29 de maio de 2006


A avalanche crítica do anacrônico desejo de estar em outro ambiente reforça a idéia de que ainda há um longo caminho a se percorrer. Para onde? Ainda não se sabe, mas só de existir caminho mais proposições podem ser alcançadas. De repente um silêncio estrondoso. Daqueles que indagam o som e remetem a insuficiência humana de construir imagens de palavras. Mas principalmente da ausência delas. O pior da resiliencia é saber da solidão. De que ninguém sente o mesmo. E nem quer. Quando se olha para um animal qualquer, frio, cortante e gritante, pode se perceber que ele também é sozinho. A questão é que ele não tem consciência disso. De onde vem nossa guerra então? Sem justificativas cabíveis. O confronto humano com as suas próprias víceras massacrantes tem como conseqüência, talvez, violência em forma de imagem que é palavra ou palavra que é imagem. Do ovo e da galinha. Válvula de escape: Orgasmo. Dançar até chover rios por onde passar. Sincronizar os pés na mesma ambiência. Rasgar o solo com a sola e riscar no barro dedos que sobrevivem antes de cair. O sangue corre até as pernas em movimento. Nenhum pensamento, nem imagem, nem palavra. Ele acaba de apreender um passo novo.

Quando eu cheguei tudo, tudo/tudo estava virado/apenas viro me viro/mas eu mesma/viro os olhinhos/só entro no jogo por que/estou mesmo depois/depois de esgotar o tempo regulamentar/(...)/e dentro da menina ainda dança/e se você fecha o olho/a menina dança/dentro da menina/ainda dança/até o sol raiar/até o sol raiar/até dentro de você nascer/nascer o que há (...)*

A escrita previsível disto não é por diletantismos baratos, mas por uma prece sem fundamentos pelo tempo que não tem círculos cromáticos. É que a relação se esgota como se uma porção tivesse chegado ao final. E tem saberes que promove as interlocuções transitivas de um pensamento qualquer. Chega-se a conclusões. Ela está inteiramente ligada ao ínterim comum, seu próprio eu. Isso, vamos fazer um pacto aqui, chamaremos de "Ogíbmu". Explicarei caro leitor para que não fiques sem um mínimo de entendimento desse conceito. "Ogíbmu" se relaciona diretamente com um espaço fechado na relação com o outro. Isso por que sente uma indisponibilidade de assumir acordos mais práticos. Digamos que seja incomum nas pessoas o "Ogíbmu", mas todos, um dia passam por essa fase pictórica. É o que aconteceu agora e por isso ela dança. Porque, não é um dançar sozinho, mas um se relacionar intrinsecamente com essa confluência interna. Não obstante, nada a interessava mais, a não ser essa interação a se julgar de um egoísmo sadio, porém sádico, talvez. Enquanto ele não podia mais imaginar uma forma sensacionalista para lhe chamar atenção. Aquela menina e o seu interagir contínuo com o "Ogíbmu".

"Não, ele não vai mais dobrar/pode até se acostumar/ele vai viver sozinho/desaprendeu a dividir. Foi/escolher o mal-me-quer/entre o amor de uma mulher/e a certeza do caminho/ele não pode se entregar/e agora vai ter que pagar/com o coração/olha lá/ele não é feliz/sempre diz/que é do tipo cara valente/mas veja só/a gente sabe/que esse humor é coisa de um rapaz/que sem ter proteção/foi se esconder atrás/da cara de vilão/então, não faz assim rapaz/não bota esse cartaz/a gente não cai não (...)"**

A assiduidade daquela relação tardia minorava tudo o que subentendia. Ficava nas entrelinhas descobertas sem ignorâncias insensatas. Mais do que genializar alguma convicção, amadurecer qualquer espaço de interrupção qualificada do ser. Talvez do personagem ser. Mas dentro daquele espectro sensível e imaculado. Na origem daquele destino escolhido a dedo, não pode precisar qualquer tipo de sabedoria, nem abstrações coerentes. Misticismo remoto ambíguo. Linguajar inexato, até confuso, até melindroso (maniqueísta, tanto quanto Vladimir Nabokov e seu par de seios rosados). Anacrônico, deixa ela se jogar na mais característica impressão do universo de agora. Mais tardar dará conta de que perdeu coerentemente e por seu próprio descuido o amor dele (assim delicado e em parênteses). Deixa ele sozinho racionalizar o "Ogíbmu" e maturar a compreensão, a compaixão. Ode a qualquer sentimento de equivalência simbólica antiquadra. Ele tem olhos diferentes na mesma face. Pode observar um grande amarelo e um outro azul. Também tem o fato de que fica sozinho, dança solto, chora deitado, ri sem – perdão da palavra – grilos e ela, tonta de vinho caro e cerveja depois de muito esforço pra tê-las, assumindo seu posto pleno de desconfiança vazia. Não, perdão novamente pela palavra. Nada de desconfianças por aqui, até por que não há nem atenção esqueceu? Ela apenas se preocupa com um íntimo e singelo prazer diletante e prático. Gozo inebriado dela e novamente é "Ogíbmu" apenas a que ela se preocupa. Normal roda sem parar enquanto ele fica a sofrer "porque gosta".

