2 de maio de 2006

Dialetos Transcritos

Na outra oportunidade deles estarem assistindo a atitude de querer um ao outro, mais que algumas bobagens foram produzidas em imagens pelas mentes. O que se chama de sonho era para eles a intensa necessidade de caminhar pela praia de mãos dadas. Era mais que criatividade e o que estava sendo dito não passava de mentiras abstratas. Cada vez mais serenidade encolhida na abstração do que se desprende no leito de viver. Cada respiração era um fardo e quando não era decisão no estar, mais que bagunça existia. Todo ar era falseado e inatingível. Diálogo nesse instante. Puro diálogo amorfo. O que dizia um era aceito pelo outro como complemento da alma. Pendiam árvores de segredos incomensuráveis. Tinha que ser símbolo de impressão oficiosa. Taciturna forma libertária de flexibilizar a ordem dos sentidos, mística de dois. Como o nadar juntos pelos fluídos vazios do preenchimento. Ordens não existiam, apenas intencionalidades estanques e não tão rígido. Na crendice de que o amor passa a adquirir aspectos políticos na sua sustentabilidade, fica o reconhecimento de que a alegoria fundamental da práxis do estar junto se manifesta no dizer-se ao outro e ouvir-se em si, assim como no anteposto. Se ainda está no imaginário, em confusão, pode-se verificar na dificuldade de desenvolver a linguagem dos casais. Eles ainda param sem saberem de si por que estão no outro. Pressupõe dislexias e falta de compromisso com argumentos concisos. A reflexão é continuada por desistir de entender a prolixidade deles.

“Sem essa de que estou sozinho
somos muito mais que isso
somos pingüins, somos golfinhos,
homens, seria e beija-flor


(...) O sistema é mal, mas minha turma é legal
Viver é foda, morrer é difícil
Te ver é uma necessidade
Vamos fazer um filme


(...) E hoje em dia como é que se diz: eu te amo?”*

A liberdade de forma tão rara se torna escassez de uma necessidade interminável de sentir-se não preso, mas enlaçado enfurecidamente pela imaginação de outrem. Caridosamente, mais que símbolos comuns traduzidos emocionalmente, tudo se torna tão comum, tão breve, tão insólito. Nem é real. Nem é em si. Radicaliza, chega ao tal cerne que alguém acredita existir. Acabaram-se as cascas dos nós de nóis. Até agora é o único caminho concreto. Manda parar porque se é cidadezinha do interior o coreto ficou fora do lugar. Porém não há alucinações neste ambiente de construção ambíguo e duvidoso. A liberdade é endógena demais. Não segmentária nem signica. A liberdade é uma construção simples de conflitos de si para consigo. Não é fácil a análise de que se tornas resposáveis pelas consequências. Mas, agora, sinceramente, acho que tudo está por um fio. Tem-se muito medo neste instante. Sentimento de esvaziar-se de vôos. O desequilíbrio constante dá lugar ao entendimento inevitável. Enquanto eu apenas esperava ouvir:


“(...) Sei que a tua solidão me dói
E que é difícil ser feliz, mas do que somos todos nós
Você supõe o céu
Sei que o vento que entortou a flor
Passou também por nosso lar
E foi você quem desviou com golpes de pincel

Eu sei é o amor
Que ninguém mais vê
Deixa vir a moça
Toma o teu
Voa mais
Que o bloco da família vai atrás.“**

Mais uma vez limitações da condição simples de comunicar-se. Há probabilidades sentimentais de diálogos, mas apenas isso. De repente é inútil o tentar fazer-se entender. Inútil, sombrio. Não é de lágrima que se distingue esse ideal. É de verdade que se demonstra a incompatibilidade entre o desejo e a possibilidade. Mas porque o desespero? Por causa de uma tola e inexata solidão amiga? Não sabe pronunciar a lingua do amor. É por que o amor é uma conversa muito longa e que ainda está no nível da impossibilidade expor em signos transcritos.

“(...) De repente cai o nível e eu me sinto um imbecil
Repetindo, repetindo, repetindo
Como num disco riscado
O velho texto batido
Dos amantes mal amados
Dos amores mal vividos
E o terror de ser deixada
Cutucando, relembrando, reabrindo
A mesma velha ferida (...)”***


Ilustração :: Vânia Medeiros


* Trecho da música Vamos fazer um filme de Renato Russo
** Trecho da música Além do que se vê de Marcelo Camelo
*** Trecho da música Não vale a pena de J. E P. Garfunkel

Um comentário:

Anônimo disse...

Algumas dessas palavras ficam soando na minha cabeça:

pressupõe dislexia
pressupõe dislexia
pressupõe dislexia
pressupõe dislexia

...

dava pra fazer um samba...

f.