9 de março de 2014

Sujeito indefinido [ou carta à ilusão]



Sabia-se que havia um determinado sujeito oculto por aquelas bandas. Sujeito sisudo, não introspectivo, dentes amarelados, olhos fixos de tristeza para o infinito. Diziam por alí que era gente boa aquele rapaz, que cumpria ordem, tinha opinião sobre tantas coisas e que tinha uma órbita rondante que favorecia sistematizar seu olhar em fluidos ora coloridos para ser vibrante, ora preto e branco pra ser tocante. A lenda pontua que ele era inofensivo, mas que mergulhava de cabeça na sua rotina para espantar fantasmas e medos torpes. Até aí tudo normal, mas o que espantava mesmo nele era a capacidade de se iludir.

Seria possível alguém tão ingênuo - ou até mesmo tão punidor de si mesmo - que admitia romances imaginários, paixões vertiginosas sem possibilidade de retorno, delírios de amor sem afeição correspondida? Enquanto passava ostentando um drama individual criado pela própria vontade de sê-lo, não era visto com bons olhos pela vizinhança cansada dos mesmos tropeços do tal sujeito. 

"Ele não sabe não, viu?
E às vezes dá como um frio
É o mundo que anda hostil
O mundo todo é hostil"*

Vestia roupas comuns e tinha ojeriza a não ter cheiro. A ideia nunca foi chamar atenção, mas ser creditado pela sobriedade. Nada exagerado, mas intempestivo. Nada comum, mas disforme, como algo em pleno desmoronamento. Ele poderia ser comparado, inclusive, com um não ser, ameno, na medida exata de não ser oito, nem oitenta, um número como o 37, sem relevância.

Não poderia se incomodar publicamente com a ilusão tão desmembradora, já que lhe era natural que acontecesse. Se lhe coubesse um produto análogo, diria de uma novela sobre a qual a previsibilidade já incomoda os telespectadores. Sujeito dito comum, relativamente descartável, dispensável. 

Foto sobre ilustração: Vânia Medeiros

* Trecho da música De onde vem a Calma do Los Hermanos

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