16 de abril de 2006

"Além da vida ainda de manhã de um outro dia"*


Prisma diferente. A literatura dos poros alimentados pelo tempo chuvoso se arrasta multidões a fora a procura de sensibilidades que se escondem na mais completa obsessão dos sentimentos alheios. Ficou claro que são símbolos e que nada mais admite perspectiva falseada ou disforme. Não há mais parâmetros para se verificar resultados. Não há incrementos, nem remédios mais. O que há são linhas a se desenhar do traçado das mãos e dos olhos cansados que se despedem no andar ligeiro e rumo a um ponto conhecido. Aquele território, de certo, sombrio e vazio. Aquele lugar sem forma, sem acompanhamento. Enquanto eram os olhos que andavam, surgia luminosidades por trás das plantas que cercavam o movimento. Era muito mais que lamento, se você espera saber. Era vontade de chegar a esse tal lugar já conhecido pelo corpo e menos conhecido pelas carícias. Esperava modificar o ambiente. Encontrar alguém a espera no portão para que não fosse traumático pensar que nada seria diferente. Mas os passos continuavam firmes, os passos, não mais o olhar. Esse já tinha se dispersado pela luna guia da noite. Conotava sentimentos de liberdade, mas o que queria era uma prisão de carícias afetivas.

"E por que haverias de querer minha alma
Na tua cama?
Disse palavras líquidas, deleitosas, ásperas
Obscenas, porque era assim que gostávamos.
Mas não menti gozo prazer lascívia
Nem omiti que a alma está além, buscando
Aquele Outro. E te repito: por que haverias
De querer minha alma na tua cama?
Jubila-te da memória de coitos e de acertos.
Ou tenta-me de novo. Obriga-me."**

É mais clarevidente a forma que se tem mediante as originalidades que são atraídas pelo homem fino de andar calado e que não presta muita atenção ao rebuscamento das luzes amarelas de mercúrio. Mas na noite só é isso que se tem pelo caminho. Mesmo assim não se é de prestar atenção nessas coisas fúteis. Ela não. Ela fica parada analisando a mensagem descritiva que pulsa nos canteiros de obra fictícios a essa hora da noite. Ela não finge mais estar em movimentos inalterados. Ela finge outras coisas agora. Aliás, elas. Por que são duas. Uma de carinho excessivo e a outra de rodopiar pelas frestas de desejo no chão de terra batida e no piso de madeira que lhe comove. Não há interconectividade entre eles. Afinal ela são duas e ele apenas um só a encurtar o caminho sem muito afago. Ela, moviemento e rodopio, joga o relógio no rio para que a água sirva de contagem do tempo. Ele não esquece o telefone que poderia ser transporte para o lugar secreto que ela está se guardando. O caminho é o limiar da presença. Limitante da forma de enxergar pelas beradas e adicionante no ritmo acelerado dos carros a transitar pela rua ainda sem cor. Canal fechado de discórdia. Há muita cumplicidade entre o homem e a mulher, que agora está dividida. Amálgama da dubiedade, mas esse nunca foi motivo para causar o discrédito. Foi motivo para ensaiar outros rumos. O descrédito vem com o romantismo, tão barroco no seu exacerbar. É um menino doce que fala de clichês e ele sempre está certo. Não há mais dúvidas de que, nesse caso, o amor nunca pode ser verdura. É salada de frutas.

"
(...) Teu sorriso quieto no meu canto

Ainda canto o ido o tido o dito
O dado o consumido
O consumado
Ato
Do amor morto motor da saudade

Diluído na grandicidade
Idade de pedra ainda
Canto quieto o que conheço
Quero o que não mereço
O começo
Quero canto de vinda
Divindade do duro totem futuro total
Tal qual quero canto
Por enquanto apenas mino o campo ver-te (...)"***

A plasticidade deles é palvra que insiste em projetar imagens disconexas. Eles são meio tortinhos sim, mas é que eles são belezas. Acessiveis imaginários estéticos. São mais que gruarda-chuva em tempo de inutilidade e frio. São Pararaios que atraem energia abundante em determinado espectro, em determinada frequência. Por que nada de matéria e partícula. Eles são é correntes. Por isso, deixaram há tempos de neutralidades vazias. O homem e a mulher, menina, que são duas, são tão macios quanto um sonho alimentado pelas artes. De infinitudes, há sim um prisma diferente. Ainda assim, são literaturas, não por caberem em palavras, mas por serem símbolos endógenos. Dessa forma, escreve-se imaginações.


Ilustração :: Arnaldo Antunes

* Trecho da música Se tudo pode acontecer de Arnaldo Antunes
** Poema O desejo de Hilda Hilst
*** Trecho da música Acrilírico de Caetano Veloso e Rogério Duprat

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