2 de maio de 2006

Sabor queijo coalho, catupiry, chedar e mussarela


Locomoveu-se ainda sem poder dar passos direito. Confuso. Anunciava que ainda estava disposto a se destituir de todos, o cargo de magnitude a que alguém um dia impusesse participação ativa. Mas não era tão fácil assim. Naquela noite, enxurradas e fortes emoções se misturavam no peito dele. Muito mais invisível do que camuflado. Era inevitável todo aquele não estar. Caminhava simplesmente. Caminhava. Sentia que algo tinha começado a se desfazer naquele instante. De quem não havia desejo de continuar? Mas ele tinha que chegar ao seu caminho. Ou continuá-lo. Mas lhe foi impedido a possibilidade de continuar e aí tudo aconteceu:

Conto do amor e da construção da imagem através dos sabores...

Ele tinha mãos firmes, mas não pesadas. Foi a única coisa que se podia sentir racionalmente depois de tudo. Ele era delicado. Sempre o percebeu. Sempre o havia visto. Adicionou um toque especial sempre e sempre havia uma compatibilidade, ele que não percebia assim tão fácil. Até o já tinha lhe dado toques, mas não foi assim tão fácil perceber. Ele tinha barba, daquelas que roça a bochecha e faz cócegas. Ouvia música comum de duas décadas atrás, mas não era tão ingênuo. O que mais chamava atenção é que ele sempre olhava no olho e dizia: “Pra você, meu querido, o mesmo que faço sempre. Queijo coalho, catupiry, chedar e mussarela. Acertei?” A reação era um sorriso simples e um sim discreto. Ele tinha acertado o desejo mais uma vez.

“Consentir é educar o amor
Seduzir é cutucar
Amarei! é conjugar o amor
Não amei! é enxugar

Avançar é conquistar o amor
Amansar é como está
Como estou com muito amor pra dar
Eu dou!
Quem tiver atrás de um grande amor
Achou!”*


Nesse mesmo dia de confusão. Ele chegou bem perto, apertou a mão com firmeza e deu-lhe um abraço singelo. Foi aí que a barba fez cócegas e tudo estava tão entendido. O próximo passo comer pastel de queijos com vinho encorpado. A televisão não tina sentido, mas iluminava o ambiente de forma limiar. Ninguém prestou mesmo atenção naquela caixa de luz. O vinho era bem encorpado e o pastel quente. Riram e encostaram o ombro. E riam... Sentados, um abraço, um carinho nas costas e um encostar de lábios com gosto de esperança. Ficaram assim por horas. Os personagens da televisão pararam para curtir o clima. Beleza. Era simplesmente vontade de estar mais bonito. Ele, com tanta delicadeza tocava o corpo como se pintasse o quadro lírico mais perfumado já feito. Ele via beleza ali. E via mais ainda. Ele enxergava uma alegria em construção daquele sorriso que se abria após o descolar dos lábios. Ele sabia da felicidade e escondia em sabores do qual o desejo já tinha se tornado decifrável.


“Leve
Como leve pluma
Muito leve
Leve pousa

Muito leve, leve pousa.

(...)

Simples e suave coisa
Suave coisa nenhuma
Que em mim amadurece”**


O carinho era prazer intenso. Era muito mistério e nenhuma certeza. Por isso prazer intenso. Os braços estavam juntos e o cheiro de manga madura já tinha invadido o ar sorrateiramente. Devagar. Espantando qualquer fantasma da razão. Deixar para trás até as recordações do calor ardiloso e impassível. Eram só dois ali. Sentados, de rosto colado. Gotas de suor a derramar no braço e na testa. Deitaram e contemplaram o telhado com hastes de madeira. Mais risos. Conhecia um caminho mais curto para chegar a um sorriso aquele moço. Só que agora podia voltar a andar. O pastel tinha acabado e o restinho de vinho no copo não tinha mais o mesmo sabor. Mas antes de continuar a construir um caminho, aliás, agora diferente, ele, ainda sorrindo, arriscou a falar:


- amanhã, volte e satisfarei de novo seu desejo. Não precisa dizer. Já conheço. Sabor queijo coalho, catupiry, chedar e mussarela.



Ilustração :: Vânia Medeiros



* Trecho da música Achou de Dante Ozzetti
* Trecho da música Amor de João Ricardo - João Apolinário

2 comentários:

Anônimo disse...

Só consigo me ater às mãos...

f.

Franklin Marques disse...

... fiquei mudo.