e os pontos pingados de desenho no papel de luz.

Aproveitando a porta aberta, não lhe pedi licença de propósito. Quero que meu amor guardado em parcimônia na espera de outrem seja digno de ser seu em compasso. Rastro decifrável de emoção quando você rir dessa parte da carta com o pensamento: "que loucura tanta vontade". Eu também estou rindo aqui, para dizer que não há intenção do autor. 

Isso mesmo, não há vontade de que sejam recíprocas essas palavras, há vontade de emoção. Mas sei que nem isso se pode desejar. Qualquer que seja o susto, está valendo. 

Argumentei dois ou três coisas sobre o cotidiano para chamar atenção, naquela intenção avassaladora de que a reação fossem signos de cuidado. Aquele prazer do mistério das palavras, aquele talvez ouvir o que ensaiou como resposta na frente do espelho. E riu mais uma vez de tal inconveniência. Ah! Nem está parecendo uma carta de amor com tantos desconfortos, mas não poderia ser de outra forma se não a tocar na obscuridade do desejo alheio para você mesmo.

É por isso que as ideias continuarão entrecortadas por parágrafos tortos. Até porque a carta de amor não vai servir para amor nenhum. Ao contrário, deve servir para o tempo dizer que quando éramos jovens tínhamos uma mania antiga de escrever palavras para convocar nossas vontades de estar junto para mais perto. Um querer aliviado, até mesmo inconfessável, de você e eu. 

E então, muito boa noite, meu caro. Meu caro tempo. Que me ame no futuro, como a você, homem!

Foto: Tiago Lima

2 de março de 2012

Segunda Pele*



Invadiu-me a alma tantinho assim com presteza e sensatez. Nenhuma coerência até então, só desbunde de uma beleza estonteante. Me sambou, com esse verbo que relativiza a condição de ser íntegro, racional. Transportou-me para a leveza imprevisível. Ela, travestida em cores que vibram e se locomovem tão repentina quanto vertiginosamente. 


"solta, vestida de lua na nuvem
dança como se dançasse pra ninguém,
ou só pra mim
ainda bem"**


Tinha exalado tal perfume que envolve e enebria. Cai do céu correntes fortes, novelos de lã em nó cego, rígido e coeso. Brilhantes, salientes, carentes de uma luz possível de tanta paz na guerra de sortes. ora, estava lá a balbuciar cânticos que nada servia, a não ser pra acompanhar seus passos firmes e sutis naquele tablado. Ela me guiava com parcimônia e energia vibrante, tão doce, tão reluzente.


"Ele não é dado pra ciúme,
mas encabulado assume que prefere até que eu não vá.
Digo que meu jogo se resume a um rastro de perfume
que eu deixo nos ares de lá"***


Dançou para minha solidão, como se a recusasse. me tocou em um lugar de segredos com aquele suave voz. Potente, similar a um toque sutil na nuca deslizando para o pescoço e desembocando no coração. Esse amaciado até o momento da instabilidade de sensações. poltrona vazia do lado gritava, mas ela parecia balbuciar no meu ouvido "Você não poderia surgir agora" e eu chorei.


"Eu tava aqui pensando em tudo mais menos você
e achei tão engraçado ter prestado atenção
na sua distraída intenção de me entender
como se já soubesse a chave da minha prisão"****


Daí fui ficar pertinho do seu sapateado, ver trocar uma pele por uma saia rodada de cor. Rodopiou, sorriu na minha frente e esbravejou um samba seguro, um frevo dobrado, curvando-se no final.


"Deixa o mar ferver
deixa o sol despencar
deixa o coração bater, se despedaçar
chora depois, mas agora deixa sangrar"*****


E eu entendi que tinha que deixar sangrar, amado como uma segunda pele.


Uma homenagem a Roberta Sá!


*Nome do álbum e do show da cantora Roberta Sá
**Trecho da música Pavilhão de Espelhos
***Trecho da música O Nego e Eu
****Trecho da música Você não poderia surgir agora
*****Trecho da música Deixa Sangrar

22 de fevereiro de 2012

Carnivália VII


Lá segue a multidão pela coragem que lhe invade o peito. Lá vai a fé! Correndo pelos espaços ermos, pelos becos e ladeiras, pelas liberdades com cor. E foram todos diversos, saltitantes em um salão aberto, verdadeiro, sem eira nem beira, sem amarras. E lá foi com o carinho que lhe é primordial, mas com a vontade de passar saliente, desapegado de âncoras, inebriados. E nós estávamos alí, correndo o perigo de misturar os corpos pulsantes com tantos outros. Vulneráveis a uma tal felicidade instantânea que nada tinha de vazio, ao contrário, do que tinha de efêmero tinha de intenso e absorto. 

