18 de abril de 2006

No instante das cores em fuga


E os momentos da realização não estão em simetria. Não se pensa em luxurias. Tão somente em qualquer outro pecado. A sorte é que lançou mão da desordem para continuar em dúvida. Nem se ria dos anti-movimentos que tentava realizar, estava em dúvida agora e, pensativo, não conseguia se concentrar na contingência de aocntecimentos que não hesitavam e atravncar o seu caminho. Nem se percebia que não precisava sair do lugar pra ser transportado. Nem se abriu os olhos sequer. Eram pés separados, assim como os desejos. Só se poderia relacionar-se com vidros, não com o que se passava dentro dele. O sinal mais coerente de que não era muito sentido o conceito próprio. Sobrou para o velho vício de sonhar, era só o que se podia fazer. Agora nesse caminho fugidio, nada mais poderia ser feito. E, mesmo se pudesse, sobrou somente o velho vício de sonhar.

" Mais vale o meu pranto que esse canto em solidão.
Nessa espera o mundo gira em linhas tortas.
Abre essa janela
A primavera quer entrar
Pra fazer da nossa voz uma só nota.

Canto que é de canto que eu vou chegar.
Canto e toco um tanto que é pra te encantar.
Canto para mim qualquer coisa assim sobre você.
Que explique a minha paz. Tristeza nunca mais."*

Durante o caminho, agora a andar, a noite não deixa sombras. Pensou seriamente no momento do emancipar o limite. A grande questão estava no que de fato estará a se desenvolver com o objeto onde se aloja o sentimento. Por que é tão difícil o entendimento? Talvez por que se caracterize pela falta, pelo ócio. A chave caiu de sua mão. Nervoso, cata do chão escuro e abre a porta sem deslizes, sem outras recomendações. Estava a adentrar o visível. Estava a ponto de se descobrir ainda mais. Deixou de aliar-se a qualqer tipo de patrimônio. A vontade era, apesar de que o caminho o levara em outra direção, chegar ao amor. E o amor? Só se confere no estar junto.

" Poeminha de frio

Eu escrevo
Você passa a rua e não olha
Boceja na gravura
Me dá uma esmola
E diz para eu não sofrer
Mas eu não sei a altura desse amor
Amar é arriscado demais
Prefiro te ver"**

Mapas não existem para se chegar a um caminho redondo de verdades sempre provisórias. Nem mapa, nem muito menos bússolas. Pois as localizações agora são meros conselhos insensatos. A coisa mais importante de se ouvir nesse momento está na possilidade de convencer da simplicidade do encontro e de que mesmo na solidão estarão juntos. Ao andar tinha no chão pedrinhas de cheiro, daquelas que exalam esperança de possibilidade. A felicidade foi apenas se conectar para estar um pouco mais linkados, descrevendo-se em menores cartas, quase bilhetes de conversa. Tinha cedido tudo o que podia, tinha estado o tempo todo a tentar entender uma tela. Não dava mais para continuar. Foi ao descanso, para encontrar no outro dia mais pedrinhas de cores no chão, daquelas que brilham aos olhos cansados para derreter todas as certezas e fazer desaparecer por algum tempo as cicatrizes.


"Como é que a sua solidão se comporta? Ou, talvez, dando um giro na pergunta: Como você se comporta com a sua solidão? O que é que você está fazendo com a sua solidão? Quando você a lamenta, você está dizendo que gostaria de se livrar dela, que ela é um sofrimento, uma doença, uma inimiga... Aprenda isso: as coisas são os nomes que lhe damos. Se chamo minha solidão de inimiga, ela será minha inimiga. Mas será possível chamá-la de amiga? Drummond acha que sim:

'Por muito tempo achei que a ausência é falta.
E lastimava, ignorante, a falta.
Hoje não a lastimo.
Não há falta na ausência. A ausência é um estar em mim.
E sinto-a, branca, tão pegada, aconchegada nos meus braços,
que rio e danço e invento exclamações alegres,
porque a ausência, essa ausência assimilada,
ninguém a rouba mais de mim.!' "***

Há um ritmo compassado. De longe ouve-se o tra, o tra e o tra cada vez mais suave e, ao mesmo tempo, mais veloz. E o tra, e o tra, e o tra se transformava em um ritmo quase vital para o moço que caminha a escutar o som hermeticamente harmonioso. Ele já excitado balançava lentamente o corpo e o tra, e o tra, e o tra era particular e tinha várias formas. O moço estava a indagar-se sobre a ditadura que se implantara naquele momento sobre o seu corpo, já que ele não o comanda mais e quem o faz era o simples tra, e o tra e o tra. Só esmaeceu de tristeza por que o som deixou as cores fugirem. Ainda a espera voltar.

Foto :: Vânia Medeiros

* Trecho da música Casa pré fabricada de Marcelo Camelo
** Poema Poeminha de frio de Ismael teixeira (senhor borboleta)
*** Trecho do texto A Solidão amiga de Rubem Alves

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