6 de julho de 2006

Conversão*


Na hora que ele chegou antecipou o grito do outro que não hesitava em disseminar tal felicidade. O outro, parte pressuposta do que o espera, completou apenas em luz um sentimento que conseguia decifrar. O Outro chegou. E foi neste exato momento que nada fora do comum aconteceu, mas que o mundo se transformava meticulosamente. Acrescia-se ao ambiente um sorriso nunca dantes elaborado por um ser pensante. O Outro, estático e enaltecido, estava a aceitar fulgores de um instante simples capaz de reestruturar solidificações. Ele, parado e em pé, estava pingando gotas que escorria delicadas pelos cabelos não tão longos assim. Aproveitou para, em frações prolongadas de milímetros de segundos, abrir a boca de forma sensível, revelar em símbolo sua dentição e, como se fizesse para provocar, passou sensualmente a língua nos lábios. Apenas a genuína vontade de umidecer os lábios. Pronto! O sinal estava posto! Ele, que o esperava, era utopia avassaladora. E quem queria saber do toque? A espera em si liquida a ferocidade do instinto do desejo e o transofrma em irracionalidades. Ele não estava livre.


"Imagina
Imagina
Hoje à noite
A gente se peder
Imagina
Imagina
Hoje à noite
A lua se apagar

(...)

Sabe que o menino que passar debaixo do arco-íris vira moça, vira
A menina que cruzar de volta o arco-íris rapidinho vira volta a ser rapaz
A menina que passou no arco era o
Menino que passou no arco
E vai virar menina
Imagina
Imagina
Imagina"**


Foi-se ilusória e concisamente instaurada a perfeita atmosfera. Atraia comentários audaciosos. Maquinário de construção da idéia e imagem de um outrem que passa próximo. Aquele espaço para eles era o lugar dele e do outro que chegou. Apenas isso e nada mais. Pelo menos por enquanto. Durasse o tempo que fosse necessário. Pois da natureza da relevância tudo tomava conta dos pensamentos. Risos, aliás, gargalhadas. Contidas em apenas o derretimento de um olhar quase desviante. Mas ele estava alí, voltara. O outro o estava a esperar, movimento. Um caminhando lentamente (o instante comum passava-se o tempo sem pestanejar - porém o tempo deles era concreto e diferente dos demais). Ele apareceu para distrair a atenção que um outro tinha da reflexão justa e necessária que o tirava da liquidez e do desânimo. Acertou-se consigo que, como um leão deve fazer ao roçar sua limpa juba nas costas da sua leoa tão feroz quanto afável, amar era um passo delicado e gentil a outro momento imprescinível para a potencialidade de sua inteligência ainda imatura. É muito bom lembrar que não tinha música. Aliás naquele momento era inútil pensar nisso. Nem existia possibilidade de imagem e de som ao redor dele que chegara e dele que o esperava. Movimento.


"
Diz quem é maior que o amor?

Me abraça forte agora, que é chegada a nossa hora
Vem, vamos além. Vão dizer
que a vida é passageira
Sem notar que a nossa estrela
vai cair"***


Chegou perto, olhou nos olhos (quando podia) e diálogo:


Ele (que esperava) - Do seu olhar, a limpeza que abstraio é a revelação de que um senhor de sentimentos apavora a coragem às avessas que impede de a felicidade ser experimentada em qualquer instante. Mas ainda não consigo conceber a dimensão que isso pode nos limitar e até esmaecer. Podemos provocar então outro signo rítmico?


Outro (que chegou) - A ansiedade dos poros é estarem abertos para sentirem com, cada vez mais nitidez, a proeza de alcançar um outro estágio das sensações. E isso nunca pode ser limitador. É consequência. E, mais do que isso simplesmente, é antecipar o gozo. Racionalizar a possibilidade de sentir. Mas pode parar por aqui e afeto do olhar continuar a sucumbir nossos espíritos luxuriosos.


Ele (que esperava) - Absolutamente espontâneo. Deve-se ter cuidado com as intemperes do caminho. Socorrer as vicissitudes e alimentar a vontade duradoura. E se a gente puder deslizar a imensidão e varrer outros lares? Acho que está na hora!


Longo e sonoro beijo.


Mas eram apenas pensamentos de desejo. Verdade pouco existia de fato. Aliás faltava-lhe fatos. Imaginação. Imagem na ação. Do que o pensar iria construir e ação apenas aqui. De fato? O outro que chegou levantou-se, pediu parada e deixou aquele ambiente vazio. Ele apenas acompanhoou com olhares ferozes. Bicho que é. Mas outro chegou. Não lhe interessava mais aquele jogo. Concordou apenas com Vinícius de Moraes. Balbuciou soneto.


"De tudo, ao meu amor serei atento
Antes, e com tal zêlo, e sempre, e tanto
Que mesmo em face do maior encanto
Dele se encante mais meu pensamento.

Quero vivê-lo em cada vão momento
E em seu louvor hei de espalhar meu canto
E rir meu riso e darramar meu pranto
Ao seu pesar ou seu contetentamento.

E assim, quando mais tarde me procure
Quem sabe a morte, angústia de quem vive
Quem sabe a solidão, fim de quem ama

Eu possa me dizer do amor (que tive):
Que não seja imortal, pôsto que e chama
Mas que seja infinito enquanto dure"****



Foto: Vânia Medeiros



* Uma conversa um pouco maior para deleite dos apreciadores literatos e desprezo dos outros tantos. Limitação do autor: Falta de concisão e talvez um pouco de sensatez.

** Trechos da música Imagina de Chico Buarque e Tom Jobim

*** Trecho da música Conversa de Botas Batidas de Marcelo Camelo

**** Soneto de Fidelidade de Vinícius de Moraes

2 comentários:

Anônimo disse...

eu estou GRITANDO.

Anônimo disse...

(2 minutos depois...)

ainda estou GRITANDO.