De especial tinha aquela magia do som naquele grotesco e brilhante carro que move o asfalto e a vida latente. Ah, esse caminhão e sua potência mobilizadora, inspira tantos movimentos aleatórios e que fazem sentido, alimenta uma tal fantasia até com passos combinados, mas tranquilamente sem roteiros.

E então circulou uma paixão exacerbada pelas veias todas... como utopia coletiva que movia os joelhos de formas tantas, estranho mesmo, acariciados todos/todas por uma emoção admitida, acelerada, com gosto de roda, com a sensação dos olhares trocados e até com aquela saudade e vontade de estar junto mesmo separado. Chame gente do amor e do desejo que nos une em júbilo.

Nessa grande panela do prazer, somos todos pipocas do desejo. Mesmo aqueles sui generis entre cordas retumbantes ou enaltecidos pela exclusividade de ser/estar. Mesmo estes que nunca sentiram a energia da relação entre pares desconhecidos, há que se ter a carne na festa de um e tantos outros. Mesmo indignados, alertando por vaias, ressaca do medo, protestos e manifestações de carinho pela cidade!

E sufoca o peito uma emoção lisérgica, ao pé do poeta, com a poesia dele, com a guitarra  eletrizada, em um encontro futurista do passado. Eles lá e nós nas lágrimas derramadas sob a mamãe sacode nos braços. Foi um absurdo de energia e imagem memorável! E teve mais, teve a brincadeira com os olhos, a malemolência dos corpos, a beleza do tapete branco, a fobica acolhedora, o tato e o paladar, liberdade e libertinagem juntas, o respeito e o calor! Teve um arrastão de alegria sob o céu azul de uma cidade mar, com uma carícia e um olhar que essa terra nos dá e essa cultura nos empresta com magia e cor. Agora, "imagina só que loucura essa mistura"*. 

E então, carnaval há de chegar para continuar com a vontade de povo!



*Trecho da música "Chame Gente" de Moraes Moreira e Armandinho

Pela linda festa de momo, pelos desejos de caretas e paixões! para Carlinhos Brown pelo andar com a gente. Armandinho e seus irmãos pelo pau elétrico dos sonhos. Para Gilberto Gil todo meu amor. Saulo e a Banda Eva com Moraes e Caldas. Para o reencontro com a beleza saltitante do amor canceriano de Aline. Para o cuidado e carinho de Lipe, Vini, Léo Aguiar, Mile, Mariana, Zédi, André e Franklin. Pedro e Richardson pela epifania juntos. Para @s lind@s Álvaro, Valter Tonhá, Munira, Clarissa, Dan Caribé, Ana Camila, Dedeco, Xotoko, Rick, Mino, Vitinho, Raoni, Lucas, Vinicius, Léo, Déia Franco, Melina, Digo, Nilton Correia, Gabriel Braga Nunes e Bianca, povo da Lhama e tantos outros dos encontros pelo caminho. Pelas belezas reveladas, pelos belos recomeços e pelos fluidos de trocas de energia e amor.

8 de fevereiro de 2012

Um e Outro



Era quase um por-do-sol alí na frente. Quase uma luz se despedindo do ambiente, tonalizando um céu sem igual, cores misturadas em texturas de nuvens deformadas ao léu. Ao mesmo tempo ele estava ali a catar as pedras mais próximas para que não revogassem o brilho do seu olhar. Sem tamanho definido, as pedras rolavam entre os dedos distraindo os pensamentos mais densos, mas não as lembranças. Se irrita com as pedras que não cabem nas mãos e esquece que procurara aquela solidão como refugio curador. E a solidão ia curar como as pedras também o faria. Mas tanto as pedras caíram como em passos finos e contentes sem demora, ele (o outro) chegou perto, passou braço no braço dele que apertou os olhos bem devagar.

Ele (o outro) - Um açoite esse lugar, hein? Não me contento com explicações razoáveis. E você aqui sozinho.

Ele (um) - Quero entender as razões de uma composição tão ambígua do espaço. Há uma beleza aqui se mostrando, tenho certeza.

Ele (o outro) - Acho que consigo te entender, esse caminho do pensamento me faz sentido.

Ele (um) apenas ri.

