31 de janeiro de 2012

Pra estarmos juntos [Ou o casal da sala escura]


Fomos envolvidos por um desejo súbito, a vontade de entrar naquela tela imponente. Aquele milagre nos envolvia, nos interpretava, sem querer. A película dos nossos olhos juntos tinha, enfim, alguma coisa em comum. Como ao respirar um ar com um fio de luz que se transforma na grande fábula, da vida em duo, da companhia na poltrona. E sim, estamos conectados.


Ele preferia um suspense, gostou daquele que tomava uns sustos de aflição e desconfiança. E gostava, me alertava para os takes de suas vontades no entremeio. Eu preferi o drama, a arguição da personalidade complexa da história. E na emoção do plano sensível apertou minha mão como se agendasse nosso lugar de desafio. E estamos solícitos, juntos alí.

E o carinho passa por gostar da moça de cachos dourados, de fazer lista dos amores em comum, procurar a trilha sonora das caminhadas sem som, a pipoca compartilhada da liberdade, encostar sua cabeça no meu peito pra ficar mais confortável.

E estamos alí, pulando os traillers, um a um, até chegar no olho (no olho), na fotografia indispensável, no clímax. E estamos enlaçados pelo rolo de fita que nos coloca em movimento, selados com o beijo final. Ou de continuação...

para ele

30 de janeiro de 2012

O ganhador

Lavrou-se campeão de insinuações e provocações de desejo. Comemorava. Sua imensa vitória como mais um troféu. Regojizava, sem pestanejar. Ora, mais um espaço de euforia conquistado. Mais alguém tinha se encantado com aquele ar de deslumbrante carisma e propriedade. Ele se lançou na alcunha "metarreal" de conjunto dos que assim lutam bravamente por um lugar ao sol, ou num planeta desses qualquer que pouco se ilumina pela luz solar. 

Tratou de esquecer a desgraça alheia e a maltratar os caminhos tórridos da conquista amalgamada. Insensível não poderia ser. Tanta coisa a se sentir nesse impropério absoluto que é a desilusão dos outros. "Não te prometi nada", costumava gritar em bom tom e de fato assim não o tinha feito.

Mais uma tarde passeando para distribuir o sentimento latente de desesperança e mais um tolo caminhava sem tato, sem usura, pelo lugar colocado como tempo. E vai a longos passos o encontrar, deixar solta a imaginação, comprometer desejos fílmicos e se duvidar até agendas inteiras. Fraternalmente, disse que não, ao soltar a imensa gargalhada (que ele não esboçava, mas que o outro de tanta certeza conseguia ouvir). 

Agora, dava para contar piadinhas de amor a outrem. E que estivesse visto, para todo mundo ver, o rombo que o deixara na liberdade de sentir. Espizinhando, sem saber (e aqui sem hipocrisias simbólicas), no deleite do tal iludido. O deselegante não conseguiu compreender seu ego e aí é que estava a vitória. Ele ganhou por não se apaixonar por qualquer um, mas que qualquer um já o tivesse no coração.

Então diz que vai embora de forma ríspida para não prolongar a conversa. Diz até que estava pensando no outro, ou que está agradecido pelos elogios. No final, deixa o outro de pé, em algum canto desse lugar inóspito para que veja seu lugar de interesse desabado. Ganhou! E agora vai ser feliz, com tantos outros que te interessa mais. Solta um beijo com dizeres próprios e o outro chora no teclado da emoção. Se puder, vai sonhar com o amanhã e descobrir outro alguém que vai ganhar de novo por que ele não sabe jogar.

24 de janeiro de 2012

caminhada pela estrada da solitude


... Foi quando ele disse: "um dia você pode até merecer" e estava tudo obscuro. Inacessível era talvez a palavra que conseguisse explicar. A facilmente abalável estrutura daquele que fingia auto-estima, desaguou num mar absolutamente poluído de desaventuras.

O que ele queria falar era óbvio. Por você não há o ter desejo, há no máximo a desavença, o desenlace, a não simpatia. Nem reto, nem delicado, não está no meio de nenhum e assim não comporta nem solidariedade no seu traço. Enquanto se acha literalmente interessante, a resposta única que se pode te dar é a invisibilidade.

"Você não entendeu? virei o rosto quando você passou, pela ojeriza que me dá do pensamento de encarar seu rosto, há algum de impuro nessa sua alma vã e para além disso, nem beleza pode assumir como endêmica, endógena ou não", disse categoricamente, o outro amancebado do seu desejo oportuno.

Perguntou para si o motivo de continuar a estrada sem desafio, mas preferiu ocupar a mente. Dormiu tarde, para acordar cedo e, se possível, não pensar debaixo desse sol. E o verão, para ele, foi firme: "ileso não passarás, entenderá de uma vez por todas que o outro não tem lugar para um tal que é você".

22 de janeiro de 2012

(des) Oriente à Solidão


Arriscou convocar meias palavras de contexto, contar meias mentiras, ler meios pensamentos e ainda assim parecia desconfortável. Inquieto, inseguro. Comentou três ou quatro firulas a mais como em um sonho desconcertante. Fantasia lisonjeira, efêmera, caricata. E ainda sim, sorrateira e devastadora, a interação não aleijou os pensamentos dele, conferiu um por um.

