18 de março de 2007

Ao caminho... passos!


Primeiro, penso que não estou andando por aceitar as correntes de meus próprios passos. Me demiti da simbologia abstrata há algum tempo atrás, mesmo sem me perguntar muito o por quê disso tudo me fazer muito mal. Também não tenho medo das conseqüências de não saber de certo o que é real para muitos. Tenho adquirido saberes importantes no olhar e a coisa mais sincera que posso afirmar aqui agora é que a lição real do não-saber foge do estigma da humildade e passa ao sentimento pura da ignorância. Amistosamente, tenho reparado na ambição de minhas caminhadas por lugares estreitos. Faço silêncio quando necessário, não para escutar alguma voz que seja subliminar para as escolhas bem feitas. Não há mais ingenuidade na provisão infantil de qualquer sentimento de culpa que se possa ter a partir de agora. Mas fico quieto por que não tenho nada a dizer que vá servir para que eles andem com mais facilidade. Alimentando os egos (e subgêneros desse presente perfeito), a escrita não é por lição a outrem, mas para me dizer caminhando.

"A coisa é tão delicada que eu me espanto de que ela chegue a ser visível. E há coisas ainda tão mais delicadas que estas não são visíveis. Mas todas elas têm uma delicadeza equivalente ao que significa para o nosso corpo ter um rosto: a sensibilização do corpo que é um rosto humano. A coisa tem uma sensibilização dela própria como um rosto"*

Ao deixar-me submeter a todos os aspectos de tal egocentrismo.

Então... a gente caminhava indiferentemente aos acontecimentos que circundava os corpos. Uma situação tal inóspita, sem causa fundada, sem nenhum desespero. Estávamos tranqüilos nessa decisão. Particularmente não estava preso a vulnerabilidades e não que ao meu lado até o pensamento vivenciava ares de liberdades gigantescas.

Produzíamos até sensações esdrúxulas com a boca, sem precisar apelar para qualquer diálogo suprareal sobre a filosofia da intensidade de viver em tais insignificantes novos tempos. Seria de tal forma ridículo se não encarássemos a complexidade do fato no olhar do outro como ridicularidades substanciais. Seria até lírico imaginar que os desejos da língua, marca de um ousado limite (ou a ausência de), viriam de um vermelho latente característico do gosto comum pela película almodovariana. Então não é insensato a existência de similares sensações.

“A meia altura de uma árvore indeterminada, um pássaro invisível empenhava-se em que fosse breve o dia, explorando com uma nota prolongada a solidão circundante, mas recebia desta uma réplica tão unânime, um contragolpe tão reduplicado de silêncio e imobilidade que dir-se-ia que ele acabava de parar para sempre o instante que procurava fazer passar mais depressa.”**

Tinha-se um profundo enlace na gestão das sensibilidades. A distração era argumento sempre para a primazia da escolha pelo momento de preguiça sem tédio, muito menos culpa. Logo, não se pretende pedir perdão por não querer ser. Enquanto houver a possibilidade do caminho espontâneo haverá, de forma simples, a singela vibração transeunte do conduzir e do manter a necessidade da aliança - elo sensível.

Indiferente da abstração, viria a derrubar literalmente, todas os paradigmas do ser, sem conseguir estar aparentemente satisfeito com o que se estava sendo. Sentei-me em algum lugar (invisível), me deixando inesperadamente ouvir músicas de Chico (Buarque) como se entendesse da criação de realidades significativamente concretas. Tomei cerveja preta trivialmente sem sentir sinais de cansaço.

"Roda, toda gente roda
ao redor nesta praça
e formosa
(...)
no meio da tarde de um imenso jardim"***

Ainda se sonharia entre pinturas de Van Gogh e suas loucuras todas seriam sensações de leveza. A delicada ilusão de estar criando na imaginação. Cheirou uma flor só e ouviu a música ainda a tocar.

Ilustração: Vânia Medeiros

* Trecho do livro A Paixão Segundo G.H. de Clarice Lispector
** Trecho do livro No Caminho de Swann de Marcel Proust
*** Trecho da Música Domingo de Caetano Veloso

2 comentários:

Anônimo disse...

quero me enlaçar na sua forma de gerir suas sensibilidades... sempre.

de RR, por Carlos disse...

Niltim, rapáz, perfeito... sou seu fã