25 de setembro de 2012

Cama de gato [ou Dois!]


Foi um contratempo, um semblante desengonçado, um ligeiro e súbito instante de horas a fio. E então tranquei a porta com cuidado, arrumei o leito viril para voce deitar. Por teus destemperos e suas aflições, e por dentro deles mesmo, nos lambuzamos de malícia. Sua astucia não me incomodava, nem sua filantropia desmembrada de sentido. Acontece que tinha ali o agridoce desejo de ser eternamente o mesmo lugar de emoção. Dois!

Dai, a delicadeza agressiva toma conta e ambienta o calor que vinha de dentro, mesmo rangendo os ventos da cortina. Subestimado pelo tamanho desafio apropriou-se até mesmo das estranhas formas de estar. Sem calculo algum de massa, de estrutura. Logrou-se então vencedor em nenhuma competição, apenas do desejo saliente.

E fomos assimétricos que estávamos aos poucos nos desfazendo em suspiros ou sussurros (até mesmo no intercalar dos dois) abstraindo o vento que rangia a janela. Esquecíamos até a elocubração a despeito de haver amor nesses poros abertos ou se o instinto atuou ali naquele instante.

Foi quando adentrou o âmago sem pestanejar, pedindo que a carne voraz destroçasse menos a inquietude, pois, afinal, não acreditamos no pecado e desalojamos a culpa dos nossos peitos nus. Sobrepôs corpo a corpo, fluido a fluido, como se desistisse do ápice para que ficássemos assim, um e outro, dentro.

Inspirou o uivo externo e ficou ali, quietinho pra olhar sem vergonha nos meus olhos. Dormir não nos interessa, pensou. E aquela imagem tinha permanecido outrora desde a noite de ontem. Nem lembro mais se havia deitado outros por ali e de manha cedinho, aliança em punho e a espera por mais uma noite onde habite mais que um. Dois!

6 de setembro de 2012

poema do desapego (sem sentido)















E então os dois eram apenas um em vácuo
era uma única esperança
um único verso 
uma única solidão temperada de desassossego
era a sorte vazia
a intensidade camuflada
era a noite sem sentido

E então não havia conexão em duo
pois 1 + 1 não podia se somar
havia um parêntesis alocando o outro
se sobrasse, talvez teria uma antítese
equação sem sentido

E então tinha o medo
a vergonha do outro
o saber-se só sem estar tão só
sem coragem de dizer o não
sem memória de dizer da ilusão
e para a tristeza
sobra a criatura sem sentido

E então mais uma vez
titubeia em lampejos de vontade
e lembra que não há eco
não há reflexo possível
(talvez uma refração de leve)
para por limite ao encontro
para sonhar o impossível de casal
dormir pra esquecer
que mais uma vez escorrega 
na irrequieta e sintomática
criação de uma paixão sem sentido

Ilustração: Vânia Medeiros