19 de março de 2012

O outro em semitom



Andou alguns metros depois que fechara a porta sem solenidades, sem delicadezas. Tinha encontrado uma esquina, dessas onde o romantismo passa longe. Esquina suja de passadas largas, originalmente feita para encontros desavisados, já que o que vai não poderá saber, com visão, quem vem. Era o lugar certo de sentar-se e acolher os desapontos. Mastigar as enfermidades da alma. Ou simplesmente estar para pensar se ir ou esperar que alguém venha. Voltar não. Imaginou uma folha em branco para rabiscos e palavreou em sua mente alguns destinos torpes. O desafio estava posto: aguçar a insanidade para conseguir respostas pacificadoras.

Aquele exato ponto era o voadouro. Voadouro não é palavra inventada, mesmo que não exista. Vem da língua imaginária qualquer, que alguém já adivinhou antes: lugar de saltar para as nuvens de sensações. As podadas asas de todas as pessoas, forçavam nele passos incompreendidos entre o solo e a cruzada pelos ares. Cadeiras, pássaros, moleques desinibidos. Coisas que não o deixavam fixar cerimônias, alongar perenes satisfações.

Para modificar o pensamento da ancoragem, decidiu continuar a andança. Passou por cores vibrantes reluzentes do sol sem aguçar o olhar para enquadramentos, ouvia pouco os barulhos do pensamento para não se indispor consigo mesmo.

E migrou os tópicos de tempo. Faltava similares para arredondar as anormalidades. Faltava afeto, também. Magro que era, passava com afã pelas azeitadas sensações de indiferenças que tanto procurava. E a sua individualidade era tão gritante que mais parecia uma solidão desesperada, um tal vazio de si que regurgitava, como refluxo. Obcecado pela estrada, lembrou que não tinha como ir e precisou voltar. Estava atrasado, pensava, estava sonhador sem dormir direito.

Ele não era tão velho, era envelhecido pelo discurso, pela hipérbole. 

Um comentário:

Anônimo disse...

Ele não era tão velho, era envelhecido pelo discurso, pela hipérbole.

Talvez um eu atravessado na garganta, agora...