14 de maio de 2006

Passos de moça


Tinha lá seus 19 anos de idade. Super descolada a menininha. Cabelos pretos encaracolados, longos e mal tratados. Ela tinha esse estilo assim, maltratado. Vestia um blusão que parecia de sua mãe que cobria todo o busto e uma parte de suas pernas. Uma pequena parte da sua perna na verdade. O blusão cobria o pequeno short que usava dando a séria e intensa impressão que nada havia por baixo daquele camisão antigo. Andava pelas ruas mais velhas da cidade sem olhar muito para a frente e nem tampouco prestar atenção em quem a rodeava. Tinha muitos pensaentos e, pior, vários devaneios, utopias desnecessárias. Assumia um comportamento no qual se distanciava da outra maior parte das pessoas. Não podia ser igual a todo mundo. Seria uma ofensa a sua própria dignidade de menina "diferente" que não sente os mesmos desejos programados que as outras tantas gentes tinham prazer em sentir. Ela tinha um rosto tão lindo, que, da delicadeza de ser, sua face alimentava as mais provincianas libidos. Ela era sozinha e, mesmo em seu grupo "diferente" não consegue se ver em completude.

"E dentro da menina
A menina dança
E se você fecha o olho
A menina ainda dança
Dentro da menina
Ainda dança

Até o sol raiar
Até o sol raiar
Até dentro de você nascer

Nascer o que há!"

Nunca a vi tão de perto quanto naquele momento em que passva com ar de tristeza por mim. Ela estava perdida em um espaço simbólico que não se comunicava com o outro, nem com o espaço. Ela estava com ar de melancolia de quem nunca conseguiu chegar no seu objetivo. Talvez nem sabia qual fosse e estava muito feliz por isso. Ela era sim diferente e encantadora como sempre. Estava em movimento constante ao contrário de tudo quanto foi movimento irracional naquele instante. Era arte que lhe chamava atenção. Nem era tão arte assim e sua voz quase não saía. Talvez tivesse perdido a perspectiva, mas continuava em movimento cercado de outros ainda sem nenhuma possibilidade de expectativas. Se dizia feliz naqueles passos, mas não propiciava aos outros rostos nenhum traço de sorriso sincero, daqueles que dão pra zer orgásmico só de revelar a dentição no movimento sigelo dos lábios vermelhos.

" Quando ela mente
Não sei se ela deveras sente
O que mente para mim
Serei eu meramente
Mais um personagem efêmero
Da sua trama
Quando vestida de preto
Dá-me um beijo seco
Prevejo meu fim
E a cada vez que o perdão
Me clama"

Ela passou e eu não consegui. Parei de passar naquele instante. Ela passou e continuou um caminho que eu não consegui seguir. Ela passou e não acreditei naqueles passos, mas aceitei de bom grado todos os seus bons desejos de continuar os passos. Ela nunca deixou de passar e isso eu sei já. É que não passei no seu passo assim tão fácil.

Ilustração :: Vânia Medeiros

* Trecho da música A menina dança Composta por Galvão e Moraes Moreira - Novos baianos
** Trecho da música Ela faz cinema de Chico Buarque

2 comentários:

Anônimo disse...

Se eu não tivesse com afta
até faria
uma serenata pra ela...

f.

Anônimo disse...

e os novos baianos passeiam na tua garoa...

pra zer

f.