Ele (o outro) - Porém, a prática invade os desejos né? Há que se fazer coisas, recrudescer os pensamentos torpes, motivar as vontades alheias.

Ele (um) - E eu que sou um procrastinador convicto, não devo me encaixar. Deves me achar um tolo por isso. Um sentimental com ausência da principal virtude de um homem...

Ele (o outro) interrompe e pergunta - Qual?

Ele (um) - A de ser reto, sem meias palavras, sem meios desejos, sem dengos ilegítimos.

Ele (o outro) - Ah! sim, certo!

Ele (um) apenas ri. Pensa um pouco que está falando demais, mas não consegue interromper o pensamento. - E até você o sendo me comove, impacta minha visão, me distrai de mim. 

Ele (o outro) - Me sentiria culpado?

Ele (um) - Óbvio que não! Senta aí, pega umas pedrinhas pra me ajudar a ficar só, consegue? Me mantenha aquecido pela aparente politização do seu olhar a mim. Minha tristeza é por não conseguir ser outro a não ser esse que te pede colo.

Ele (o outro) - Mas então não te entenderia. Posso pestanejar alguns códigos comuns. Te exponho diversas limitações, minhas amarras com quem não deve saber dos meus desejos, minha não vontade de acolher seu carinho, tantos outros corações que parecem reluzir com mais verdade que o seu.

Ele (um) pausa, calado.

Ele (o outro) pausa, irrequieto. Não acha compreensível o motivo desse texto estar se desenvolvendo.

Ele (um) se permite a pensar irrelevantes argumentos para ser sozinho e não retruca, apenas agradece - E então era o que eu precisava ouvir. Um peso melhor saber se há vazio justificável. Acho que é isso que posso chamar de paixão, mesmo que sublima em mim.

Ele (o outro) sorri.

Ele (um) - Já vai?

Ele (o outro) - Vou! A gente se vê.

Já era noite, passava então as imagens de cores para um negrume cintilante. Não tinha mais pedras. Se levantou e não tinha ninguém esperando. Mas continuou, e ouviu:


"Eu tava aqui na minha e você foi aparecer
Derramando estrelas sobre a minha solidão
Eu sei, eu não queria nem de longe conhecer
Alguém pra iludir de novo o meu coração"*

*Trecho da música "Você não poderia surgir agora", cantada por Roberta Sá

Ilustração: Caio Fernandes

Semi-analfabeto de mim



Tudo misturado, tinta, fósforo, lâmpadas, verdades. E todos os símbolos se desmancharam para deleite alheio, tudo em desorganização, tudo bonito e prático. Acuados os tomates, as hélices e as fotografias deslizam pela categoria de "não-objetos" e se materializam nos sonhos como signos qualquer de non-sense.


Ah, a liberdade que se move feito planta. Foi ela quem embaralhou as cartas pelos campos afora. Ela, a única que não se consegue esguia de vontade e se curva diante do mesmo desejo, do mesmo prazer. E nada se passa sem razão, mas com coragem.

E era tudo incólume de passivos negócios, coisas de valor em ligação. Sorvete, manteiga e sim, a cadeira rolaram pelas imensidões de olhares em questionamento. Pacificou a reação alheia diante dos indiferentes corpos e tudo ficou com a sincera mobilidade de sobriedade e teimosia. 

Quanto a mim, não sei interpretar direito o que eu quero dizer e então tenho meia visão.

31 de janeiro de 2012

Pra estarmos juntos [Ou o casal da sala escura]


Fomos envolvidos por um desejo súbito, a vontade de entrar naquela tela imponente. Aquele milagre nos envolvia, nos interpretava, sem querer. A película dos nossos olhos juntos tinha, enfim, alguma coisa em comum. Como ao respirar um ar com um fio de luz que se transforma na grande fábula, da vida em duo, da companhia na poltrona. E sim, estamos conectados.


Ele preferia um suspense, gostou daquele que tomava uns sustos de aflição e desconfiança. E gostava, me alertava para os takes de suas vontades no entremeio. Eu preferi o drama, a arguição da personalidade complexa da história. E na emoção do plano sensível apertou minha mão como se agendasse nosso lugar de desafio. E estamos solícitos, juntos alí.

E o carinho passa por gostar da moça de cachos dourados, de fazer lista dos amores em comum, procurar a trilha sonora das caminhadas sem som, a pipoca compartilhada da liberdade, encostar sua cabeça no meu peito pra ficar mais confortável.

