30 de janeiro de 2007

Fora! (ou quando [não] o encontrei!)


A liberdade de agir manipula o senso mais óbvio do destino. Qualquer que seja a sombra do impedimento não nos livra de propriedade ou convicções ambíguas. Dois instrumentos muito particulares do movimento: assiduidade e ternura. Assim como o voar parece óbvio no cotidiano dos pássaros e o freqüentar correntes marítimas são comuns aos mais belos dos ouriços do mar. Síncope de todas as amarguras, o dia-a-dia não mais é tão natural. Acabou-se a indisposição, o que se pede salta a face da imaginação e se torna tão compreensiva quanto vivenciada.

"Meu Deus, pelo menos comunicai-me com elas (as estrelas), fazei realidade meu desejo de beijá-las. De sentir nos lábios a sua luz, senti-la fulgurar dentro do corpo, deixando-o faiscante e transparente, fresco e úmido como os minutos que antecedem a madrugada. Por que surgem em mim essas sedes estranhas? (...) Aqui, junto à janela, o ar é mas calmo. Estrelas, estrelas, rezo. A palavra estala entre meus dentes em estilhaços frágeis. Por que não vem a chuva dentro de mim, eu quero ser estrela. Purificai-me um pouco e eu terei a massa desses seres que se guardam atrás da chuva"*

Depois de interagir com aquele olhar, me propus a perceber se era espelho ou era apenas fingimento. Quando estava ciente de que nenhuma das duas alternativas eram cabíveis tentei achar mais algum problema com a minha aparência, pouco satisfatória. De repente me vi extremamente deselegante fixando o olhar no outro olhar. Suspiros. Vontades de estrelas em comum, cartas de amor e saudades.

A magia, ponto forte da investida no encontro, fica concentrada no quesito mistério. Aquele ver fora do enxergar. Aquele estar sem presença. Aquele recado lido e sem resposta. Aquela foto inconfessada. Parece inscrever no caminho a veracidade do toque sem sensibilidade aparente.

"Elas feitas, também me deram vontade de mais, de vê-la mais, experimentar novas temperaturas nesse espaço ai esboçado... foi feito muito com sentidos perto do coração selvagem também, de estar conectada com o dizer de desejos infinitos, amplíssimos e de plena solidão e felicidade voraz. E aguçamentos intensos quanto aos afetos da natureza, sim, muito fortemente"**.

Ao final de mais um (des)encontro, uma sensação de que mais poderia ter sido dito. Ou pelo menos algo se faria florescer do ouvir, ou pelo menos permanecer o olhar. Acompanhar sua roupa em movimento, seus gestos. Depois momentos virtuais. Troca de sons. Mais sentidos em comum. Mais sensação de identificação. Mais beleza. Os dois!

Ilustração: Vânia Medeiros

* Trecho de "Perto do coração selvagem" de Clarice Lispector
** Texto de Vânia Medeiros

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