24 de agosto de 2016

Carta de saudade com o lugar



Soterópolis, inverno 2016.

Caro amado,

De certo, tomo suas palavras como o mundo. É que ele em expansão não me responderia com tanta objetividade delicada. Da janela entrecortada de grades, não se tem notícias de raios de sol, mas períodos de amornação  parecem necessários para diminuir a velocidade. Ao passo que a meteorologia prevê instabilidade por essas ruas. Aqui chove, não consigo sair sem me afundar em águas solitárias, numa corrente de vontades inconfessadas.

Mas há a ilusão como bem guarda. Amansadas as películas de segurança, escrever é como sal grosso solúvel em água pra aliviar o cansaço do não querer quem se quer. Talvez no fundo, o mundo precisa ser lembrado das saudades pulsantes, das imaginações contidas, das liberdades sensatas, do amor contido.

Tinham dois pássaros apoiados na janela enquanto precipitava o céu. Tinham corpos brancos com uma faixa preta no peito. Suas cabeças vermelhas contrastavam o bico escurecido. Aspiravam medo, mas tinham decidido juntar asas. Não faz muito sentido, ao bem da verdade, mas não procuravam sorte, nem pesar. Como aves, talvez pela fome de um próximo néctar juntos eu escreva. A soltar um pensamento flor de se entregar, just like oil in my hands*.

Espero que chegues de volta a ti essa carta como um floreio de pássaros de face carmezim. Algo como um cobertor mais leve em dias sem sol, já que se ensaia uma estação adversa por essas ruas ribeiras; já que querer-te perto é um ensaio de banho de nuvem. Vem?

Pelo bem querer.

Do seu,

Lugar!

* Trecho da música Like a Star de Corinne Bailey Rae

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