11 de maio de 2009

Encantamentos


Enquanto estava esperando o sinal abrir nem imaginava que a sensação de não estar me vigiava. Nem entendia das razões, mas já que estava parado em frente a carros precisava fazer alguma coisa, então decidi pensar e pensar nessas sensações que não conhecia de perto. Foi quando avistei a moça se aproximando e aí queria mesmo era que as cores alí se transformassem para eu ganhar uma maior liberdade. Isso não se ganha, poderiam dizer sem argurias, mas eu, tal ignorante que sou vou aproveitar minha possibilidade de ingenuidade para acreditar nisso. Balbuciei algo resmungando da solidão na estrada para ninguém ouvir, como se fosse possível viver sem licensa para ouvidoria alheia - risquei aqui minha sensibilidade partindo o sonho das minhas abruptas mãos. - licensa! Pediria ela chegando bem perto para abrir um leque de possibilidades; talvez conversa, espera em comum, risada daquele desajeito que via ou outra coisa de seu pensamento. Ainda bem que eu a reconheci antes disso tudo.

Cansa-me esta toda sequência de... do que nem sei mencionar. Como ritual de re-conhecimento. Se ela soubesse que sabia de mim perguntaria o que sou hoje e então nada disso teria sentido. Menos sentido teria a minha resposta. De certo diria que sou um cantor. Que faço dos tons meu universo de poesia para expressar minha calma e minha lisergia. Mas isso não era uma justificativa cabível, pensei agora. Como justificaria que usava do meu som para o viver da canção? Minha filosofia não teria símbolos concretos em palavras para ser assim sincero nessa argumentação, então não serviria. O que diria então? A que posso atribuir minha vã existência?

Ela nada escutara e eu nem ao menos a conhecia. Pensei que o nada que eu poderia ser, nem esse, eu poderia justificar. Diria - não sou, e tenho certeza que ela me responderia com outra questão como: E se faz o quê quando não é?

Não a poderia deixar chegar tão perto. O medo desse questionamento me fazia suar frios nas mãos que segurava o caderno e a agenda. Quis andar, mas precisava atravessar aquele caminho do qual o sinal me soava vermelho como paralisia. Por que eu teria vontade de chorar? Tinha me atirado sem certezas? Deixaria ela chegar para não me entender? Fiquei pensando em outras respostas desesperadamente, precisava ter um significado lógico para o que diria a ela. Até descobri que dessa forma não poderia ser nada. Poderia conjecturar algo simbolico o suficiente para dizer o que era. Pensei em me dizer crente, mesmo assim não entenderia toda a minha idéia sobre isso. Foi quando lembrei de alguém ter dito algo sobre ser apenas quando não o é, quando se morre. Mas eu consegueria justificar a morte ou algo depois disso? Pensei em desenhar algo no chão para falar de mim. - Sou intérprete, disse sem pestanejar e com medo. Mas ela ainda não tinha chegado tão perto para ouvir antes de perguntar. Até que o sinal abriu e eu não conseguia saber se o andar era de nervoso ou se era justamente a liberdade que ganhara. Falei tão alto que eu mesmo tinha me escutado dizer que interpretava a existência, então pelo menos pude rir antes de caminhar. - Mas olhe bem, eu não sou ator, sou intérprete. Ainda pensei assim, lembrando de Maria Bethânia no cinema. - É por isso que estou tentando desenhar e que as imagens me aceleram as batidas do pensamento, além disso sou sensível ao que não posso fazer bem feito, fazendo mesmo assim para continuar a ser. E ri, novamente. Quanta besteira pensava enquanto a luz enverdecia.

Seria muito perigoso pensar muito sobre isso constantemente. Viveria por escrever frases de efeito em bilhetes de amor ou até mesmo fazer um bem arrogante ao alheio. Prefiro ser alguma coisa, pensei. Mesmo assim dei um sorriso pontou e atravessei a rua nos minutos que faltava. Ela devia pensar no que estava sendo e isso bastaria.


Ilustração: Vânia Medeiros

3 comentários:

Anônimo disse...

Que fantástico.
Mas ela pensou no que vc é. E se ela pensa na possibilidade de vc ser algo. Vc pode ser o pensamento dela.

Digo disse...

É! nós somos! quer dizer... ESTAMOS! e se pensamos no minuto do pensar já não somos mais o que pensavamos, se projetamos, o proprio projeto não é mais, nem o será, e nesse labirinto, vi esses dias no msn nos resta a seguinte reflexão: " não pedimos pra nascer, nem queremos morrer, logo nos resta aproveitar o intervalo!

Franklin Marques disse...

que lindo, que lindo, que lindo!!!
Hoje ouvi uma coisa assim de um texto de Guimarães:
"Quem foi não é mais"
Daí, é isso... Ser sempre, para não mudar o tempo do verbo e deixar de ser interprete, movimentar-se.