Dois vícios de linguagem - aliás, a linguagem em si estava exaurida, amontoada de possibilidades, de significados torpes, de consideráveis abusos dialéticos - o eufemismo exacerbado e o uso de interjeições para a um diálogo simples.

Irreversível, tinha que continuar sua epopéia desvairada: o outro!

- Isso não pode ser paixão, pensou pestanejando! Qualquer coisa de absurdo estava no porvir e ele não tem potencial para lavrar-se reflexivo de utopias. Então, que assine a discórdia de desejos e que a dor desoriente a solidão.

19 de janeiro de 2012

Lugar comum


E quando passava por um muro no caminho, desses mal feitos, sem planejar, olhou atentamente o que aquela construção inacabada queria lhe dizer e disse: NADA! Não satisfeito queria mais filosofias nas lições medíocres cotidianas - nem era moralização do seu caminho, ao contrário, estava se obrigando a não passar incólume pelos espaços, mas isso era outra história.

Era um tal de não se satisfazer com a graça do homem contemporâneo, de azucrinar sua consciência sobre a incompetente missão de estar menos virtualizado nas relações, alugar seu corpo para suas cobiças de infortúnios gratuitos nos ambientes, isso tudo com um alto som no ouvido para que não lhe desse margens a pensamentos torpes.

Se afugentou na literatura das coisas e chegou a tal conclusão:

- Estou sozinho, como nunca dantes; E não conseguiu mais continuar a rir...

Ilustração: Igor Souza

18 de janeiro de 2012

Satisfações [ou Ode à essência]


Derramou de vermelho e azul a paisagem descompassada do tempo. Impetuosamente, arriscou balbuciar qualquer palavra de tensão. Mas, como? Se a imaginação não suporta mais do que meia dúzia de sugestões de sensações de volúpia? Então não está na ilusão qualquer mero devaneio, ao contrário, não sabia a consequência da reação de fazer o que fez. Limitou-se a não se planejar, mas estava inquieto.

Logo que induzido a se manifestar, disse em alto e bom som:

- Quando me conceituo, não me limito! Ao contrário, digo que nesse momento estarei contribuindo com o entendimento do meu vazio, como parte, e, assim, dizer-me quem sou eu é ampliar o meu anseio de me estender do corpo à palavra alma do meu ser (de hoje).

Mas, então, foram gargalhadas ao redor. Não se irritou, aleijou a frustração de desentendimento. Queria se esconder daquelas prosopopéias e cinismos, mas pra onde iria assim tão rápido? Então, num súbito ímpeto de coragem, o perguntaram:

- Decida-se: há liberdade no se conceituar ou é seu lugar de fuga do que há de essencial em você?

Foi então o momento de gargalhada como resposta.

Não há essência, pensou! Nem há que se ter a necessidade de buscar em si algo de tal necessariamente de um ínterim único. É tudo uma invenção, uma diversidade de ambições e assombramentos (daqueles sustos emergenciais). Rasgar-me, além de doer não teria funcionalidade. Outrora, pensaria que era inventivo da minha identidade, mas agora não quero mais ser tão limitado.

E aventurou o corpo sobre tons de músicas em cor. E o grupo tornou-se movimento dentro de si.

Ilustração: Vânia Medeiros

16 de janeiro de 2012

Entre os rasgos daquele filme


Pontos como consequências da memória do corpo. Coooooorte, manteve uma concentração liberal e menos transeunte. Como uma paixão que não se pode ter, já que aquele olhar, traço físico de expressionismo abstrato do outro, nada lhe admite. Máquina de indecifrar as vicissitudes. Tal liturgia arrastou uma corrente fatídica no qual o corpo era muito menos do que santuário, ao contrário, era hipocrisia aceitá-lo como templo.

Tudo isso na busca da imperfeição. Como deixar de ser Deus? Pedia, sem pestanejar.

Logo que na chegada, olhou para todos os lados antes de atravessar a ponte que te separava do sonho. Chegada do sono, claro. Dormiu como se tivesse no cinema, assistindo a um filme que lhe cortava o coração. Era um drama, uma estória tão próxima das suas angústias que chegou a preferir um surrealismo e por isso dormiu. Foi para a ponte que tinha atenção para não ser intenso, ser vulnerável o suficiente para acordar quando tudo aquilo não fizesse mais sentido e o ponto fosse final.

Desdenhou da precisa semelhança de si para as fábulas que desfilam solidão em cenas fortes de desafago e/ou descontentamento. Então foi se jogar no abismo da clarevidência. Era uma mulher, pensaria agora. Só não teria útero e suas descamações, de resto, da intensidade de se cortar por dentro, estava bem próximo, até encontrar com a mão seu falo ereto, hasteado para apontar pro alheio.

Daí, era aquele homem do cinema, ignorado por ser e apanhado no limiar do ser.

Ilustração: Filipe Duarte