8 de fevereiro de 2012

Um e Outro



Era quase um por-do-sol alí na frente. Quase uma luz se despedindo do ambiente, tonalizando um céu sem igual, cores misturadas em texturas de nuvens deformadas ao léu. Ao mesmo tempo ele estava ali a catar as pedras mais próximas para que não revogassem o brilho do seu olhar. Sem tamanho definido, as pedras rolavam entre os dedos distraindo os pensamentos mais densos, mas não as lembranças. Se irrita com as pedras que não cabem nas mãos e esquece que procurara aquela solidão como refugio curador. E a solidão ia curar como as pedras também o faria. Mas tanto as pedras caíram como em passos finos e contentes sem demora, ele (o outro) chegou perto, passou braço no braço dele que apertou os olhos bem devagar.

Ele (o outro) - Um açoite esse lugar, hein? Não me contento com explicações razoáveis. E você aqui sozinho.

Ele (um) - Quero entender as razões de uma composição tão ambígua do espaço. Há uma beleza aqui se mostrando, tenho certeza.

Ele (o outro) - Acho que consigo te entender, esse caminho do pensamento me faz sentido.

Ele (um) apenas ri.

Ele (o outro) - Porém, a prática invade os desejos né? Há que se fazer coisas, recrudescer os pensamentos torpes, motivar as vontades alheias.

Ele (um) - E eu que sou um procrastinador convicto, não devo me encaixar. Deves me achar um tolo por isso. Um sentimental com ausência da principal virtude de um homem...

Ele (o outro) interrompe e pergunta - Qual?

Ele (um) - A de ser reto, sem meias palavras, sem meios desejos, sem dengos ilegítimos.

Ele (o outro) - Ah! sim, certo!

Ele (um) apenas ri. Pensa um pouco que está falando demais, mas não consegue interromper o pensamento. - E até você o sendo me comove, impacta minha visão, me distrai de mim. 

Ele (o outro) - Me sentiria culpado?

Ele (um) - Óbvio que não! Senta aí, pega umas pedrinhas pra me ajudar a ficar só, consegue? Me mantenha aquecido pela aparente politização do seu olhar a mim. Minha tristeza é por não conseguir ser outro a não ser esse que te pede colo.

Ele (o outro) - Mas então não te entenderia. Posso pestanejar alguns códigos comuns. Te exponho diversas limitações, minhas amarras com quem não deve saber dos meus desejos, minha não vontade de acolher seu carinho, tantos outros corações que parecem reluzir com mais verdade que o seu.

Ele (um) pausa, calado.

Ele (o outro) pausa, irrequieto. Não acha compreensível o motivo desse texto estar se desenvolvendo.

Ele (um) se permite a pensar irrelevantes argumentos para ser sozinho e não retruca, apenas agradece - E então era o que eu precisava ouvir. Um peso melhor saber se há vazio justificável. Acho que é isso que posso chamar de paixão, mesmo que sublima em mim.

Ele (o outro) sorri.

Ele (um) - Já vai?

Ele (o outro) - Vou! A gente se vê.

Já era noite, passava então as imagens de cores para um negrume cintilante. Não tinha mais pedras. Se levantou e não tinha ninguém esperando. Mas continuou, e ouviu:


"Eu tava aqui na minha e você foi aparecer
Derramando estrelas sobre a minha solidão
Eu sei, eu não queria nem de longe conhecer
Alguém pra iludir de novo o meu coração"*

*Trecho da música "Você não poderia surgir agora", cantada por Roberta Sá

Ilustração: Caio Fernandes

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