E estamos alí, pulando os traillers, um a um, até chegar no olho (no olho), na fotografia indispensável, no clímax. E estamos enlaçados pelo rolo de fita que nos coloca em movimento, selados com o beijo final. Ou de continuação...

para ele

30 de janeiro de 2012

O ganhador

Lavrou-se campeão de insinuações e provocações de desejo. Comemorava. Sua imensa vitória como mais um troféu. Regojizava, sem pestanejar. Ora, mais um espaço de euforia conquistado. Mais alguém tinha se encantado com aquele ar de deslumbrante carisma e propriedade. Ele se lançou na alcunha "metarreal" de conjunto dos que assim lutam bravamente por um lugar ao sol, ou num planeta desses qualquer que pouco se ilumina pela luz solar. 

Tratou de esquecer a desgraça alheia e a maltratar os caminhos tórridos da conquista amalgamada. Insensível não poderia ser. Tanta coisa a se sentir nesse impropério absoluto que é a desilusão dos outros. "Não te prometi nada", costumava gritar em bom tom e de fato assim não o tinha feito.

Mais uma tarde passeando para distribuir o sentimento latente de desesperança e mais um tolo caminhava sem tato, sem usura, pelo lugar colocado como tempo. E vai a longos passos o encontrar, deixar solta a imaginação, comprometer desejos fílmicos e se duvidar até agendas inteiras. Fraternalmente, disse que não, ao soltar a imensa gargalhada (que ele não esboçava, mas que o outro de tanta certeza conseguia ouvir). 

Agora, dava para contar piadinhas de amor a outrem. E que estivesse visto, para todo mundo ver, o rombo que o deixara na liberdade de sentir. Espizinhando, sem saber (e aqui sem hipocrisias simbólicas), no deleite do tal iludido. O deselegante não conseguiu compreender seu ego e aí é que estava a vitória. Ele ganhou por não se apaixonar por qualquer um, mas que qualquer um já o tivesse no coração.

Então diz que vai embora de forma ríspida para não prolongar a conversa. Diz até que estava pensando no outro, ou que está agradecido pelos elogios. No final, deixa o outro de pé, em algum canto desse lugar inóspito para que veja seu lugar de interesse desabado. Ganhou! E agora vai ser feliz, com tantos outros que te interessa mais. Solta um beijo com dizeres próprios e o outro chora no teclado da emoção. Se puder, vai sonhar com o amanhã e descobrir outro alguém que vai ganhar de novo por que ele não sabe jogar.

24 de janeiro de 2012

caminhada pela estrada da solitude


... Foi quando ele disse: "um dia você pode até merecer" e estava tudo obscuro. Inacessível era talvez a palavra que conseguisse explicar. A facilmente abalável estrutura daquele que fingia auto-estima, desaguou num mar absolutamente poluído de desaventuras.

O que ele queria falar era óbvio. Por você não há o ter desejo, há no máximo a desavença, o desenlace, a não simpatia. Nem reto, nem delicado, não está no meio de nenhum e assim não comporta nem solidariedade no seu traço. Enquanto se acha literalmente interessante, a resposta única que se pode te dar é a invisibilidade.

"Você não entendeu? virei o rosto quando você passou, pela ojeriza que me dá do pensamento de encarar seu rosto, há algum de impuro nessa sua alma vã e para além disso, nem beleza pode assumir como endêmica, endógena ou não", disse categoricamente, o outro amancebado do seu desejo oportuno.

Perguntou para si o motivo de continuar a estrada sem desafio, mas preferiu ocupar a mente. Dormiu tarde, para acordar cedo e, se possível, não pensar debaixo desse sol. E o verão, para ele, foi firme: "ileso não passarás, entenderá de uma vez por todas que o outro não tem lugar para um tal que é você".

22 de janeiro de 2012

(des) Oriente à Solidão


Arriscou convocar meias palavras de contexto, contar meias mentiras, ler meios pensamentos e ainda assim parecia desconfortável. Inquieto, inseguro. Comentou três ou quatro firulas a mais como em um sonho desconcertante. Fantasia lisonjeira, efêmera, caricata. E ainda sim, sorrateira e devastadora, a interação não aleijou os pensamentos dele, conferiu um por um.

Dois vícios de linguagem - aliás, a linguagem em si estava exaurida, amontoada de possibilidades, de significados torpes, de consideráveis abusos dialéticos - o eufemismo exacerbado e o uso de interjeições para a um diálogo simples.

Irreversível, tinha que continuar sua epopéia desvairada: o outro!

