6 de janeiro de 2008

A duas mãos*


Ele caminhava por pétalas amarelas e vermelhas que o chão continha. Tinha vento a tocar a música singela da passagem. Mas foi na curva que não pôde deixar de ver um casebre ao longe, enfeitado por pequenas pedrinhas em sua parede, a qual tinha sido construída pensando naqueles tempos de fluidos imaginários e de brincadeiras infantis com rodas, tricículos e pique-esconde.

O casebre não era um lugar. Era a vontade de aconchego, de paciência, de vontade de viver. Então, abriu vagarosamente a porta
da esperança e do desejo, da determinaçãao e viu, por entre as gretas, letras subindo pela parede da porta azul com bolinhas laranjas. Aquilo mais possibilitaria alcançar seus mais profundos desejos. Foi então que ao derramar das letras percebia que a possibilidade das palavras criara uma diversidade de sentidos que ele mesmo ainda não tinha descoberto.

Preferiu deitar no chão de madeira polida e contemplar os símbolos constantes derramados pela parede.
As palavras que ele conseguia capturar iam lhe fazendo se entender aos poucos, mas ele queria mais. Ele queria viver de maneira mágica, queria transcender o imaginário e, concretamente, entender e vivenciara melodia do vento a passar pelas asas da borboletinha vermelha e preta que voa pelos jardins do fundo, tão singela e tão profunda. Além de não ser dual e se entregar ao sim solenemente, aprofundando a liberdade de si e masageando a ilusão de estar. Tão diferente era o ser que se observava aumentado e, incompleto que era também sentia medo. Dentro do casebre, o principal dos medos estava ligado a alguns reflexos do observado. Em constante movimento dentro de si, saia aquele espasmo.

O medo vinha em formas pulsantes, latejantes e esvaia-se em faltas, vazios fulgazes que saia dele, amorosidades inconfessadas e soberba de ser incompleto. O reflexo, ao menos, o entendia sagrado. E, então, visionário de uma beleza que a construção dae sua história tinha concebido.

Foi então que a seus pés caira a palavra tempo.
Por sua mente passou um mar de coisas, mais ou menos dois minutos depois da queda. Deu-se um estalo e ele compreendeu que o verde das folhas com as pequeninas flores laranjas tinham um sentido diferente em cada primavera. E assim a palavra tempo tomava a dimensão de que tudo, menos a beleza de se ver inteiro é temporal. A primavera voltaria para as flores, assim como o inverno para o vento, como as frutas amarelas para o outono e a saudade para o verão.

Para ele o tempo era mais que momentos a interagir com o mundo, era a necessidade de
analisar calmamente cada situação e poder compreender que nada é estático; que a vida é construída por ciclos e que a cada ciclo a renovação se faz presente. E na varanda do casebre ele viu o alaranjado do pôr-do-sol e sentiu que era o tempo o mestre dos desejos e que então estaria a se completar no ambiente.

O casebre, símbolo primeiro da sua vontade de ser, tinha mais do que a possibilidade de resgatá-lo. Era um casebre construído dentro dele. O que chovia nas paredes eram, daí, os sentimentos que já existiam palavras para dizer-lhe.


Os sentimentos em que era difícil delimitar palavras pelo desconhecimento da maneira de fazê-lo, a cada momento eram intensificados e a busca pela sua exploração gramatical era cotidianamente construída. Existiam momentos em que a incessante necessidade de viver pulsavam tão forte em seu peito, que ele gritava forte aquela palavra que mais explicitava o que era sentido.
Ele é o casebre.

O casebre é a palavra e a palavra é o tempo.

Foto: Vânia Medeiros

* Texto escrito por Niltim e Taysa, em um jogo de criações simbólicas conjuntamente.

11 comentários:

PatSodré disse...

Lê-lo na balsa foi a melhor idéia..as ondas fortes, o sol se pondo, nós juntos!

criativos!!

Zé Diego disse...

juntos ouvimos e juntos curtimos.lindo! essa ft de vania parece uma pintura! caiu como uma luva no texto.

Larissa Santiago disse...

"a palavra é o tempo"
AMÈM.
lindooo.. bju Niltim

Franklin Marques disse...

o que eu mais gosto é do fim, da última frase, a solta, feito palavra, feito tempo.

Flávia disse...

Amo esse estilo de escrita, que mescla simbolismos e elementos cotidianos e nos permite essa sensação de levitar durante a leitura...

Lindo texto. Lindo blog.

Beijo!

Anônimo disse...

"O casebre, símbolo primeiro da sua vontade de ser, tinha mais do que a possibilidade de resgatá-lo. Era um casebre construído dentro dele. O que chovia nas paredes eram, daí, os sentimentos que já existiam palavras para dizer-lhe."

muito bonito isso!
seu blog é primoroso.
cheio de ótimas referências.
ai...clarice!

e quanto a parte que você destacou no meu texto...algumas coisas foram feitas para pesar mesmo!

um abraço!

Comissão Pró-Índio de São Paulo disse...

"O casebre é a palavra e a palavra é o tempo"

e o tempo é vontade...

lindo lindo como sempre querido!
Parabéns a vc e Tays

DieGo Albuquerque disse...

Piquenique no From é boa, nêgo.
Eu assisti aqui em Feira na direção de Suzana Vega e gostei!

Filipe Duarte disse...

Na balsa eu me reconheci nesse texto... ele me disse tanta coisa!

Amo a gente junto no mesmo lugar!

Vocês são a minha novidade!

Amo vocês!

Brício Salim disse...

niltim!

très jolie!

=]

Thaís Butterfly εїз disse...

"Ele queria viver de maneira mágica, queria transcender o imaginário e, concretamente, entender e vivenciara melodia do vento a passar pelas asas da borboletinha vermelha e preta que voa pelos jardins do fundo, tão singela e tão profunda"


Quem não quer viver assim ... sempre sonhando??

lindo texto e lindo blog !

Seja feliz sempreee !