22 de fevereiro de 2012

Carnivália VII


Lá segue a multidão pela coragem que lhe invade o peito. Lá vai a fé! Correndo pelos espaços ermos, pelos becos e ladeiras, pelas liberdades com cor. E foram todos diversos, saltitantes em um salão aberto, verdadeiro, sem eira nem beira, sem amarras. E lá foi com o carinho que lhe é primordial, mas com a vontade de passar saliente, desapegado de âncoras, inebriados. E nós estávamos alí, correndo o perigo de misturar os corpos pulsantes com tantos outros. Vulneráveis a uma tal felicidade instantânea que nada tinha de vazio, ao contrário, do que tinha de efêmero tinha de intenso e absorto. 

De especial tinha aquela magia do som naquele grotesco e brilhante carro que move o asfalto e a vida latente. Ah, esse caminhão e sua potência mobilizadora, inspira tantos movimentos aleatórios e que fazem sentido, alimenta uma tal fantasia até com passos combinados, mas tranquilamente sem roteiros.

E então circulou uma paixão exacerbada pelas veias todas... como utopia coletiva que movia os joelhos de formas tantas, estranho mesmo, acariciados todos/todas por uma emoção admitida, acelerada, com gosto de roda, com a sensação dos olhares trocados e até com aquela saudade e vontade de estar junto mesmo separado. Chame gente do amor e do desejo que nos une em júbilo.

Nessa grande panela do prazer, somos todos pipocas do desejo. Mesmo aqueles sui generis entre cordas retumbantes ou enaltecidos pela exclusividade de ser/estar. Mesmo estes que nunca sentiram a energia da relação entre pares desconhecidos, há que se ter a carne na festa de um e tantos outros. Mesmo indignados, alertando por vaias, ressaca do medo, protestos e manifestações de carinho pela cidade!

E sufoca o peito uma emoção lisérgica, ao pé do poeta, com a poesia dele, com a guitarra  eletrizada, em um encontro futurista do passado. Eles lá e nós nas lágrimas derramadas sob a mamãe sacode nos braços. Foi um absurdo de energia e imagem memorável! E teve mais, teve a brincadeira com os olhos, a malemolência dos corpos, a beleza do tapete branco, a fobica acolhedora, o tato e o paladar, liberdade e libertinagem juntas, o respeito e o calor! Teve um arrastão de alegria sob o céu azul de uma cidade mar, com uma carícia e um olhar que essa terra nos dá e essa cultura nos empresta com magia e cor. Agora, "imagina só que loucura essa mistura"*. 

E então, carnaval há de chegar para continuar com a vontade de povo!



*Trecho da música "Chame Gente" de Moraes Moreira e Armandinho

Pela linda festa de momo, pelos desejos de caretas e paixões! para Carlinhos Brown pelo andar com a gente. Armandinho e seus irmãos pelo pau elétrico dos sonhos. Para Gilberto Gil todo meu amor. Saulo e a Banda Eva com Moraes e Caldas. Para o reencontro com a beleza saltitante do amor canceriano de Aline. Para o cuidado e carinho de Lipe, Vini, Léo Aguiar, Mile, Mariana, Zédi, André e Franklin. Pedro e Richardson pela epifania juntos. Para @s lind@s Álvaro, Valter Tonhá, Munira, Clarissa, Dan Caribé, Ana Camila, Dedeco, Xotoko, Rick, Mino, Vitinho, Raoni, Lucas, Vinicius, Léo, Déia Franco, Melina, Digo, Nilton Correia, Gabriel Braga Nunes e Bianca, povo da Lhama e tantos outros dos encontros pelo caminho. Pelas belezas reveladas, pelos belos recomeços e pelos fluidos de trocas de energia e amor.

8 de fevereiro de 2012

Um e Outro



Era quase um por-do-sol alí na frente. Quase uma luz se despedindo do ambiente, tonalizando um céu sem igual, cores misturadas em texturas de nuvens deformadas ao léu. Ao mesmo tempo ele estava ali a catar as pedras mais próximas para que não revogassem o brilho do seu olhar. Sem tamanho definido, as pedras rolavam entre os dedos distraindo os pensamentos mais densos, mas não as lembranças. Se irrita com as pedras que não cabem nas mãos e esquece que procurara aquela solidão como refugio curador. E a solidão ia curar como as pedras também o faria. Mas tanto as pedras caíram como em passos finos e contentes sem demora, ele (o outro) chegou perto, passou braço no braço dele que apertou os olhos bem devagar.