- Isso não pode ser paixão, pensou pestanejando! Qualquer coisa de absurdo estava no porvir e ele não tem potencial para lavrar-se reflexivo de utopias. Então, que assine a discórdia de desejos e que a dor desoriente a solidão.

19 de janeiro de 2012

Lugar comum


E quando passava por um muro no caminho, desses mal feitos, sem planejar, olhou atentamente o que aquela construção inacabada queria lhe dizer e disse: NADA! Não satisfeito queria mais filosofias nas lições medíocres cotidianas - nem era moralização do seu caminho, ao contrário, estava se obrigando a não passar incólume pelos espaços, mas isso era outra história.

Era um tal de não se satisfazer com a graça do homem contemporâneo, de azucrinar sua consciência sobre a incompetente missão de estar menos virtualizado nas relações, alugar seu corpo para suas cobiças de infortúnios gratuitos nos ambientes, isso tudo com um alto som no ouvido para que não lhe desse margens a pensamentos torpes.

Se afugentou na literatura das coisas e chegou a tal conclusão:

- Estou sozinho, como nunca dantes; E não conseguiu mais continuar a rir...

Ilustração: Igor Souza

18 de janeiro de 2012

Satisfações [ou Ode à essência]


Derramou de vermelho e azul a paisagem descompassada do tempo. Impetuosamente, arriscou balbuciar qualquer palavra de tensão. Mas, como? Se a imaginação não suporta mais do que meia dúzia de sugestões de sensações de volúpia? Então não está na ilusão qualquer mero devaneio, ao contrário, não sabia a consequência da reação de fazer o que fez. Limitou-se a não se planejar, mas estava inquieto.

Logo que induzido a se manifestar, disse em alto e bom som:

- Quando me conceituo, não me limito! Ao contrário, digo que nesse momento estarei contribuindo com o entendimento do meu vazio, como parte, e, assim, dizer-me quem sou eu é ampliar o meu anseio de me estender do corpo à palavra alma do meu ser (de hoje).

Mas, então, foram gargalhadas ao redor. Não se irritou, aleijou a frustração de desentendimento. Queria se esconder daquelas prosopopéias e cinismos, mas pra onde iria assim tão rápido? Então, num súbito ímpeto de coragem, o perguntaram:

- Decida-se: há liberdade no se conceituar ou é seu lugar de fuga do que há de essencial em você?

Foi então o momento de gargalhada como resposta.

Não há essência, pensou! Nem há que se ter a necessidade de buscar em si algo de tal necessariamente de um ínterim único. É tudo uma invenção, uma diversidade de ambições e assombramentos (daqueles sustos emergenciais). Rasgar-me, além de doer não teria funcionalidade. Outrora, pensaria que era inventivo da minha identidade, mas agora não quero mais ser tão limitado.

E aventurou o corpo sobre tons de músicas em cor. E o grupo tornou-se movimento dentro de si.

Ilustração: Vânia Medeiros

16 de janeiro de 2012

Entre os rasgos daquele filme


Pontos como consequências da memória do corpo. Coooooorte, manteve uma concentração liberal e menos transeunte. Como uma paixão que não se pode ter, já que aquele olhar, traço físico de expressionismo abstrato do outro, nada lhe admite. Máquina de indecifrar as vicissitudes. Tal liturgia arrastou uma corrente fatídica no qual o corpo era muito menos do que santuário, ao contrário, era hipocrisia aceitá-lo como templo.

Tudo isso na busca da imperfeição. Como deixar de ser Deus? Pedia, sem pestanejar.

Logo que na chegada, olhou para todos os lados antes de atravessar a ponte que te separava do sonho. Chegada do sono, claro. Dormiu como se tivesse no cinema, assistindo a um filme que lhe cortava o coração. Era um drama, uma estória tão próxima das suas angústias que chegou a preferir um surrealismo e por isso dormiu. Foi para a ponte que tinha atenção para não ser intenso, ser vulnerável o suficiente para acordar quando tudo aquilo não fizesse mais sentido e o ponto fosse final.

Desdenhou da precisa semelhança de si para as fábulas que desfilam solidão em cenas fortes de desafago e/ou descontentamento. Então foi se jogar no abismo da clarevidência. Era uma mulher, pensaria agora. Só não teria útero e suas descamações, de resto, da intensidade de se cortar por dentro, estava bem próximo, até encontrar com a mão seu falo ereto, hasteado para apontar pro alheio.

Daí, era aquele homem do cinema, ignorado por ser e apanhado no limiar do ser.

Ilustração: Filipe Duarte