Ela por ela:

"Não era à toa que ela entendia quem buscava caminho. Como buscava arduamente o seu! E como hoje buscava com sofreguidão e aspereza o seu melhor modo de ser, o seu atalho, já que não ousava mais buscar caminho. Agarrava-se ferozmente à procura de um modo de andar, de um passo certo. Mas o atalho com sombras refrescantes e reflexo de luz entre árvores, o atalho onde ela fosse finalmente ela, isso só em certo momento indeterminado a prece ela sentira. Mas também sabia de uma coisa: quando estivesse mais pronta, passaria de si para os outros, o seu caminho era os outros. Quando pudesse sentir plenamente o outro estaria salvo e pensaria: eis o meu porto de chegada"***

Ela não usa maquiagem, tatuagem. Ela não usa sentimentos baratos, nem blues do Djavan a toa. Ela não usa macaco, não usa televisão de cachorro, nem musiqueta pop dos Estados Unidos. Ela não usa black-tie, ela não usa capa de burguesa, ela não se usa (?), ela não se mostra, ela usa a solidão de decalque, ela usa partitura, ela usa uma miniatura de rosto riscado, ela usa uma calcinha que não se mostra, ela usa primazias como confluências de paradigmas, ela se usa no mais significante que seja isso (?), ela usa um conceito novo "Ogíbmu" e ela não olha mais pra ele com vontade de estar junto. Por isso ela não o liga mais, não o convida mais, não tem mais tempo pra ele. Ela e "Ogíbmu". Ela não usa mais ele. E ele só queria uma poesia de amor em seu mais novo endereço: o destino dela.

Ela escreve a poesia dele:

"Quando o meu mundo,
assim quiser
debruçar nesta janela,
e mais tarde quem sabe
o encontro com o horizonte.
Me provoque grandes emoções
Talvez o delírio de sorrir,
Sorrir plenamente
Um sorriso lindo
Lindo de morrer
Morrer de êxtase
Sem suicídio
E assim ver bem fundo
Suas verdadeiras intenções
Um coração limpo
Limpo de má intenções
Minha janela é assim viva como uma água
Improvisa e visa tudo
Buscando obter água
Estava tão linda
Esperando por ela
Descobri que ela sou eu
E eu, sou ela
Essa é a minha janela
Que talvez me revele
um grande amor
amor perdido por desamor
quem sabe por arrogância
de ser o próprio amor
mas isso não me vem agora
transformar minhas intenções
busco o talvez agora
minha própria remediação
sou livre
não sou?
Queria amar agora
Alguém que só me tem desamor
Mas não perco a esperança
De ser surpreendida agora
Por uma grande
Revelação de amor"****

Ele se provocou, ela era assiduidade. Os dois se transformaram e como poção que se esvai há uma falência na relação? Ele, pedido de cafuné, ela "Ogíbmu".

Ilustração :: colhida na Internet - texto de Clarice Lispector

* Trecho da Música A Menina Dança de Moraes e Galvão (na voz de Marisa Monte)
** Trecho da música Cara Valente de Marcelo Camelo (Na voz de Maria Rita)
*** Trecho do livro Uma aprendizagem ou o livro dos prazeres de Clarice Lispector
**** Poesia de Cássia Lima do livro Simétricas Imperfeições.

5 comentários:

Anônimo disse...

eu gosto de ler seus pensamentos aí. gosto de ouvir alguém que tanto me ouve e me ensina a ouvir, gesto até santo, sabe?
é por isso que eu te amo e cito Rubem Alves aqui. Ele nos ensina a ouvir (ah, mas isso você, passarito, sabe tão bem...aprendo contigo):

"(...) A gente ama não é a pessoa que fala bonito. É a pessoa que escuta bonito. A fala só é bonita quando ela nasce de uma longa e silenciosa escuta. É na escuta que o amor começa. E é na não-escuta que ele termina.

Não aprendi isso nos livros. Aprendi prestando atenção. Todos reunidos alegremente no restaurante: pai, mãe, filhos, falatório alegre. Na cabeceira, a avó, com sua cabeça branca. Silenciosa. Como se não existisse. Não é por não ter o que dizer que não falava. Não falava por não ter quem quisesse ouvir. O silêncio dos velhos. (...)Aprendi que hoje as pessoas procuram os terapeutas por causa da dor de não haver quem as escute. Não pedem para ser curadas de alguma doença. Pedem para ser escutadas. Querem a cura para a dor da solidão.
(...)
O ouvir é feminino. O pênis ereto é uma pobreza. É uma súplica, uma oração por uma vagina que o acolha. A semente, para germinar, precisa de um buraco na terra que a acolha. A fala é pobre, falta. Procura o vazio do ouvido. A ejaculação da fala, masculina, acontece num momento. Mas a germinação da escuta, feminina, demanda tempo e silêncio.

Para ouvir não basta ter ouvidos. É preciso parar de ter boca. Sábia, a expressão: 'Sou todo ouvidos'. Todo ouvidos; deixei de ter boca. Minha função falante, masculina, foi desligada. Não digo nada. Nem pra mim mesmo. Se eu dissesse algo pra mim mesmo enquanto você fala seria como se eu começasse a assoviar no meio de um concerto".

Anônimo disse...

ah, esse texto se chama "Se eu fosse você...". Retirado do livro "O Amor que Acende a Lua".
beijo!

Anônimo disse...

E pela lei natural dos encontros...

Eu deixo e recebo um tanto.

f.

Anônimo disse...

Aonde a calma apareceu.

f.

Anônimo disse...

Sublime!