Ele (o outro) - Um açoite esse lugar, hein? Não me contento com explicações razoáveis. E você aqui sozinho.

Ele (um) - Quero entender as razões de uma composição tão ambígua do espaço. Há uma beleza aqui se mostrando, tenho certeza.

Ele (o outro) - Acho que consigo te entender, esse caminho do pensamento me faz sentido.

Ele (um) apenas ri.

Ele (o outro) - Porém, a prática invade os desejos né? Há que se fazer coisas, recrudescer os pensamentos torpes, motivar as vontades alheias.

Ele (um) - E eu que sou um procrastinador convicto, não devo me encaixar. Deves me achar um tolo por isso. Um sentimental com ausência da principal virtude de um homem...

Ele (o outro) interrompe e pergunta - Qual?

Ele (um) - A de ser reto, sem meias palavras, sem meios desejos, sem dengos ilegítimos.

Ele (o outro) - Ah! sim, certo!

Ele (um) apenas ri. Pensa um pouco que está falando demais, mas não consegue interromper o pensamento. - E até você o sendo me comove, impacta minha visão, me distrai de mim. 

Ele (o outro) - Me sentiria culpado?

Ele (um) - Óbvio que não! Senta aí, pega umas pedrinhas pra me ajudar a ficar só, consegue? Me mantenha aquecido pela aparente politização do seu olhar a mim. Minha tristeza é por não conseguir ser outro a não ser esse que te pede colo.

Ele (o outro) - Mas então não te entenderia. Posso pestanejar alguns códigos comuns. Te exponho diversas limitações, minhas amarras com quem não deve saber dos meus desejos, minha não vontade de acolher seu carinho, tantos outros corações que parecem reluzir com mais verdade que o seu.

Ele (um) pausa, calado.

Ele (o outro) pausa, irrequieto. Não acha compreensível o motivo desse texto estar se desenvolvendo.

Ele (um) se permite a pensar irrelevantes argumentos para ser sozinho e não retruca, apenas agradece - E então era o que eu precisava ouvir. Um peso melhor saber se há vazio justificável. Acho que é isso que posso chamar de paixão, mesmo que sublima em mim.

Ele (o outro) sorri.

Ele (um) - Já vai?

Ele (o outro) - Vou! A gente se vê.

Já era noite, passava então as imagens de cores para um negrume cintilante. Não tinha mais pedras. Se levantou e não tinha ninguém esperando. Mas continuou, e ouviu:


"Eu tava aqui na minha e você foi aparecer
Derramando estrelas sobre a minha solidão
Eu sei, eu não queria nem de longe conhecer
Alguém pra iludir de novo o meu coração"*

*Trecho da música "Você não poderia surgir agora", cantada por Roberta Sá

Ilustração: Caio Fernandes

Semi-analfabeto de mim



Tudo misturado, tinta, fósforo, lâmpadas, verdades. E todos os símbolos se desmancharam para deleite alheio, tudo em desorganização, tudo bonito e prático. Acuados os tomates, as hélices e as fotografias deslizam pela categoria de "não-objetos" e se materializam nos sonhos como signos qualquer de non-sense.


Ah, a liberdade que se move feito planta. Foi ela quem embaralhou as cartas pelos campos afora. Ela, a única que não se consegue esguia de vontade e se curva diante do mesmo desejo, do mesmo prazer. E nada se passa sem razão, mas com coragem.

E era tudo incólume de passivos negócios, coisas de valor em ligação. Sorvete, manteiga e sim, a cadeira rolaram pelas imensidões de olhares em questionamento. Pacificou a reação alheia diante dos indiferentes corpos e tudo ficou com a sincera mobilidade de sobriedade e teimosia. 

Quanto a mim, não sei interpretar direito o que eu quero dizer e então tenho meia visão.