4 de novembro de 2014

Rompantes de silêncios


Éramos dois a sós. Um ao outro em fúria. Ilegítimos vestígios de sensatez para um casal malfeito. Éramos sós a dois, do tipo que não se reconhece em qualquer imagem desleal que passa no quadrado de moldura branca - a tal da janela. O devaneio se orienta por não ter um pressuposto contínuo entre um e outro e por isso não tem olhos nos olhos possível, não tem toque de mãos sensíveis, não tem ilusões ancoradas em tempo e espaço.

Foi quando percebi que, mesmo assim, mesmo depois do nada, meu corpo debruçava para o dele, talvez como pressuposto para me contrair pela vontade, me redimir de tal carência, me sucumbir de vez na liberdade de estar dentro do outro.

Era um desmantelo, um ofuscar do olhar. 

E a utopia se descrevia assim: cheguei atrasado/você me espera/sorri ao me ver/me pega pela mão/me fala alguma coisa sobre "s a u d a d e d e s s e c h e i r o"/comprei seu ingresso/eu compro a pipoca/toquei sua mão sem querer/aperta meus dedos em resposta/nos olhamos///

Rompantes sinceros de apatia e de silêncios se coordenava com o jeito longe de perto do qual ele falava sobre vidas alheias. É que era a justificativa para dizer-se impedido e eu era como um macarrão que cozinhou demais, sem saber onde colocar os gestos.

Afinal, estava alí com braços esticados e coração aberto. E estava só!

*Ilustração: Vânia Medeiros

2 comentários:

Pequen(A)mar disse...

Lindo, gato. Viajei.

R.C. disse...

Depois... a sensação de nudez "almática".