20 de dezembro de 2020

Carta à intermitência da solidão


 

Boa noite, 

Antes de tudo queria salientar que tentei escrever essas palavras ao tempo, mas confesso que seu endereço já não me é sabido. É bem verdade que a dimensão do local do tempo tem sido uma grande incógnita por aqui. Nunca fui muito sabedor, também é um fato, por isso mesmo faz-se necessário predizer a minha ignorância em localizar o tempo. A ele caberia as tais inquietudes aqui expostas. Não por reclamar sua atenção, mas por lhe entender destinatário passível de acolher com parcimônia e sensatez.

Se não ao tempo, encaminho essa breve arenga à solidão. Mais ainda, à sua intermitência recorrente. É que como vilã, me parece cabível lhe alertar que sua perenidade é ansiada. Por mais longinqua que seja a morosa assiduidade da solitude, alcançá-la parece destino que confere destreza de conforto. Há tempos que a ausência aqui promove vazios, mas saber-se impossibilitado de mobilizar no outro qualquer ranhura que provocasse reciprocidade no desejo já deveria ser um aprendizado, visto que o reflexo é implacável. 

Performar o não querer é possível?

Importante salientar que ser só não é tal vontade, mas entendimento de condição com austeridade. Vale menos o cansaço da alma causado pela saudade indevida que o contentamento em aceitar a inabilidade de apaixonar outrem. Ressalto que qualquer aspecto sorumbático se dá não pela ausência do interesse de outrem (como dito, compreensível), mas principalmente pela reincidência do sentimento de abandono.

Devo confessar a ti que há um esforço para direcionar a fluidez de passos continuados para desafios complexos como a vicissitude da coerência no cotidiano ou mesmo a práxis da contingência do trivial, mas, como relatado, o tempo ainda se arrasta para um tal lugar desconhecido que derrama repetições dos sentidos.

Fecho esse desagravo a ti sem desejo de resposta, mas certo de sua acolhida em veleidade. 

Atenciosamente.



    

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